UMA HISTÓRIA QUE OS PROFESSORES DE GEOLOGIA DEVEM CONHECER

A.M. GALOPIM DE CARVALHO


OS PRIMÓRDIOS
Ao alimentarem-se de frutos, raízes e animais que, de início, colectavam e, mais tarde, cultivavam ou apascentavam, os nossos antepassados pré-históricos interagiram de muito perto com a biodiversidade dos sucessivos ambientes que foram ocupando e, ao percorrerem esses ambientes, não puderam deixar de interagir com a geodiversidade, o chão de terra, de pedra ou e lama que pisaram, as pedras que apanharam e de que se serviram, as cavernas em que se abrigaram. Alastrando a todas as latitudes, longitudes e altitudes, a superfície do planeta foi-se abrindo à sua observação e, neste domínio, ainda que de forma muito embrionária, podemos aceitar que se iniciaram nos conhecimentos da ciência que surgiu milénios mais tarde e a que foi dado o nome de Geologia.
Estabeleceram relações de causa-efeito entre as rochas e os minerais que foram encontrando e os mecanismos que lhes foi dado observar no mundo físico que foi o seu. Experimentaram o que puderam experimentar, deduziram o que souberam deduzir, inferiram o que conseguiram inferir e transmitiram, aos descendentes, o saber que neste e noutros domínios foram acumulando, servindo-se para tal das linguagens de que dispunham, nomeadamente o gesto e, mais tarde e progressivamente, a fala.
Presenciaram a chuva e os seus efeitos como poderoso agente de erosão, desde a simples e inofensiva escorrência, às grandes enxurradas e aluimentos de terras. Assistiram a catastróficas cheias próprias das planícies aluviais dos grandes rios e suportaram secas intermináveis. Andaram sobre as dunas e relacionaram-nas com o vento. Enfrentaram climas tórridos e outros imensamente frios, subiram e desceram montanhas, num acumular de experiências que lhes permitiram viver e sobreviver. Procuraram grutas para se protegerem das intempéries e de alguns dos animais com que partilharam o espaço e conheceram os pigmentos minerais com que pintaram algumas delas, numa demonstração de criatividade artística da sua condição humana.
Viram a lava incandescente a fluir e imobilizar-se por arrefecimento, transformada em rocha e deixaram as suas pegadas sobre as cinzas vulcânicas. Sentiram a terra tremer debaixo dos pés e ouviram o som cavo e assustador dos sismos. Conheceram o sílex e a sua característica fractura conchoidal, aprenderam a encontrá-lo nas suas jazidas e tiraram partido desses conhecimentos para produzir utensílios e armas. Verificaram idênticas características no quartzo macrocristalino (em especial, o hialino e o defumado) e nos vidros vulcânicos (obsidiana e outros) e deram-lhes a mesma utilização
Conheceram a argila, a sua plasticidade quando misturada com a água e o seu endurecimento pelo fogo. Usaram o betume (asfalto) como combustível e, talvez, como fonte de iluminação, e prospectaram o ouro, a prata, os minerais de cobre, os de estanho e os de ferro, milhares de anos antes de a ciência lhes ter prestado atenção e lhes ter dado nomes. Aprenderam a explorá-los e ensaiaram as metalurgias, primeiro, a do bronze, há mais de 5000 anos e, cerca de mil anos depois, a do ferro. Fizeram tudo isto e muito mais antes dos sumérios, chineses e egípcios terem iniciado a arte de escrever.
Numa longa caminhada, tão velha quanto a humanidade, a Geologia, no seu todo, foi sendo descoberta pelo Homem, que tirou dos seus ensinamentos os proveitos que lhe permitiram progredir da simples busca do sílex à prospecção e exploração de recursos energéticos e de minerais estratégicos essenciais às modernas tecnologias da sociedade do presente.

