A harmonia dos pássaros em voo

 

 

 

 

 

 

AÍLA SAMPAIO


AILA SAMPAIO – Brasileira, nascida na região do Cariri. É professora da SEDUC e da UNIFOR. Tem doutorado em Literatura Comparada e pesquisa a relação da literatura com o Cinema. Tem 7 livros publicados, entre eles: Os fantásticos mistérios de Lygia, De olhos entreabertos, Literatura no Ceará e A carne do tempo.


Ricardo Bacelar vem de um berço musical muito prodigioso. Com o pai e a tia pianista, aprendeu cedo a dedilhar o instrumento, que lhe chegou às mãos de menino como um brinquedo que o acompanharia por toda a vida.  Com o avô colecionador de discos aguçou a sensibilidade e aprendeu sobre estilos e ritmos. Não foi à toa que começou a tocar aos 5 anos e, aos 14, já trabalhava com música. Sua formação é sólida tanto pela genética de uma família extraordinariamente sonora quanto pela frequência aos conservatórios de música erudita.

Com a música em seu DNA, não houve como dar significado à sua existência sem a harmonia dos sons, a busca pela melodia. É fácil perceber a doação incondicional à sua musa, que representa mais que “uma forma de amor, uma conexão com tudo que é sagrado”. Ela representa seu porto seguro, seu modo mais direto de dizer tudo o que quer e precisa dizer.

Seus 11 anos na banda Hanói-Hanói lhe valeram uma importante experiência  nos anos de 1980 e 1990, bem como as oportunidades que teve de tocar na The Fevers. Partindo do pop/rock carioca, fez voo solo com o álbum “In Natura” (2001), “uma busca  individual de identidade e encontro”. As sonoridades parecem transitar nos movimentos dialéticos do seu pensamento. É um disco de linguagem sonora ‘crua’, ou seja, natural, em que toca piano com seus amigos, nas treze faixas, num exercício pessoal e íntimo.

Afirmando-se como pianista, cantor, compositor, arranjador e produtor, ele fez “Concerto para Moviola”, com dezessete canções gravadas ao vivo no Festival Jazz e Blues de Guaramiranga e no Teatro Via Sul em Fortaleza, em fevereiro de 2015. O trabalho chegou ao público em 2 de fevereiro de 2006.

O CD “Sebastiana”, gravado em Miami (2017) e lançado em janeiro de 2018, é um marco na sua carreira, pois reúne músicos brasileiros, norte-americanos, cubanos, argentinos, venezuelanos, colombianos e peruanos. É uma ousada homenagem à música brasileira com ritmos e instrumentos musicais da América latina. Como diz o músico no encarte, “A riqueza da música latina credencia os elementos mais nobres de sua história, cultura e tradições ancestrais”. Talvez seja o álbum em que Bacelar mais tenha se dedicado à pesquisa musical, na busca por signos sonoros que se fundissem à música brasileira e fizessem imergir a ambiência latina. Ele explica que as “texturas rítmicas e timbres característicos foram submetidos à malemolência  das estruturas harmônicas da música brasileira”.

Há um passeio intrépido pelo ritmo venezuelano chamado “Sangueo”, com suas batidas de tambores de cumaco e mina; pelo “Coco” brasileiro (imperando em Sebastiana); pelo “Vallenato”, ritmo colombiano que se interpreta com o acordeon; pelo baião brasileiro de Gonzaga; pela “Bomba” (Porto Rico); pela Timba das orquestras cubanas em fusão com o jazz; pelo “Charango” boliviano com suas cordas, enfim, ele uma associação de sonoridades que resultam numa releitura ímpar da nossa música. O encarte do CD é uma obra de arte à parte.