BRYOZOA COM A.M. GALOPIM DE CARVALHO / ENTREVISTA
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28-10-2003

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O Professor Galopim de Carvalho, num dos seus habituais gestos de simpatia, enviou uma carta aos colaboradores e aos jornalistas, a comunicar que cessavam as suas actividades como director do Museu Nacional de História Natural e a agradecer toda a cooperação prestada. Embora este ponto final não corresponda a nenhuma despedida para sempre, e ainda menos uma despedida do TriploV, aproveitei a ocasião para lhe oferecer este ramo de Bryozoa com alguns Malacostraca, ciente de que serão entendidos como flores.

Maria Estela Guedes

ESTELA GUEDES - Agora que o Prof. Galopim parece que vai deixar oficialmente a direcção do Museu Nacional de História Natural de Lisboa, achei interessante recordar os seus primeiros trabalhos, sobre briozoários e crustáceos. Por isso esta entrevista vai ser publicada dentro de uma exposição com algumas fotos deles. Penso que o melhor era começar por dizer o que é isso do grupo Bryozoa...

PROF. GALOPIM – Briozoários são invertebrados coloniais muito simples, munidos de uma cavidade digestiva, ou celoma e, por isso, incluídos nos celomados. Confundidos inicialmente com os celenterados, em virtude do aspecto exterior das colónias em associações recifais, os briozoários são considerados um phylum distinto, designado por Bryozoa (Ehrenberg, 1831), com raíz no grego, bryón, que traduz a ideia de musgo. São animais marinhos fixos aos fundos de águas litorais, até cerca de 200 m, sendo conhecidos alguns grupos adaptados a meios lagunares, estuarinos e fluviais.

Individualmente muito pequenos, na ordem do milímetro, são constituídos por um organismo rudimentar, o polipídeo, alojado numa câmara de natureza calcária ou quitinosa, a zoécia. No conjunto, a zoécia e o polipídio formam a zoóide, ou seja o indivíduo morfológica e fisiologicamente distinto, parte integrante da colónia, ou zoário.

ESTELA GUEDES - Nos seus primeiros trabalhos de investigação, também aparece o grupo Malacostraca. Como foi? Os briozoários e os crustáceos têm algum interesse especial na geologia, ou nessa altura ainda não se tinha convertido em geólogo, que é a sua especialização actual?

PROF. GALOPIM – Acontece que quando iniciei a minha carreira como assistente do Grupo de Mineralogia e Geologia, assim se chamava o nosso Departamento, só havia dois professores: o Doutor Torre de Assunção, que tutelava as áreas da Mineralogia e Cristalografia e da Petrologia (ígnea e metamórfica, pois que da sedimentar não se falava); e o Doutor Carlos Teixeira, com o pelouro da Geologia e da Paleontologia. Nessa altura um assistente assegurava o ensino prático de qualquer uma das várias cadeiras, da Cristalografia à Paleontologia, passando pela Petrografia, Geologia ou Geomorfologia. Foi o meu caso. E ainda bem! Isso permitiu-me, sem perda de interesse pela especialização que fui desenvolvendo, uma visão generalista que marcou toda a minha acção como professor, como director de um Museu e como cidadão interessado na divulgação científica. Foi neste contexto que os malacostráceos passaram pela minha vida. Os exemplares, provenientes do Miocénico da Praia do Meco, dos géneros Callapa, Callianassa e Neptunus, num estado de conservação invulgarmente bom, não podiam deixar de suscitar uma enorme atracção pelo seu estudo. E foi apenas isso.

Os briozoários vieram depois, com a oferta de uma bolsa de estudo em Paris. Paris! Quem não queria ir estudar para a capital da francofonia a que a minha geração pertenceu? Além disso, estavam lá os grandes mestres, minhas referências: Birot, Cailleux, Rivière, entre muitos outros, e fui, cheio de entusiasmo. A par do meu trabalho no Museum National d' Histoire Naturelle, sob a orientação de Émile Buge, briozoologista de renome, frequentei as aulas daqueles mestres e fiz, com eles, o 3 ème Cycle em Sedimentogie, etapa que marcou todo o meu percurso como geólogo.

