Panteão Nacional

ALEXANDRE HONRADO

Panteão Nacional . Um palimpsesto na cidade
(para um local uma simbólica plural)


Agradece-se a cumplicidade da Drª Isabel Melo, diretora do Panteão Nacional – foi ela quem nos permitiu ser, hoje, uma peça minúscula na grande história do monumento.


Resumo

O objectivo deste estudo é o de avaliar de que forma o tempo é definidor de um lugar que cumpre diferentes funções culturais e comunicacionais ao longo das épocas. Ainda a inventariação de um rosto na cidade que, sendo património classificado, luta com os limites que a criatividade humana lhe impõe, no correr desse tempo transfigurável.

Este trabalho é uma visita à cidade, ao património que nela se destaca, à criatividade  modificadora do espaço perante desafios que o tempo lhe estabelece. É um trabalho, em segundo plano, sobre o Panteão Nacional, de Lisboa, que no passado ano de 2015 esteve em destaque ao ser protagonista de momentos episódicos de uma história longa. É um trabalho que reflete o que um lugar pode escrever sobre si próprio, disfarçando camadas do que havia escrito no passado.

Uma cidade não é só a pegada que a revela ou os elementos naturais que  a escondem, estação após estação, mas um pulsar de memórias, um vínculo entre vencedores e derrotados na sequência nunca linear da hereditariedade dos povos.

Entre o mostruário do poder e a incapacidade de o contornar, a cidade impõe-se no que lega – e no que o tempo absorve ou esquece desse legado.

Partindo de dois acontecimentos relacionados – a pesquisa para uma tese de Doutoramento sobre 1917 onde a expressão Panteão Nacional ocorreu várias vezes – e a redação de um pequeno livro resultante dessa pesquisa – chegou a hora de um ensaio, onde a cidade (de Lisboa) mostra um sinal do seu imenso rosto.

Palavras-chave: Cidade, Memória, Panteão, Património, Silmologias


PREFÁCIO

 

“Mas o esforço humano nunca se apaga totalmente,
e velhos mapas de terras, de mares, do firmamento,
dizem-nos como é profundo o domínio,
o saber deste povo de que somos filhos legítimos,
herdeiros e servidores simultaneamente:
do hoje prisioneiro ao livre amanhã que ganharemos”
Salvador Espriu in O Atlas Furtivo, de Alfred Bosch[1]

Por vezes, a cidade é História outras o simples recanto sombrio que permitiu histórias e lendas, tornando-se, em qualquer dos casos, ponto de encontro da civilização humana. Ou é, em alternativa, o que a história esqueceu no seu percurso, ficando a esmaecer nos anos com o que lhe sobra de ocupação do homem, esse ser simultaneamente religioso, político, económico, sensual, cultural, capaz de deixar à sua passagem tantos vestígios e pegadas desperdiçadas. Na atualidade, a cidade é obrigatoriamente a percepção da sua multiculturalidade, a exigência da interculturalidade, a inclusão, a sustentabilidade, a resiliência, a diversidades cultural, social, religiosa, étnica.

A ideia de que todos os povos do mundo formam uma única humanidade é ingrata; não somos um rosto homogéneo, mas as pequenas marcas que, vistas à distância, assemelham uma face, a mais visível, de uma estranha composição.  Os homens – ao contrário dos animais – nunca se reconheceram entre si e deixam nos seus rastos a multiplicidade dessas diferenças. O que hoje é e serve o coletivo, amanhã não será – e perderá préstimo. É claro que há exceções: marcas que, na comunidade, se perpetuam. Mas são reflexos da função inicial. Como os monumentos – que manifestam o desejo dos vencedores, da elite de um tempo e lugar, ficando à mercê de equívocos e de regressões. É disso que se trata no exemplo que escolhemos.

Raras vezes, a cidade é, mesmo assim, história adiada ou contornada, ou sobreposta e, se o é, merece então que se lhe estudem as exceções. Por isso, a cidade é, em simultâneo, memória e esquecimento. Podíamos dizer silêncio e som, mas seria reduzir a cidade a apenas um dos cinco sentidos. Coisa viva de coisas vivas – e coisa viva no inventário inorgânico que a serve – a cidade tem a diversidade inevitável e o funcional que lhe reconhecemos. Mesmo nos recantos aparentemente sem função.

No tempo presente, turbulento, que caracteriza os nossos dias em  conflito, procurar na cidade – e, no caso, na capital do País – um lugar que resuma, numa bem definida e pequena geografia, o papel de recanto histórico e de história adiada, convulsiva e aplacada, história de relevo intermitente, um local que seja, metaforicamente, um palimpsesto no mapa da cidade e que gere, com simultaneidade, leituras de espaço urbano, de património e de criatividade, em suma, que seja lugar e não-lugar – eis o desafio deste breve ensaio.

