Corpo-Espinho-Flor

LÁZARA PAPANDREA


I-

indo ao pote
com essa sede
que quebra a terra
-com essa sede de rachaduras
graves-
indo ao pote
com mil envergaduras,
tomando umas dez saudades no lombo,
-sem poder saciar a fome
de sal-
indo ao pote no arroubo
desgrenhado das grades que me aniquilam
o ar
para respirar finas guelras de sol
no indomável crepúsculo da bomba
azul.

II-

Eu dentro de um silêncio que diz,
Posso ser você ou qualquer pessoa
Posso aparar as arestas
Sem precisar tesoura ou alicate
Eu dentro de um silêncio
Posso vencer aquilo que nunca venço
e conceder ao seu rosto meu sofrimento
formoso, aquele, ainda mais belo que
seu pescoço longilíneo tentando alcançar
O gozo das avencas na mornidão das tardes.

III-

É nau.
É pedra.
Navega, no líquido de tuas vértebras,
amor que desconheço
O sorriso é o mesmo
de quando te embrenhavas na noite eterna
em busca d’ alguma chuva.
E o mesmo sangue veste como luva
o desespero do que ora se esvazia.

IV-

Qualquer dia preciso esguelar
o que guardei a sete chaves
na espinha dorsal
Qualquer dia, sem os entraves
do mal,
Quando a boca desossada
já não se manter fechada
de modo algum.
Qualquer dia, como nenhum,
Como ninguém;
Quando soltares pum pelos olhos
e eu rezar amém.
Qualquer desses dias, meu bem
Sem os entraves na língua
Sem a figa.
Sem o nó.
Sem o rumo.
Só com as asas emplumadas
de infinito.

V-

lírios-do-brejo
são também lágrimas-de-Vênus.
não chora,amor!
amanhã teremos o perfume desta flor
e todos os outros,
amanhã nos veremos prontos
para o céu.

VI-

A noite o teu abraço cresce
Em meus pulmões como asas
De ar
No alívio de teus ossos
Afogo meus fantasmas vindouros
E me livro do absurdo abismo que nos ronda.
Pudesse te buscaria girassol eterno.

VII-

Suturo-me à luas.
Não há sangue que possa
com a poça de luz atravessada sobre a carne fria.
Noutro tempo pendurava lumes ao rosto e ria
Duzentos sorrisos -alguns contraditórios-
A boca lisa, dentes azuis, anarquia nos olhos.
Camisas-de força forçavam-me à cruz
Agora com os dedos surrados de medo costuro-me à luz
Num não esquecimento do que sangrou
armadilhas sobre minha pele reticente!

VIII-

Formigas passeiam insossas pelo açúcar.
Nenhuma ideologia como brinquedo.
Nenhum medo de engordar.
Veneno lento entrando doce pelos olhos da nuca.
A morte podia vir num fingimento de lua varrer-me o fígado trincado até o pescoço
Comer-me com gosto de formiga doceira,
Mas a morte não sabe comer docemente mulheres vazias
Ela só come a vida dos homens que se engasgam com as crias E saem pelas ruas gritando: nos salvem rainhas! nos salvem rainhas!

IX-

Nem sempre os olhos sabem
A alma
Nem sempre sobra calma
Para olhar ao longe
O mar vadio com seus enfeites de gaivotas
Nem sempre acertamos a porta e saímos sem ensaios ou afins
Plácidos, lívidos Como quem rouba de nós
O que não somos
Uma vez perdidos
A perdição é para sempre achado estorvo.

X-

O barro
A argila
O fosco
No rosto a mesma máscara e outro gosto.
Teus olhos sobre o silêncio dos meus.
A terra grande de meu Deus
Ainda abracável no depois.
Ainda verde, mesmo a raiz devorada
Pela fome implacável dos sóis!


Lázara Papandrea é natural de Pouso Alegre MG, autora do livro de poemas “Tudo é Beija-Flor” pela editora Penalux , e outros publicados em blogs e revistas eletrônicas.