ESTELA GUEDES - O que é que descobriu de interessante nas suas pesquisas nestas duas áreas, que eu diria mais próprias da biologia marinha?

PROF. GALOPIM – Não descobri nada em especial. Foi um trabalho moroso mas muito interessante, que envolveu uma vasta recolha bibliográfica e a consulta de colecções históricas no Museu de História Natural de Paris. Embora reconhecedor da importância da Paleontologia, o que me parece que demonstrei amplamente, e tendo dado a participação que dei nesse domínio, os meus interesses sempre foram os da Geologia Sedimentar. E foi a estagiar em Paris, como aprendiz de paleontólogo, que fiz a minha iniciação em Sedimentologia.

ESTELA GUEDES - Imaginemos: uma pessoa dá de caras com uma lagosta entranhada numa rocha, no alto de uma montanha, e o que pode concluir? Que a lagosta morreu enquanto andava a fazer alpinismo?

PROF. GALOPIM – Já no século XV, Leonardo da Vinci admitia que os fósseis encontrados nas montanhas eram restos de seres vivos depositados no fundo do mar e posteriormente elevados, juntamente com as rochas onde ficaram incluídos, na sequência de grandes convulsões telúricas. Mas relacionar os fósseis com seres vivos do passado foi uma conquista da ciência sobre o poder conservador e obscurantista da igreja.

ESTELA GUEDES - Nesses animais, e nos invertebrados em geral, há um elemento que nos move muito à reflexão, porque a ciência diz que eles não sentem dor. Podemos arrancar-lhes as patas, ou os tentáculos, quando os têm, que eles ficam a rir de nós...

PROF. GALOPIM – Confesso que nunca reflecti sobre esse assunto, até porque, quando lhes arranco as patas ou corto os tentáculos, eles já estão cozidos ou grelhados e, portanto, impossibilitados de rir.

ESTELA GUEDES - Com as mudanças que se preparam na Politécnica, como vê o futuro do Museu de História Natural?

PROF. GALOPIM – A grande indefinição resultante de muitos anos sem estatuto aprovado, e dos hábitos instalados, determinaram que a minha direcção sobre este Museu fosse, como eu gosto de dizer, “virtual”. Dirigi, de facto, o departamento de Mineralogia e Geologia, e fi-lo sempre em consenso com mais responsáveis deste sector. Deixei aos meus colegas dos outros dois departamentos - O Museu Bocage e o Jardim Botânico - a orientação e a gestão dos seus domínios. Com a minha saída da direcção do Museu, quem me vier substituir no departamento de Mineralogia e Geologia não assumirá a direcção do Museu no seu todo. O cargo é rotativo e caberá agora a vez ao Museu Bocage ou ao Jardim Botânico. Desejo que esta seja a oportunidade para haver, de facto, uma direcção real, partilhada, com um só orçamento, uma só secretaria e contabilidade, uma só biblioteca, um só quadro de pessoal. E desejo que a nova direcção continue a lutar para, sem renunciar à tutela científica, conseguir uma modalidade de orçamento que liberte o Museu do estrangulamento em que tem vivido.

ESTELA GUEDES - Bem, o facto de estar jubilado, e de sair do Museu, se sair tão cedo, não quer dizer que o Prof. Galopim se retire das suas actividades. O que é que tem agendado para os próximos tempos?

PROF. GALOPIM – Liberto da parte administrativa do Museu, e porque já tenho continuadores seniors nas áreas de investigação em que trabalhei, vou “virar as baterias” para três direcções fundamentais: 1) continuar a escrever nos domínios científico e da ficção. Tenho em preparação o 2º volume de Geologia Sedimentar, cujo primeiro sairá a público por estes dias, com o sub-título Sedimentogénese. Em simultâneo, continuo a reunir um conjunto de memórias, algumas autobiográficas, todas elas relacionadas com a Geologia. Vou chamar-lhe “Geoestórias”; 2) manter a minha colaboração com as autarquias (e já são muitas) na preservação e valorização do património geológico e paleontológico; 3) prosseguir, como palestrante, na continuação (mas a um ritmo mais moderado) do que tem sido a minha actividade por todo o país, junto das escolas, das bibliotecas municipais, das sociedades de recreio e das universidades.

28.10.2003