CONHECIMENTO CIENTÍFICO E CRENÇAS RELIGIOSAS
Ao evocar filósofos, astrónomos, geógrafos e naturalistas que, tijolo a tijolo, implantaram as fundações do maravilhoso edifício da Geologia, deparámo-nos, a cada passo, com o debate, entre o saber científico, racional, e o das crenças impostas pelas tradições religiosas ou outras, numa competição que só começou a esbater-se com a vitória do liberalismo.
A geologia foi um dos domínios do conhecimento científico cuja competição e cujos conflitos com a religião (em particular, com a Igreja católica) foram mais graves e violentos. Cultivar esta disciplina em moldes científicos, nos tempos anteriores a este movimento da elite intelectual europeia, em finais do século XVIII, teve os seus riscos. E não foram pequenos. Falar ou escrever sobre a origem da Terra e as suas transformações ou sobre o nascimento da vida e a evolução das espécies, incluindo o surgimento do homem, tinha limites impostos pelos zeladores da fé. Fazê-lo à luz da ciência e, inevitavelmente, em confronto com as “verdades” bíblicas e com os dogmas decretados pela Santa Sé, não foi uma caminhada fácil. Foi, sim, causa de perseguições, sofrimento e, não raras vezes, sacrifício da própria vida. Basta lembrar Averróis, no século XII, Roger Bacon, no XIII, Jean Buridan, no XIV, Ulisse Aldrovandi e Giordano Bruno, no XVI, Galileu, no XVII, e Buffon, no XVIII, para nos darmos conta dos escolhos postos ao progresso desta e de outras ciências.
O geocentrismo, que impunha o universo centrado no nosso planeta, a idade de cerca de 6000 anos atribuída à história da Terra pelas Sagradas Escrituras, os seis dias da Criação e o Dilúvio bíblico e eram algumas das verdades inquestionáveis, aceites pela hierarquia religiosa. Não havia lugar para os dissidentes, considerados hereges e, como tal, perseguidos. Existem sóis inumeráveis e infinitas terras que giram à volta deles, como estes sete planetas que giram em torno deste Sol que nos é vizinho, escreveu o italiano Giordano Bruno. Por essa ousadia, por se recusar a admitir que a Terra se encontrava no centro do mundo e por outras heresias, este filósofo dominicano, foi queimado vivo, “para purificação da sua alma”, em Roma, às ordens da Santa Inquisição no, dia 16 de Julho de 1600.
Se nos concentrarmos nesta parte do mundo onde nasceu e se desenvolveu a chamada civilização ocidental, as respostas aos grandes temas que viriam a integrar a geologia encontravam-se, sobretudo, no seio das universidades medievais cujos mestres eram, na grande maioria, eclesiásticos. Do universo ao homem, passando pelo nosso planeta, onde os mares, as montanhas, os vulcões e os sismos eram alvo de um misto de curiosidade e temor, essas respostas, em grande parte condicionadas pela fé, impunham verdades globais, definitivas e indiscutíveis. Paradoxalmente, o pensamento científico emergia e crescia no seio da mesma Igreja. Cautelosa e timidamente, os seus cultores propunham as suas explicações, sujeitando-se ao risco de uma tal ousadia. Como é vulgo dizer-se, a ciência e a religião são como a água e o azeite, não se misturam. As atitudes de uma e de outra perante as entidades e os fenómenos naturais são geradoras de confronto, hoje razoavelmente civilizado e pacífico nas sociedades democráticas, mas conflituoso e, tantas vezes, cruel e desumano no passado.
Foram muitas as situações em que a Igreja, declaradamente, em nome da fé e, encobertamente, em defesa dos seus privilégios, tentou submeter os “sábios”, muitos deles, os seus doutores, e pô-los ao serviço da sua condição de classe dominante. Atitude paralela tem sido adoptada pelos governantes em estados totalitários e noutros ditos democráticos que, condicionando as políticas de investigação científica, não hesitam em interferir na actividade dos seus investigadores.
Apesar das perseguições, a geologia já ganhou, em muitos países, estatuto de ciência de grandeza compatível com a sua real importância na sociedade, o que não é o caso em Portugal, onde este ramo do saber continua arredado da cultura geral dos portugueses, dos mais humildes e iletrados às elites intelectuais mais iluminadas. A geologia tem crescido nos contextos da ciência e da tecnologia, sendo hoje um dos pilares da sociedade moderna, constituindo alavancas poderosas para o bem e para o mal, ao serviço de uma humanidade a um tempo sabedora e desencantada, à procura de um caminho que tarda em encontrar.

