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exclui ele tocar no sagrado, mas um sagrado pagão. É todo de fragmentos de memória, e como a maior parte do restante dos meus poemas em prosa, é escrita automática, ou quase, algo escrito direto, bem espontâneo. As luzes, elétricas inclusive, às vezes meio mortiças, crepusculares, são aquelas que iluminaram diversas cenas acontecidas, mormente encontros amorosos. Toda leitura esotérica é bem-vinda. Lembro, ainda, os brilhantes paralelos feitos por Paz entre o poeta e o mago, em El Arco y la Lyra, no capítulo sobre o ritmo. Breton em especial, e surrealistas em geral, são herdeiros e continuadores de uma relação que classifico como frenética entre poetas e magos. Leituras de juventude, de formação de André Breton foram Huysmans, que retratou essa relação em Là-bas, e o Sär Péladan. Breton chegou a tentar estabelecer diálogo com René Guénon. Sua obra remete constantemente a símbolos e temas da tradição hermética, do tarô, astrologia, alquimia, etc.. Mas, diferindo nisso de Yeats, por exemplo, não foi membro de seita. Para ele, e para o surrealismo, a poesia é, em si, mágica há uma relação mágica entre o poético e outras esferas que se realiza através do acaso objetivo, quando o signo se torna ativo, interfere na vida, nos acontecimentos, além de mostrar-se profético. Trato bastante disso em minha narrativa em prosa, Volta (Editora Iluminuras, 1996). Vou enviar-lhe um exemplar. ESTELA - O surrealismo é um movimento muito amplo, contraditório, por motivos vários, entre eles porque reclama a liberdade mas esteve cheio de compromissos políticos, porque surrealistas há que se auto-excluem do movimento, porque é cosmopolita mas está impregnado de orgulhos nacionais, e para evitar colagens com o nacionalismo, então troca-se o nome do país pelo da língua, quando há línguas que nem existem, como o espanhol, e artes que podem não fazer uso da língua, como a pintura. E assim temos um "Surrealismo em espanhol e em português", anunciado por Cesariny nos seus "Textos de combate do surrealismo mundial", volume I de que julgo nunca chegou a sair o volume II... O Claudio é um surrealista em português, um surrealista brasileiro, um surrealista auto-excluído, ou nada disso? CLAUDIO WILLER - Não sei se discutir isso - os possiveis mapeamentos do surrealismo - leva a algum lugar. Tanto faz. Surrealismo é, em primeiro lugar, um sistema de idéias. Breton tinha, é claro, moral para dizer o que era e o que não era, mas cometeu erros evidentes, um deles, nunca haver entendido o que se passou em Portugal. Não me auto-excluí talvez porque não tenha dado tempo, nem havia, a meu alcance imediato, um surrealismo tão estruturado assim. Mas, mesmo assim, em 68, quando estive na França, deu tempo para me desentender um pouco ou discutir um bocado com Vincent Bounoure, por causa de geração Beat, que nem ele nem os demais integrantes do grupo admitiam, nisso diferindo por exemplo de Alain Jouffroy, já não tão ou não tanto do mesmo grupo. Em palestras, cursos, textos, safo-me da questão abordando temas como Surrealismo e imagens poéticas, ou então Surrealismo e rebelião com o Surrealismo e, aponto para o acréscimo, o além de, a expansão e enriquecimento. ESTELA - Em alguns poemas seus senti um eco do Mário de Sá-Carneiro futurista... Eu podia ter mais poesia publicada, mas fico bloqueada por não saber às vezes até que ponto o que escrevo é meu ou apropriação do alheio... Há imagens muito fortes que incorporamos, desde a infância e adolescência, perdemos o rasto à sua origem e ficam sendo nossas... Apesar de o surrealismo ter dado luz verde a essa antropofagia e libertado o antropófago da necessidade das aspas e da menção das fontes, permanece esse esterilizador preconceito da imitação, do epigonismo, etc., quando o fenómeno nada tem a ver com isso, e por isso em nada afecta a originalidade