A. de Almeida Fernandes
(1917-2002)
Biografia do Historiador Medievalista Comendador
Dr. A. de Almeida Fernandes
Por Flávia de Almeida Fernandes

     Nasceu em Britiande, freguesia do concelho de Lamego, a 26 de Novembro de 1917. Um dos filhos mais novos do Comendador Prof. João de Almeida Fernandes e da Senhora D. Aurora da Conceição Rodrigues – eram nove os seus irmãos -, e foi baptizado na Igreja Paroquial de Britiande com o nome de Armando. 

      Seu Pai foi um homem culto, votado aos livros e à História Greco-romana. Era filho do General Ramsey e da senhora D. Maria Josefa de Castro Fernandes de Almeida e foi, mais tarde, perfilhado por um primo desta Senhora, com quem ela casou, após o falecimento do General Ramsey, ocorrido durante as Invasões Francesas. 

     Desde muito jovem, a ligação afectiva entre Pai e filho era reconhecida. Sabe-se que A. de Almeida Fernandes passava todo o seu tempo livre na Biblioteca de seu Pai e existem trabalhos que realizou com a idade de 14 anos. Estes, versando, embora, várias temáticas, denunciavam o seu especial interesse pelos primórdios da História de Portugal.   

     O Comendador João de Almeida Fernandes, reconhecendo no filho características que apreciava, cuidadoso como sempre fora com a educação dos filhos, não deixou de proporcionar àquele aulas particulares de Música, Latim e Inglês. Daí que cedo se tivesse dedicado à Música, compondo e tocando vários instrumentos musicais: órgão, banjo, clarinete e piano, este não muito do seu agrado. O Latim viria a tornar-se, pela profundidade do seu conhecimento, um instrumento de trabalho eficaz e imprescindível; o Inglês e, mais tarde, o Alemão tornar-se-iam também essenciais para o estudo da Toponímia e Antroponímia germânica, o mesmo vindo a acontecer com o estudo do Grego e do Árabe. 

     Armando de Almeida Fernandes foi aluno do Colégio de Lamego, que frequentou, tal como seu Pai e seus Irmãos, até ao 5.º ano, tendo depois ido para Coimbra, completando aí o 6.º e o 7.º ano e, depois, tirando os Preparatórios de Engenharia Civil. No Porto, continuou os estudos do 4.º ano deste Curso, abandonando-o, posteriormente, para se licenciar em Engenharia Geográfica e em Ciências Pedagógicas. 

     Desde os vinte e dois anos até ao final da sua vida, devotou-se ao estudo da História de Portugal (dos séculos V-XIII). As primeiras obras versam primordialmente figuras de grande importância, ligadas à sua região de nascimento – Egas Moniz, Conde D. Henrique, D. Pedro, Conde de Barcelos e ainda as grandes famílias medievais. Leite de Vasconcelos e o Abade Vasco Moreira, amigos de seu Pai, foram influências marcantes no seu percurso como historiador. E nesta sua actividade, escolheu, ao longo dos anos da sua prática, não diminuir o papel e o contributo de outras ciências para a construção historiográfica: a Geografia, a Filologia, a Etimologia, a Onomástica (Toponímia e Antroponímia). O profundíssimo conhecimento do Latim tornou-o um paleógrafo de excepção. Como referiu António Sérgio, “os seus estudos da especialidade (são) particularmente apreciados pelo que revelam de vastíssima cultura, ponderação, agudo espírito crítico, solidez de argumentação e brilho de forma, constituindo, no seu conjunto, um verdadeiro monumento de história medieval da nação portuguesa, em que abundam as novas e justas interpretações, as correcções a inexactas suposições tradicionais, a redução a estreitos de verdade de fantasiosas teses de historiadores sem bases nem senso interpretativo”. 

     Como escreveu Joaquim António Santos Simões, anterior Presidente da Sociedade Martins Sarmento, em Guimarães, A. de Almeida Fernandes era uma “personalidade generosa, lúcida e manifestamente importante para esta Sociedade”. Ou como Alberto Abreu disse “no silêncio do seu gabinete construiu sólido edifício da nossa história alti-mediévica […] com rigor epistémico […]. A. de Almeida Fernandes soube conjugar o rigor de uma historiografia herculaniana com a sua formação de Engenheiro Geógrafo”.  