ANTIGUIDADE
A história do pensamento geológico radica nas mesmas origens da de outros domínios da ciência. Temos de ir buscá-la às civilizações chinesa, babilónica, egípcia e outras. Mas é, sobretudo, nos filósofos, geógrafos, astrónomos e poetas gregos e latinos que encontramos os fundamentos que deram suporte à ciência e à tecnologia de que hoje, absolutamente, dependemos.
A chamada Antiguidade Clássica refere um longo período da História da Europa, com especial incidência na metade oriental do Mediterrâneo, entre o surgimento da poesia grega de Homero, no século VIII a.C., e a queda do Império Romano do Ocidente, no último quartel do século V d.C. (mais precisamente, em 476). Durante este período, para além de outros aspectos relevantes, as antigas civilizações grega e romana abriram as portas à “Filosofia Natural”, dentro da qual encontramos os primórdios do conhecimento do que, mais de 2000 anos depois, se afirmaria como Geologia. Com efeito, naquele tempo, a Filosofia Natural, como o nome indica, ocupava-se da natureza, ou seja, do mundo físico (do grego antigo, “physis”, que traduz a ideia de natureza).
Foi na Grécia antiga, berço da civilização ocidental, que, à mistura com outros aspectos do mundo físico, surgiram os primeiros textos envolvendo temas desta importante área do saber científico. Filósofos gregos, com destaque para Leucipo de Mileto (nascido em 500 a. C.), Demócrito de Abdera (460-379 a. C.) e, mais tarde, Epicuro de Samos (341-270 a. C) escreveram os seus pensamentos sobre o atomismo. Para eles, tudo o que existe é composto por elementos indivisíveis chamados átomos (do grego, “a”, negação e “tomo”, divisível). Átomo é, pois, sinónimo de indivisível.
Para Platão (429-347 a. C.), o inovador do “idealismo” e do “inatismo”, havia a realidade: inteligível e a realidade sensível. Na sua teoria das ideias ou das formas, este, que foi o fundador da Academia de Atenas, defende que a realidade inteligível é igual a si mesma, imutável, e possuidora de existência própria, ao passo que a realidade sensível, mutável e dependente, abarca tudo o que afecta os sentidos. Para este discípulo de Sócrates (469-399 a. C.), a verdadeira realidade estava no mundo das ideias, das formas inteligíveis, apenas acessíveis através da razão. Para ele, as ideias começavam por ser formuladas no pensamento, sendo o raciocínio e a indução as principais vias para atingir o conhecimento.
Nesta linha de pensamento, os cultores da Filosofia Natural apoiavam-se numa abordagem mais de elaboração mental do que de observação ou de experimentação. Procuravam chegar à essência dos entes que possuem corpo e ao conhecimento das primeiras causas e dos princípios do mundo material, não dando grande ênfase à descrição dos objectos e dos fenómenos naturais.