fatal de cada um de nós: por muitos caracteres herdados dos pais, somos indivíduos diferentes, com identidade única... CLAUDIO WILLER - Ecos de Sá-Carneiro? Quero saber mais a respeito, quero mais detalhes. Interessante como o inconsciente produz intertexto. Em poemas bem espontâneos, bem próximos à escrita automática, já localizei comentários e transcrições de outros poetas. Acho Sá-Carneiro um poeta magnífico, nós o líamos por volta de 1960. Só para você ter uma idéia, em 1960 fizemos um ciclo sobre poesia, o primeiro de que eu participei, com diversos dos então “novíssimos” dando palestras sobre poetas importantes para nós, e Roberto Piva, que era chef de file, escolheu como seu tema a Sá-Carneiro, e não, como seria de se esperar, a Pessoa, que acabou ficando com outro conferencista. Mas, desde então, pouco o folheei, que me lembre. Imagens dele, e principalmente um modo de tratar imagens poéticas podem ter ficado guardadas no fundo da memória. Sá-Carneiro representa, na literatura portuguesa, a radicalização do Simbolismo e sua transição para a vanguarda. Então, talvez, a proximidade não seja com isso ou aquilo na obra de Sá-Carneiro, mas com aquilo que ele representa, essa passagem para outro plano da criação. Olha, não tenho angústia de influência. Naquela época, escrevi bastante coisa epigonal com relação ao García Lorca do Poeta em Nova York e a Saint-John Perse, textos que permanecerão perpetuamente engavetados. Problema nem é serem imitativos, mas sim, que não eram bons. Não se detenha, não se impeça de publicar por achar que está transcrevendo. Tenho um poema em prosa, em Jardins da Provocação, intitulado Os poetas apenas transcrevem o que outros poetas escrevem. Criação poética é leitura do outro, reescritura, tradução, sabemos disso. ESTELA - "Surrealismo" e "realismo" são palavras formadas a partir de "real", tal como "naturalismo" se forma a partir de "natural". Como vê as relações da arte com esse real e esse natural, ou, se prefere, o que são eles para si e nas suas obras? CLAUDIO WILLER - Real? Natural..? Não..! Fora com o aristotelismo! Fuuu..! Real é produto, função do simbólico Breton afirmava isso, assim como é afirmado nas tese de Whorf-Sapir, em Lacan, etc.. Isso não é idealismo desenfreado, porém admissão de que somos seres com a capacidade de simbolizar, e por isso o símbolo nos constitui. Arte e Baudelaire já sabia disso produz realidade. É claro que a relação é dialética, que sempre estamos nos valendo de algo externo, que então viria desse “real”, na mesma medida que o sonho reaproveita o que Freud chamava de “restos” do cotidiano. ESTELA - O surrealismo não concebe a arte separada da vida. Já depois do início oficial do movimento, a vida entrou em tal desvalorização na crítica literária, que senti um calafrio quando tive de reler o meu ensaio "Herberto Helder, Poeta Obscuro", para o pôr em linha no TriploV: não há nele uma única nota biográfica... Como é que o Claudio vê a crítica, e sobretudo essa? Acha que a obra de arte é totalmente desvendável, com ou sem apoios biográficos e históricos? CLAUDIO WILLER - A obra de arte, a verdadeira criação artística, é e não é desvendável. Polissêmica, plural, dialógica, etc., nunca é inteiramente desvendável. Ao escrever sobre, posso ou não ser mais ou menos biográfico. Depende. Mas o tema das biografias de escritores me fascina, e já escrevi sobre isso em Agulha. Isso, pela complexidade e riqueza dessas relações, inclusive as ocasiões em que a arte produz vida, em que o escritor acaba se tornando personagem de si mesmo. Critico fortemente o cacoete formalista de recortar o texto, isolando-o do contexto e de seu autor. Breton fornece magníficos exemplos de confusão produtiva entre arte e vida ao escrever sobre Baudelaire, sobre Rimbaud, sobre Jarry, etc. Nesse sentido, é um ensaísta exemplar, aponta caminhos ainda