O foco recai assim sobre o Panteão Nacional e impõe-se desde já dizer que o próprio termo é ambíguo. É que Panteão Nacional é um título dado oficialmente a dois edifícios distintos: a Igreja de Santa Engrácia em Lisboa e a igreja do Mosteiro de Santa Cruz em Coimbra.

O nosso objeto de análise é o edifício lisboeta. Original construção – Igreja nunca consagrada ao culto, que é conhecida por um nome pagão, politeísta – o Panteão ou, o Pantheon, designação mais próxima da sua origem grega – Pan-Theon, “todos os deuses” – tornado num local de culto cívico (de expressão aliás relativa e pouco capaz de mobilizar os “crentes”). Uma expressão republicana – para desafiar outras, monárquicas – que bem recentemente agitou a República, ao ser a última morada de uma fadista (depois dela o Fado tornou-se “Património da Humanidade”)  e de um jogador de futebol.

Porque a cultura não impede a ironia – por vezes exige-a – o próprio local gerou no imaginário popular algumas troças – como a que foi motivada pelas obras para a sua construção que se arrastaram ao longo dos anos; diziam os mais velhos de tudo o que fosse feito com demora que era como “as obras de Santa Engrácia, sempre incompletas”. Ainda com ironia, foi editado recentemente um pequeno livro com a intenção de dar a conhecer o Panteão Nacional. Ironia por dar-se aos leitores com o armadilhado título Onde Dormem os Reis?[2] (Honrado, 2015). Torna-se óbvia a “armadilha”, já que sendo um livro sobre o Panteão, lugar onde os reis nunca entraram, por tratar-se o monumento de uma câmara fúnebre e evocativa de republicanos destacados, o título procura atrair o leitor – no caso específico, os leitores mais jovens, público-alvo pretendido – pela contradição, gerando alguma curiosidade pelo inesperado.

O Panteão Nacional – é a um tempo lugar e não lugar, para usar (uma vez mais, porque as aludimos acima) ideias de Marc Augé[3] (Augé, 2005).

Por fim e sobretudo, é a energia da ideia que nos move. A ideia de procurar camadas sobrepostas num dos muitos palimpsestos da cidade.

Θ

Um estudo cultural

“La forme d´une ville/ Change plus vite hélas, que le coeur d´un mortal.“
Baudelaire[4]

 

Na reedição, no final de 2015, de O Anjo Melancólico[5], livro robusto de Maria João Cantinho e do seu conhecimento profundo da obra de Walter Benjamim, cujo trabalho imenso não permite julgá-lo em apenas uma categoria do saber, de filósofo a historiador cultural, de ficcionista a crítico literário, entre outras, mas que Coutinho entende como se fosse obra sua, ocorreu este pensamento: poucos como Benjamim terão procurado compreender a cidade do seu tempo.

Benjamim também leu Baudelaire e o poema acima transcrito – O Cisne, no original Le Cygne, homofonia com le signe, o signo no sentido linguístico. Benjamim também leu As Flores do Mal, do famoso poeta boémio, onde a poesia é criatividade e retrato de época, uma época onde a  extensão repentina da civilização urbana assina o triunfo da cidade, ponto de encontro dos aspectos mais marcantes da revolução industrial: é na cidade que nasce a modernidade. É a cidade também o mais amplo território dos boémios, como Baudelaire. E um refúgio poético que exige criatividade sempre renovável.

É este o ambiente cultural em que encontramos o “nosso” Panteão.

A imigração súbita, e tão rara na nossa história (e o êxodo rural, claro), de expressão desordenada e imprevista, fará a cidade tornar-se uma mistura brusca de miséria e luxo (os andares das casas constroem uma nova realidade, a vida por camadas, prateleiras para as estatísticas); os homens- número acotovelam-se.

Em ambos os autores, Benjamim e Baudelaire, encontramos o retrato detalhado da modernidade – e da cidade e das contradições criativas que a sustêm e libertam por vezes. (Uma modernidade percorrida por modernismos, diríamos[6]).

Aparentemente sem relação com o que dizemos a seguir, este exemplo interessa decisivamente como matéria de estudo e ponto referencial. Não só porque a Modernidade tardia em Portugal permite o estudo de alguns paralelismos no início do século XX (período que nos interessa sobre todos os outros), como nos inspira ao ensaio.