Discípulo de Platão, Aristóteles (384-322 a. C.) introduziu o racionalismo, a corrente filosófica assente na operação mental, discursiva e lógica, sendo por isso considerado um precursor do “Empirismo Filosófico”, a linha de pensamento segundo a qual o conhecimento científico deve ser baseado na observação do mundo e não na intuição ou na fé, como fora no passado. Não confundir com o empirismo que se refere ao método experimental introduzido, no século XIII, pelo inglês Roger Bacon.
Este, que foi o fundador do Liceu de Atenas, introduziu o termo “Física” em substituição de Filosofia Natural, e destacou-se pelas suas especulações e investigações no âmbito desta disciplina. Segundo ele, as ideias chegam-nos através dos sentidos, observando a realidade física, pelo que dava muita importância ao mundo exterior entendido como principal fonte do conhecimento e aperfeiçoamento das capacidades intelectuais. Para ele, o mundo inteligível é o obtido por abstracção a partir do mundo sensível. As suas ideias sobre o “Empirismo Filosófico” e o “Racionalismo” influenciaram profundamente o cenário intelectual europeu até ao Renascimento, tendo sido o fundamento de todas as ciências que integram o universo do conhecimento, entre as quais se destaca a Geologia.
A ideia dos quatro elementos, ditos de Aristóteles, “terra”, “água”, “ar” e “fogo” tem origem na Pérsia, em meados do século IX a. C., de autoria desconhecida. Estes quatro elementos, então considerados como constituintes universais da matéria, são, pois, o culminar de uma concepção, muito anterior a este filósofo, que se desenvolveu gradualmente até ser objecto de uma formulação, mais completa e abrangente, da autoria de Empédocles (c. 450 a. C.), conhecida por Teoria das Substâncias ou Teoria dos Quatro Elementos. Relativamente a esta visão do mundo físico, coube a Aristóteles o mérito de a divulgar (Lapidário de Aristóteles) e de lhe dar um crédito tal que a fez singrar, incólume, por quase dois mil anos.
A igreja romana não só aceitou esta ideia como a impôs no essencial do seu conteúdo, opondo-a, constante e tenazmente, à concepção atómica de Demócrito, considerada materialista. Cerca de um século mais tarde, Estratão (340-268 a. C.), um outro defensor do através de uma via exclusivamente materialista, a ponto de ter prescindido de Deus“Materialismo”, na linha do “Atomismo” de Demócrito, ensinava que a matéria era constituída de partículas e de vazio. Alheio aos ensinamentos da teologia e da metafísica, explicava a natureza, no dizer de Cícero (106-43 a. C.), o grande filósofo latino. Ainda hoje se apelida de materialista a pessoa não crente em Deus.

Foi grande e determinante a influência dos filósofos gregos no pensamento da Europa cristã, nomeadamente no saber científico medieval, quer através das suas obras originais, quer por via das traduções destas, feitas por eruditos árabes e judeus.

IDADE MÉDIA
Situada entre aproximadamente os séculos V e XV, a Idade Média foi um tempo de alastramento do cristianismo e da vida cultural na Europa ocidental, sobretudo através do surgimento de mosteiros da Ordem Beneditina. Seguidores de São Bento de Núrcia (480-547), os monges desta comunidade cristã, iniciadores do movimento monacal, foram os herdeiros da cultura latina e os depositários do essencial do saber do mundo antigo. Estão entre eles os criadores do enciclopedismo, com destaque para Santo Isidoro de Sevilha (570-636) que nos deixou “Etymologiae sive origines”, publicado oito séculos depois, em 1483.

Com a queda do Império Romano do Ocidente, em 476, parte importante do conhecimento produzido e ensinado na Antiguidade sobreviveu graças às traduções que eruditos árabes e judeus fizeram das obras clássicas. Tal permitiu que a alquimia dos chineses, babilónios e egípcios e a filosofia dos gregos reaparecessem na Europa medieval. Foi o tempo da “escolástica” (do grego scolastikós, instruído), o método de pensamento dominante no ensino nas universidades medievais europeias. Entendida como uma via de harmonização da fé com a razão, a escolástica procurou conduzir a filosofia no interesse da teologia ou, numa outra versão, conciliar o pensamento de Aristóteles com a doutrina da Igreja. As obras então publicadas nos campos da filosofia e da teologia revelam a redescoberta de Aristóteles e da sua ênfase no racionalismo e no empirismo filosófico, correntes do pensamento que conduziram à introdução da lógica no discurso, constituindo uma via interessada em abordar, de forma sistémica, a razão e a verdade da Fé.