    Ou como José Hermano Saraiva referiu “a total independência de catequeses, ou apologias, sejam elas quais forem, a desvinculação de escolas históricas, uma liberdade nua e total nas perscrutações de uma verdade, acerca da qual só lhe merecem fé as informações coevas”. 

     Ou como Joaquim Veríssimo Serrão que regista “o valor e extensão da sua pesquisa histórica, que se traduziu em trabalhos de feitura original e que são de consulta imprescindível para o melhor conhecimento da Idade Média Portuguesa”. 

     Foi na biblioteca de seu pai que recebeu os seus primeiros conhecimentos. A sua terra natal das mais ricas na História Medieval Portuguesa, teve, seguramente, uma influência inegável. No entanto, é na sua luta pela verdade histórica, no seu sentido de liberdade total, na minúcia do seu trabalho, no seu carácter e nas suas virtudes humanas, que ao não aceitar uma só traição a si próprio e aos seus princípios morais e éticos, que A. de Almeida Fernandes construiu a sua obra.  

     Ainda a Poesia de que constam, ainda não toda, mas grande parte coligida e publicada, alguns outros interesses surpreenderão: o seu jeito para o retrato e para a gravura, a autoria de músicas de cânticos religiosos à Virgem Maria, poemas sinfónicos, missas e uma ópera. 

     Em 1947, a de 23 de Agosto, Armando de Almeida Fernandes casa-se, na Capela de Nossa Senhora das Necessidades, em Tarouca, com Elda dos Santos Carvalho, natural desta cidade, de que vem a ter dois filhos: Flávia Domitila e Adalberto José. 

     Por opção de vida, decidiu passar a maior parte do seu tempo entre os familiares mais próximos, a quem proporcionou um enorme conforto espiritual e material, e em cuja presença encontrava ambiente propício ao seu trabalho.  

     Em novo, reuniu-se de quanto precisava, deslocando-se, com frequência à Torre do Tombo, a outros Arquivos e Bibliotecas, como a então designada Biblioteca Nacional. Existem, em grande número, documentos, até hoje inéditos que copiou por sua própria mão, num tempo em que ainda se não pensava nem sequer em fotocópias nem microfilmes, bem como todo um conjunto de apontamentos, anotações, inventários, …

     À data da sua morte, ficaram publicadas cerca de 70 obras, embora exista um número de inéditos considerável, dois dos quais prontos para publicação. Seu último manuscrito acha-se em fase de composição e consiste numa Geografia Documental, que contém umas boas centenas de documentos tratados no que interessa à Toponímia, às estirpes medievais e às delimitações das terras, através da morfologia do terreno em que tudo se insere e com que tudo se relaciona. Prevê-se a sua conclusão em 2012. 

          Além de todas estas publicadas e por publicar, destacam-se inúmeras colaborações em edições da especialidade e ainda na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, cujos artigos de sua autoria, sem fossem publicados, em separado, dariam cerca de 100 volumes médios, dado que contamos com um milhar de entradas. 

     Em coerência com a sua opção de vida junto da Família, recusou várias bolsas de estudo, entre elas uma na Sorbonne, outra no Centro de Estudos Históricos de Coimbra, ainda para a Academia Portuguesa da História e convites para universidades, entre outros. 

     O seu espólio pessoal, bibliográfico e documental foi doado pela Filha à Santa Casa da Misericórdia de Tarouca, com o objectivo de perpetuar o nome de seu Pai e de dotar a cidade com o Centro de Estudos A. de Almeida Fernandes. 

     Em 2004, a 20 de Fevereiro, dois anos após o falecimento de Armando de Almeida Fernandes, a Fundação Dona Mariana Seixas, instituiu o Prémio “A. de Almeida Fernandes – História Medieval Portuguesa”, com o objectivo de homenagear este Historiador Medievalista e incentivar a novos estudos sobre as temáticas desta longa e complexa época que é a Idade Média, pré e pós-nacional. 

     O Prémio foi atribuído todos os anos a estudos inéditos e a obras publicadas de reconhecida qualidade científica, até ao ano de 2009. 

     Por motivos alheios ao Prémio, este foi cedido pela Fundação Dona Mariana Seixas às Câmaras Municipais de Ponte de Lima e de Lamego, com a autorização da Filha do Historiador. Assim, em 1 de Julho de 2010, as duas edilidades estabeleceram, em cerimónia pública, realizada em Ponte de Lima, a parceria entre ambas e assinaram o respectivo protocolo. 