Há locais da cidade que, de quando em vez, se retiram dos holofotes da História, com uma timidez cíclica. São os mesmos que regressam, sem se perceber bem como nem porquê, basta que um acontecimento fortuito lhes sonegue a capa conferindo-lhe nova aura, transcendendo significados e aglutinando significantes, expondo-se para, provavelmente, saírem da ribalta pouco depois. São locais que parecem incapazes de prosseguir de forma ritmada os caminhos do tempo. Sendo fixos, não alinham na impossível viagem do tempo – esquecem o passado, adormecem no presente, interrogam-se em silêncio sobre o seu futuro. São, eventualmente, não lugares, como nos ensinou o antropólogo – falamos obviamente de Marc Augé (Augé, 2005) -, no sentido de plataformas à espera do momento irrequieto que tantas vezes abana o quotidiano.

É o caso do monumento que agora apreciamos.

Θ

A simbólica plural do Panteão Nacional de Lisboa

Falar de palimpsesto – palavra que resistiu desde o grego antigo, “palímpsêstos”, para designar “aquilo que se raspa para escrever de novo [por cima]” – a propósito de um monumento, é reconhecer que a pedra é também suporte de escrita, metaforicamente papel e pele, onde escrevemos a continuidade para leituras vindouras, e não necessariamente o fazemos com sprays, henna, pigmentos exóticos ou artes sofisticadas de epigrafista imaginativo. Usamos o termo para reconhecer no nosso elemento de trabalho uma riqueza pluricodificada que acusou intenções bem definidas pelo tempo, das suas origens aos nossos dias.

O material ao nosso dispor é o do próprio imaginário. ( “O imaginário revela-se muito especialmente como um lugar de ‘entre saberes’. “ (Durand, 1996).

Consideramos lícito fazê-lo, ao uso do termo, a propósito do Panteão Nacional de Lisboa, mausoléu colectivo, que alberga aqueles que a República, em momentos distintos, considerou como os seus mais altos representantes, mesmo sabendo que os panteonizados provêm de áreas tão díspares como a Política, a Cultura, o Desporto, a Canção. A esses, em homenagem, juntam-se os esquifes simulados, os cenotáfios de alguns ilustres que o poder decidiu glorificar. Obra sem prioridade, com um destino ingrato, o Panteão Nacional de Lisboa seguiu, com andaimes e caliça, e materiais periféricos, a história da cidade, construindo-se nela sem uma convicção de grande definição. Hoje, com uma dignidade ímpar que o tempo resgatou, apresenta-se como um dos símbolos barrocos mais evidentes da capital – e recebe a visita de turistas e cidadãos locais com uma curiosidade moderada. Como se a República não precisasse de memória. Aliás, é de espantar como essa memória se adensa: em plena crise económica, nos últimos anos do País, Amália e Eusébio “foram para” o Panteão (Fado e Futebol, com a Fé, elementos habituais de um destino cultural que o imaginário português marcou com profundidade. E se o Panteão Nacional tem representantes desse destino (fatum significa, como se sabe, “fado” ou “destino”) a Fé parece estar também presente, por exemplo, no túmulo de Sidónio Pais, figura de aura messiânica, a quem Fernando Pessoa (e o povo, depois) chamou Rei-Presidente e que outros louvavam como santo (espantosa designação para quem estuda a sua biografia, de mação, revolucionário, o primeiro ditador antecipado de modelo moderno europeu, protagonista de um golpe de Estado sangrento).                                                                A verdade é que se de culto aqui se trata, é um culto cívico, atribuindo-se a alguns dos presentes dons (quase) transcendentais, surgido no mesmo ano (de traços igualmente messiânicos) do “fenómeno de Fátima” que tantas páginas atribuiu à nossa História). Nos nossos dias, flores e motivos religiosos – velas, rosários, crucifixos… – são colocados no seu título no Panteão.

Tal como em alturas em que o Panteão Nacional de Lisboa acusava as suas principais etapas, foi politicamente usado como elemento da civilização do espetáculo. Esclarecendo: serviu, ontem como hoje, intenções de grandeza, fausto e exibição do poder. Fundado na segunda metade do século XVI, o edifício foi totalmente reconstruído em finais de Seiscentos pelo arquiteto João Antunes; embora nunca chegasse a abrir ao culto, conserva, sob a cúpula moderna, o espaço majestoso da nave, animada pela decoração de mármores coloridos, característica da arquitetura barroca portuguesa. Foi sendo construído ao longo dos séculos, em obras morosas e nunca justificadamente completas. Chegou a servir como depósito de material de Guerra (armazém de armamento do Arsenal do Exército) e fábrica de sapatos nos séculos XIX e XX. O templo situa-se no local de uma igreja erguida em 1568, por determinação da Infanta D. Maria , filha de D. Manuel I, para receber o relicário da virgem mártir Engrácia de Saragoça e por ocasião da criação da freguesia de Santa Engrácia. Essa antiga igreja fora construída no local de um templo de meados do século XII mas foi severamente danificada por um temporal no ano de 1681. A primeira pedra do atual edifício é lançada no ano seguinte, em 1682. A igreja só foi concluída em 1966, 284 anos após o seu início, por determinação expressa do governo da época