Na história das ciências, em geral, é necessário recordar o grande filósofo de origem árabe, Abu al-Walid Ibn Munhammad Ibn Ruchd (1126-1198), mais conhecido por Averrois (distorção latina do seu cognome árabe). Nascido em Córdova, na vizinha Espanha, então território muçulmano, tido como o mais afamado pensador islâmico da Idade Média, Averrois viveu muito à frente do seu tempo, abrindo o caminho para o Renascimento e influenciando, significativamente, a filosofia europeia do século XII, em que viveu, e nos seguintes. Intelectual de grande ecletismo, foi médico, astrónomo, jurista e teólogo. Estudioso do direito canónico muçulmano, foi um dos maiores conhecedores e comentadores do pensamento de Aristóteles, tendo ficado conhecido na história da filosofia pelo cognome de “O Comentador”. Ao afirmar que, “com excepção do sobrenatural, o pensamento se deve sujeitar à força da razão”, este muçulmano ibérico, contemporâneo do nosso rei Afonso Henriques, deve ser considerado um precursor do pensamento científico e, neste sentido, a sua influência foi grande e decisiva na evolução da ciência, em geral.

Na sequência da tradição árabe de recuperação da filosofia grega, seguidor do aristotelismo, Averrois soube fundi-lo com uma parcela de platonismo. Assim, afirmava que “a par da verdade óbvia do dia-a-dia, observável e aceite pelo povo, e da verdade mística da Fé defendida e propalada pelos teólogos, há a verdade científica, fruto da razão, podendo estar em desacordo umas com as outras”. Num tempo em que a teologia dominava sobre a filosofia natural (nome da então história natural ou ciência da natureza), as suas ideias alastraram entre a comunidade de estudiosos cristãos da Universidade de Paris, criando uma corrente de pensamento científico puro e independente das crenças religiosas, oposto à envelhecida tese de Santo Agostinho (354-430), segundo a qual havia uma única verdade, a dos santos evangelhos. Para Averrois, uma dada afirmação pode ser teologicamente verdadeira e filosoficamente (cientificamente) falsa e vice-versa. Embora não tenha abordado temas directamente relacionados com as ciências da Terra, a intensa defesa que fez do pensamento científico, advogando o naturalismo exclusivamente racional, e da sua independência relativamente aos dogmas da Igreja, deram sustentáculo ao avanço, tantas vezes difícil, levado a cabo, primeiro, por naturalistas (os estudiosos da filosofia natural) e, mais tarde, por geólogos.

A Andaluzia era, então, um dos mais notáveis centros de sabedoria da humanidade. Muitos dos textos dos filósofos gregos salvos das bibliotecas de então foram aqui traduzidos, dando lugar a um movimento intelectual notável que acabou por ser aniquilado pela reconquista cristã. Uma tal hegemonia intelectual determinou que, durante os últimos quatro séculos da Idade Média, o árabe foi a língua dominante na filosofia e na ciência embrionária no espaço europeu. Durante parte da sua vida, Averrois contou com a protecção dos califas locais, até que foi desterrado por Abu Yusuf Ya’qub al-Mansur que, na mesma linha das hierarquias do catolicismo, considerou as suas opiniões desrespeitadoras e em desacordo com o Corão. Muito da sua obra acabou também por ser condenada pela Igreja Católica.

No século XIII, o estudo e o ensino transitaram dos mosteiros e conventos para as chamadas escolas catedrais (ou colégios episcopais), criadas por toda a Europa, estas que, por seu turno, foram os embriões das universidades nos centros urbanos mais importantes, privilegiando o ensino de disciplinas como teologia, gramática, retórica, dialéctica (lógica), aritmética, geometria, astronomia, direito, medicina e música. Entre as Universidades de então destacam-se as de Salerno, Bolonha, Paris, Oxford, Montpellier, Arezzo, Salamanca, Pádua, Orleães, Roma, Siena e Lisboa.

Tomás de Aquino (1225-1274), que foi um seguidor de Aristóteles e de Averrois, como se verá adiante, opôs-se, no entanto, ao naturalismo exclusivamente racional deste ilustre filósofo.
Visto como o mais ilustre professor da Faculdade de Teologia da Universidade de Paris, o filósofo e alquimista dominicano alemão Albrecht von Bollstädt (1206-1280), o Doctor Universalis, é conhecido entre nós por Alberto, o Grande ou Alberto Magno e, também, por Maître Aubert, ou simplesmente Maubert. Tendo estudado o pensamento de Aristóteles e o dos filósofos árabes, produziu uma das mais importantes sínteses da cultura medieval e defendeu a coexistência pacífica da ciência e da religião, tendo sido o primeiro a aplicar as ideias do fundador do Liceu de Atenas no pensamento cristão. Mas não se limitou a repetir a obra do “Estagirita” (Aristóteles nasceu em Estagira, antiga cidade da Macedónia, hoje Grécia). Procurou recriá-la com a sua própria experiência e as suas observações.

