MARCOS MAGOLI
ESCOMBROS
tanta coisa a dizer
e apenas
o abalo sísmico
do silêncio
um lento
desmoronar
por dentro
mas tento
escavar as palavras
sob os escombros
retirar o precioso
do precário
e dizer
à vida
somente
o necessário.
O GRANDE RELÓGIO
o grande relógio desta avenida
não sabe nada
do que me move
e me comove
dos fatos e das pessoas
que carrego
com todas as suas tragédias
e utopias
sob a luz do drama
não sabe nada
do meu corpo
da minha linguagem
do desejo
que arde em febre
e fogo
como fome
e gula
da minha paixão
o grande relógio desta avenida
não sabe nada
do que eu falo
pelos poros
pela língua
com meu sexo
ignora
o que envolvo em minha pele
e devolvo
a outro corpo
a outro corpo
a outro corpo.
SINCEROS ENGANOS
1
o meu desespero e a minha esperança
não são os mesmos de deus
eu
este homem magro
feito de menos carne
do que osso
de menos osso
do que alma
que se (des) equilibra
neste corpo de poeta
-coração
cabeça
sexo
pernas-
que se apaixona
e se entrega
– (sempre!) à beira de uma queda
eu
este homem
que entre o ganho
e a lástima
se entranha
se estranha
se desmascara
que põe em riste o dedo
mas também põe a cara
deste coração
que mais revela
que segreda
muito além
dos meus gestos
das minhas falas
2
o meu amor e a minha fome
não são os mesmos de deus
eu
este homem
que ama como quem come
que come como quem ama
que alimenta o outro
como a si mesmo
que devora o outro
como a si mesmo
e se engana
… e se engana
sinceramente
se engana.
GRAFITE
I
me encontro
pelas ruas do rio de janeiro
à procura
mas será que encontrarei
a paixão na próxima esquina?
ou a rima de um poema
que me denuncie?
será que devorarei o mito
que serei o hermeneuta
o exegeta
do papiro
que desenrola a história
da minha vida?
-vale o escrito
no muro rapidamente
o panfleto
o grafite
II
saio do meu umbigo
e não volto ao ventre materno
estou repleto de armadilhas
e isto me faz vivo
mas será que me encontrarei
a cada perigo
a cada esquina que habito
como único abrigo
que necessito?
será que me encontrarei
entre as feras?
será que serei esta busca
sob as luas da quimera?
a minha esperança e o meu desespero fundem-se
nos caminhos do amor e da fome
e eu sempre serei este homem
em busca do meu próprio nome
do meu próprio nome
do meu próprio nome.
68: MENINOS E ESTRELAS
em meio à tarde
entre o quartel a igreja e o bar
aquele menino caminhou para a noite
atravessou a madrugada
encontrou as estrelas
formou uma constelação
e resistiu
até o amanhecer
não sei se boêmio ou guerrilheiro
entre bares becos barricadas desejos
beijos cervejas palavras bandeiras fuzis.
só sei que aquele menino caminhou para a noite
em busca do sol
como se a noite fosse uma etapa do amanhecer
como se a noite detivesse a esperança e o desespero
a última etapa da esperança e do desespero
diante da vida
antes do sol.
TIRO NA TESTA
com medo
da própria sombra
frequento
escuro dos becos
cercado
de pseudos e anjos
notívagos e bêbados
a lucidez
é o delírio dos loucos
onde um deus
se manifesta
loucura mesmo
é viver
até o fim
da festa
pois
entre o amor e a morte
a razão
é um tiro na testa.
EMBRIAGUEZ
embriagado de lucidez
ando turvo
pelos becos escuros
não sei
se à tua procura
ou em busca
de um outra
loucura
mas
no beco dos bares
nenhum sábado
é de aleluia
e toda sexta-feira
comemora-se
a reinauguração das mortes
nos domingos
só sobram
(entre ungidos e gemidos)
as virgens
os bêbados
as putas
os pobres
quanto a mim
restam-me
os presságios
e este coração
que teima
em bater
no sentido
anti
horário.
SOBREVIVENTE
toda vez
que cometo suicídios
sinto medo
de mim mesmo
dos eus
que em mim habitavam
só restou este
e quando
me olho no espelho
pressinto
o perigo que corro
mas
antes que este
me mate
eu te morro.
FAROESTE
forasteiro
de mim mesmo
vivo
num eterno faroeste
trocando tiros
com o espelho.
LÁPIDE
esse não sou eu
não me reconheço em tal espelho
às vezes sinto-me só
como um homem só
diante de um jornal de ontem
de uma fotografia envelhecida
de uma carta sem remetente
e me envileço
me envileço
e me emputeço
então me estranho
me surpreendo
como se parte do meu corpo
fosse de outrem
distante
(como aquela nuvem
que agora
se desintegra
e molha meu corpo
ou o corpo de quem penso
que sou)
mas quem sou? tu? ele?
de que me servem essas digitais
nome do pai
da mãe
endereço
cpf
telefone
de que me servem
eu me pergunto
como se a resposta
só viesse com a identidade
perdida
confusa
iludida pela perícia
que um dia
autopsiará meu corpo
e no laudo imprimirá:
é o poeta
mas está morto.
Marcos Magoli é um poeta carioca, suburbano do bairro de Rocha Miranda. Tem alguns livros lançados entre eles um “Um Trem Para Madureira”. Seu mais recente livro é o “Sinceros Enganos” (Poemas) lançado pela editora Penalux em 2017.