Neste século e até ao ano passado, de 2015, recebeu em plena crise algumas personalidades consideradas “imortais”, como Amália e Eusébio, agora inquilinos do lugar destinado “a homenagear e a perpetuar a memória dos cidadãos portugueses que se distinguiram por serviços prestados ao País, no exercício de altos cargos públicos, altos serviços militares, na expansão da cultura portuguesa, na criação literária, científica e artística ou na defesa de valores da civilização, em prol da dignificação da pessoa humana e da causa da liberdade”, como reza (afinal de forma genérica e ambígua) a Lei n.º 28/2000, de 29 de Novembro que se lhe refere.

O Pantheon –  Pan-Theon, “todos os deuses” – é o lugar de eleição da Pátria, o lugar da Memória assim sendo herdeiro do santuário de todos os deuses, na Grécia ou na Roma antigas. Os túmulos da memória, os memoriais ou os cenotáfios (placas que recordam os que morreram com “fama de heróis”) aparecem desde a Antiguidade e são retomados ao longo da história.

A Revolução Francesa criou o Panteão no sentido moderno, isto é, como lugar oficial de culto nacional dos “notáveis”. Mirabeau e Voltaire terão sido os primeiros a ocupar a igreja de Sainte Geneviève, laicizada com a Revolução e transformada em Panthéon National. Portugal adoptou a fórmula, e assim sendo, o Positivismo de Comte, que criou uma “religião da Humanidade”, na qual se apresentavam como exemplos os mortos ilustres, quer no Panteão, quer no Calendário positivista, quer nos Centenários, quer mesmo em templos construídos para o efeito. No mosteiro da Batalha estão alguns dos reis da dinastia de Avis, mas também os dois túmulos dos “soldados desconhecidos” da Grande Guerra; nos Jerónimos (onde foram sepultados membros da Casa Real — que teve o seu Panteão da dinastia de Bragança em S. Vicente de Fora —também se celebram Camões, Vasco da Gama e Alexandre Herculano). Em Coimbra na igreja de Santa Cruz estão sepultados, em ricos túmulos do século XVI, os dois primeiros reis de Portugal (D. Afonso Henriques e D. Sancho I). O liberalismo quis criar o seu próprio “Panteão Nacional”, que surgiu por decreto de Passos Manuel de 1836 e também a I República, em 1916 (em tempo de governo de guerra da “Aliança Sagrada”, de António José de Almeida e de Afonso Costa) deliberou, por lei, instituir o Panteão Nacional na igreja sempre inacabada de Santa Engrácia.

Não será no entanto extremo afirmar que o Panteão Nacional é uma obra do Estado Novo, pois só em 1 de Dezembro  – dia da Restauração – do ano de 1966 foi inaugurado, com a presença do Cardeal Cerejeira, do presidente da República Américo Tomás e do presidente do Conselho Oliveira Salazar, em plena Guerra do Ultramar, com a necessidade de exibir a Pátria e fomentar patriotismo.

Para ali foram então trasladados os corpos dos escritores Almeida Garrett, Guerra Junqueiro e João de Deus, liberais e republicanos; Teófilo Braga, Sidónio Pais e Óscar Carmona, escolhidos entre os Presidentes e aceites pelo regime. (Teófilo, o primeiro presidente da República; o presidente Sidónio, de modo indevido, considerado o precursor do Estado Novo e até do fascismo; e Carmona, que o fora desde 1926, ainda na Ditadura Militar, considerada Revolução Nacional até 1951, ano da sua morte).

Depois de 1974,  foram para o Panteão Humberto Delgado que, além de ter sido o mais combativo candidato à presidência pela oposição, fora morto pela PIDE em Villanueva del Fresno. Em 2004, Manuel de Arriaga, de facto e de direito o primeiro presidente da República eleito— em Congresso da República e não por sufrágio universal. Aquilino Ribeiro, um dos mais significativos escritores da Respublica  em 2007, e, finalmente, Sophia de Mello Breyner, em 2014, a poeta de Abril. Amália veio, antes, em 2001, e Eusébio fechou o ciclo em 2015.