insuficientemente percorridos pela crítica literária. Em Herberto Helder, que para mim merece integrar uma espécie de primeiro time, de escalação titular da poesia no século XX, justamente, temos coerência entre autor e obra, esse rigor que inclusive se traduz em seu modo de se relacionar, ou deixar de relacionar-se com a vida literária, em sua dimensão mais oficial. ESTELA - O Cláudio e o Floriano Martins são os directores da revista Agulha. Que virtudes encontra no virtual? CLAUDIO WILLER - Ah, estou achando muito bom. É uma satisfação volta e meia ser localizado, através do e-mail, por exemplares da apreciável espécie dos leitores, e ainda alcançar mais leitores através dos sites e páginas da web. Um empreendimento do porte de Agulha (na verdade Floriano faz quase tudo, é ele inclusive que se engalfinha com os aplicativos no computador) não teria chances a não ser pelo meio digital. Complexidade e custo da sua produção infelizmente, por ora, o tornam inviável sobre papel. Mas o desejável é atuar através de todos os meios, do virtual e do editorial convencional. ESTELA - Está a escrever algum livro de que nos queira dar notícia em primeira mão? CLAUDIO WILLER - Estou escrevendo tese e devo prosseguir nisso por um bom tempo. Precisávamos utilizar nosso conhecimento de magia e ocultismo para materializar editores otimistas, eufóricos e eficientíssimos. Ocorrendo o fenômeno, publicava as poesias de Estranhas Experiências, uma coletânea de ensaios, e mais umas tantas coisas. Sai agora segunda edição de Lautréamont Obra Completa publicado em 1997. |
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ESTELA - É mais fácil reunir umas centenas de autores um pouco de toda a parte, no TriploV, do que juntar uma dezena de escritores de Lisboa numa reunião da Associação Portuguesa de Escritores (APE). A última vez que a APE conseguiu congregar uma grande assembleia, foi em 1987, em Lisboa, por ocasião de um congresso internacional de escritores. Como Presidente da UBE, União Brasileira de Escritores, também sente que há uma desmotivação pelo convívio presencial? CLAUDIO WILLER - UBE se mantém ativa, vai bem, dentro dessa circunstância mais geral, de um decréscimo de atuação e de prestígio das entidades. Tanto a UBE quanto a APE tinham, obviamente, uma importância maior, estratégica, eu diria, no contexto da luta contra regimes autoritários. Em regimes democráticos, têm que reposicionar-se, rever toda a sua estratégia, concentrar-se em temas como o da democratização das políticas culturais públicas, procurando sensibilizar a opinião pública, a começar pelos próprios escritores, sujeitos por vezes a um certo alheamento. |
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partidária, têm uma vocação para converter-se em PRI mexicano partindo de uma revolução, como no México, ou de uma afirmação progressista, acabam por instalar-se e perpetuar-se no poder, com os resultados notórios. E outra coisa esquerda às vezes é pior pode acarretar, trazer consigo a tentativa de instrumentalizar a criação, determinar o que é certo, onde está o “popular”, o “social” em arte. Aí em Portugal vocês tiveram suficiente PC e realistas para saber do que esotu falando. Em toda organização mais à esquerda, sempre se pode localizar alguma nostalgia do zdanovismo, do aparelhismo. E a propensão a governar de modo conservador, e ao mesmo tempo fazer de conta que se está construindo o socialismo através da administração cultural. Felizmente, esse não parece ser o caso do governo Lula, que colocou no Ministério da Cultura um crítico do sectarismo como Gil, que se destacou pelo protesto contra as “patrulhas ideológicas”. Mas é o caso da administração petista na cidade de São Paulo. Enfim, haver um governo mais isso ou mais aquilo não muda nada na relação entre cultura e Estado, a meu ver. |
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