     O Prémio “A. de Almeida Fernandes – História Medieval Portuguesa” é o único existente sobre a Idade Média. 

         Embora pouco interessassem a A. de Almeida Fernandes honrarias e publicidades, é facto que dava importância às manifestações de reconhecimento da solidez dos seus estudos e da sua honestidade intelectual. Tal nem sempre aconteceu e houve casos em que se pretendeu ignorar as suas teses, deliberadamente, não citando este Autor ou, mesmo, abordando as matérias tratadas por ele, como se nada existisse sobre elas, numa atitude que sentia de apoderação do que era seu. 

     Facto é que alguns casos o feriram de sobremaneira, sobretudo vindos de quem tinha obrigações morais e intelectuais e que, alguma vez, anteriormente, o havia considerado como seu mestre, ao mesmo tempo que aconselhava reservas sobre trabalhos pioneiros que até hoje se mantêm únicos. 

     Quanto às “pachouchadas” (sic) de “pigmeus” (sic), ignorantes, atrevidos e insultuosos, respondia na medida da ignorância e do insulto. 

     Não dando crédito a lendas nem a tradições, nem a fontes menores discordantes, contraditórias e muito lacunares, como Hagiografias, por exemplo, cujo único objectivo é o de relevar o decurso da vida e os milagres dos Santos, nem as invenções que desde as Guerras da Restauração foram propositadamente inventadas, como as tão faladas cortes de Lamego, uma das poucas cidades portuguesas onde nunca as houve, Almeida Fernandes colocou na mesa os principais acontecimentos que posicionavam D. Henrique e D. Teresa em Viseu, no ano da morte de Afonso VI, de Leão, aquando da traditio para a Sé de Coimbra do Mosteiro de Lorvão, a presença do Arcebispo de Toledo em Viseu… tudo por Julho/Agosto de 1109, tendo originado uma constante presença de D. Teresa em Viseu e uma movimentação inesperada de D. Henrique, entre Toledo, Sintra, Viseu, Coimbra, regressando a Viseu, onde muito provavelmente o referido Arcebispo baptizou o Infante. Ainda a ausência da rainha em Azurara aquando da outorga do foral, no mesmo ano, e as recompensas à Catedral Viseense, nessa mesma altura e nos meses mais próximos por D. Teresa com a outorga de direitos reais, e por D. Henrique com uma importante confirmação que havia sido feita à dita sé por Fernando I, bisavô de Afonso Henriques, como formas de recompensa por serviços prestados. Digamos que, entre finais de Julho e princípios de Agosto, todos os caminhos iam dar a Viseu. 

     A sua grandeza, como historiador e como Homem, é cada vez mais reconhecida. 

     Entre algumas das homenagens mais significativas contam-se: 

1-     A atribuição da Medalha de Ouro do Município de Tarouca. Na Toponímia desta cidade, passou a figurar a Rua Dr. Armando de Almeida  Fernandes, onde morou.

2-     Atribuição da Medalha de Cidadão Honorário do Município de Lamego. Na Toponímia local, existe a Alameda Dr. Almeida Fernandes e um Monumento votivo oferecido e colocado pela Câmara Municipal de Lamego, onde está uma coroa de reconhecimento por parte da Fundação Dona Mariana Seixas.

3-      A Freguesia de Britiande, sua terra natal, distinguiu-o com duas placas colocadas na casa onde nasceu, uma delas oferecida pela Fundação Dona Mariana Seixas.

4-     Academia Portuguesa da História: “Colóquio A. de Almeida Fernandes”, organizado por sugestão da Ex.ma Senhora Presidente, Prof. Doutora Manuela Mendonça, a que se seguiu, um dia depois, na mesma Instituição e sob a Presidência da mesma Senhora, a atribuição do Prémio de História Medieval, na sua 6.ª edição. Estiveram presentes Amigos, Conhecidos e Membros da Academia.

5-     Condecoração com a Ordem do Mérito, honras e insígnias, grau de Comendador por Sua Excelência o Presidente da República, Dr. Jorge Sampaio, em 2003, e entregue por Sua Excelência o Senhor Presidente da República, Professor Doutor Aníbal Cavaco Silva, em 2007, no Salão Nobre da Câmara Municipal de Lamego.  

 










Homenagem a A. de Almeida Fernandes no 86º aniversário do seu nascimento.

Ed. da
Fundação Mariana Seixas/SACRE
Viseu, 2003, 32 pp.

 

 

 

 




 



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