Θ

A progressão da simbologia 

Curiosamente, na nossa mais recente visita ao Panteão Nacional de Lisboa, em companhia da sua Diretora, saltou-nos à vista um conjunto de símbolos ali pintados na pedra, dentro de uma das divisões do monumento. Um conjunto de simbologias difusas que por vandalismo ou secreta intenção passaram a adornar o local. A verdade é que acrescentam uma novidade contemporânea  à simbólica plural do monumento. Necessitam de estudo – já iniciado – e poderão acrescentar mais um pequeno capítulo a um local onde se cruzam lendas e até aventura e paixão (nos registos da paróquia local, há referências ao ‘Desacato de Santa Engrácia’, ocorrido a 15 de janeiro de 1630, envolvendo o jovem Simão Pires Solis. Conta-se que era cristão-novo e foi acusado de roubar o relicário de Santa Engrácia. Simão fora denunciado ao Tribunal do Santo Ofício pelos vizinhos das redondezas, uma vez que era frequentemente visto à noite perto daquela zona. Não querendo revelar os verdadeiros motivos que o faziam estar tantas vezes à noite ali por perto, e apesar de se declarar inocente, foi condenado à fogueira no Campo de Santa Clara, a 31 de janeiro de 1631. Antes de morrer, e ao passar pela Igreja de Santa Engrácia, lança-lhe uma maldição, dizendo qualquer coisa como esta: “É tão certo morrer inocente como as obras nunca mais acabarem!“. Só mais tarde é que o verdadeiro assaltante é identificado e percebido o motivo pelo qual Simão nada dissera de concreto em sua defesa: estava enamorado de uma jovem fidalga, Violante, freira no Convento de Santa Clara, próximo a Santa Engrácia, e tinham pretendido fugir juntos naquela noite uma vez que o seu relacionamento era proibido pelo pai da moça e pelo hábito que vestia.

Local também de afirmação do poder político e até do humor  – que é sempre uma das faces mais criativas da cultura, o Panteão Nacional de Lisboa é um palimpsesto cultural. Uma marca na cidade, onde a criatividade identifica o património.

O Panteão Nacional de Lisboa é também um dos elementos que nos permite compreender uma das feições da cidade Moderna e Contemporânea.  A sua história permite avaliar de que forma o tempo é definidor de um lugar que cumpre diferentes funções culturais e comunicacionais ao longo das épocas e ainda a inventariação de um rosto na cidade que, sendo património classificado, luta com os limites que a criatividade humana lhe impõe, no correr desse tempo transfigurável.


OBRAS DE REFERÊNCIA
AUGÉ, Marc,
2005
Não Lugares, Introdução a uma Antropologia da Sobremodernidade. Lisboa:
90 Graus Editora.
BAUDELAIRE, Charles.
2011
As Flores do Mal. Lisboa: Relógio D’Água.
BIRG, Manuela Birg e CALADO, Teresa.
1988
Igreja de Santa Engrácia, Panteão Nacional, Instituto Português do Património Cultural, Lisboa
CANTINHO, Maria João.
2002.
O Anjo Melancólico: Conceito de Alegoria na Obra de Walter Benjamin, Angelus Novus, Lisboa
DURAND,Gilbert.                                                                                                                                    1996.
Champs de l’imaginaire. Textes réunis par Danièle Chauvin. Grenoble: Ellug.
HONRADO, Alexandre.
2015
Onde Dormem os Reis?, Verbo, Lisboa
MUMFORD, Lewis.
2004,
A cidade na História, suas origens, transformações e perspectivas, Martins Fontes, São Paulo

[1] BOSCH, Alfred. O Atlas Furtivo. (2012). Lisboa: Livros do Brasil.

[2] HONRADO, Alexandre. (2015). Onde dormem os reis?. Lisboa: Verbo/Babel.

[3] AUGÉ, Marc. (2005) Não Lugares, Introdução a uma Antropologia da Sobremodernidade. Lisboa: 90 Graus Editora.

[4] Cf. BAUDELAIRE, Charles.(2003). As Flores do Mal. Lisboa: Relógio D’Água.

“A forma de uma cidade / Muda mais rápido, infelizmente do que o coração de um mortal.” Tradução nossa.

[5] CANTINHO, Maria João. (2015). O Anjo Melancólico. Lisboa: Nota de Rodapé.

[6] Sobre o tema, confronte-se VV.AA. BRADBURY, Malcom e MCFARLANE James. (Org). (1989). Modernismo Guia Geral 1890-1930. Rio de Janeiro: Companhia das Letras.

 


Alexandre Honrado .  PhD |Cand. Cultural Studies – University of Lisbon. CLEPUL – Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa