Escrevo para me entender.
Que poderia eu ter a dizer que não tivesse sido dito? Já. Um milhão, um trilião de vezes?
Que poderia eu ter a dizer que não fosse rigorosamente o mesmo que todos os outros pensam, ou melhor, sentem - e dizem? Ou não dizem, por palavras ditas, mas por ruído atroz, silêncios feitos? Das melhores ou piores maneiras.
Poderei apenas fazê-lo de outra maneira, ainda.
A minha maneira.
Usando a visão que me é dada no regresso do distanciamento que criei.
Escutando no silêncio mais absoluto a ausência de ruído.
Perseguindo a limpidez da ideia.
Não é a escrita mais do que o registo desse percurso rizomático com um esquelético Minotauro, exangue, ao centro.
No melhor dos casos, dela nascem veludíssimas pérolas, límpidos cristais - a quem é dado chegar ao polimento perfeito do nácar, à pureza essencial da rocha, é dado o ofício de inscrever sinais no tempo.
São raros - raríssimos.
De voz inconfundível no rilhar dos séculos.
Tudo o resto é oficina.
Preparação do terreno.
Trabalho.
Duro.
Meticulosamente aplicado aos mais recônditos refegos do ser.
E ser.
O que é difícil.
Difícil sempre.
Hoje, neste desfigurar acelerado do tempo, cada vez mais extenuante e difícil.
Inconfessadamente difícil.
Por isso escrevo.
Para me entender.
Me aligeirar de bagagem escusa.
E se puder levar alguém de boleia de caminho - não me pesa, pelo contrário, fazem-me bem uns passos de companhia. Chega e vai. Chego e continuo.
Apenas isso o poema - brevíssimo degrau de encontro - três passos de companhia.
Não sei para onde vou. Se o soubesse, não escrevia.
Sei que hei-de ir por onde me leva o poema.
E se a tanto me ajudar engenho e arte, compreenderei depois, o que ao dizer me queria.
E se dele há ecos, reverberações de espelho a outros, isso quererá ele dizer e a mim me escapa - depois da sua passagem, não há autor, nem escrita - só um corpo de memória e um escrivão à escuta.
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