No propósito de subordinar o aristotelismo à fé cristã, o Papa Gregório IX incumbiu Alberto Magno dessa árdua tarefa. Em resultado do seu trabalho, a física e a metafísica, a lógica, a ética, a psicologia e a política de Aristóteles passaram a fazer parte da escolástica. Lembrado como o maior filósofo e teólogo cristão da Idade Média, foi também figura de grande prestígio no mundo da ciência do seu tempo, em domínios mais tarde incluídos na química e na mineralogia, que realizou na sua qualidade de alquimista. Após concluir os seus estudos em Pádua e em Paris, Alberto optou pela vida religiosa, ingressando na Ordem de São Domingos, em 1223, tendo chegado à dignidade de Bispo de Regensburgo (Ratisbona).

Do outro lado do Canal, o franciscano Roger Bacon filósofo e alquimista inglês, considerado o mais importante cientista da Idade Média, foi pioneiro na estruturação do empirismo, termo aqui usado no sentido de método experimental, como forma de validação do conhecimento científico. O seu papel nas ciências da Terra decorre da sua visão sobre a ciência, em geral. O seu nome ficou ainda ligado à matemática (trabalhou na correcção do Calendário Juliano) e, principalmente, à óptica. Estudou em Oxford, tendo sido professor nesta Universidade, bem como na de Paris. Bacon viveu um período em que o influxo de textos dos filósofos gregos revolucionava a vida intelectual do ocidente europeu. Bastante influenciado por eles, foi um dos principais europeus do seu tempo a ensinar a filosofia de Aristóteles.
Colocando ênfase considerável sobre os procedimentos empíricos ou experimentais, lutou contra as chamadas ideias inatas. Face a esta sua acção inovadora, ficou na história com o título de “Doctor Mirabilis” (Doutor Admirável, em latim). Propondo novas metodologias de investigação científica, colocou em causa os métodos de ensino praticados por franciscanos e dominicanos, o que o tornou impopular perante as autoridades eclesiásticas. Consciente de que a escolástica fora concebida como uma via para conciliar a razão com a fé, não deixou de salientar as virtudes desta disciplina medieval, mas apontou-lhe os vícios, em especial os que misturavam os dogmas da Igreja com a ciência, defendendo a separação entre a teologia e o saber científico, numa atitude coincidente com a de Averrois e de outros comentadores árabes de Aristóteles. Esta atitude de Bacon germinou mesmo no seio da Igreja e teve aí seguidores afirmando que a teologia não era uma ciência, uma vez que as suas deduções não assentam em dados concretos, observáveis e experimentáveis, mas em premissas sustentadas e, tantas vezes, impostas pela Fé.
Na medida desta nova atitude perante o conhecimento científico, as ideias sobre a origem, a história e a natureza da Terra começam a apontar o caminho que as afastou das crenças ancestrais e as conduziu às preocupações, em primeiro lugar, dos naturalistas e, mais tarde, dos geólogos. Deve-se a Bacon a criação e divulgação do conceito de “leis da natureza”, facto importante num período em que estavam ocorrendo modificações no pensamento filosófico, em geral, e na filosofia natural (história natural), em particular.
Restrições censórias e perseguições movidas pela Ordem Franciscana que, em 1272, proibira a divulgação dos seus livros, afectando uma parte importante da sua criatividade intelectual. Esta sua dissidência face à hierarquia e a sua actividade nas práticas alquímicas (entre outras, descobriu a combinação perfeita da pólvora) levaram-no à prisão por mais de uma década.

Contemporâneo de Bacon, o dominicano italiano Tomás de Aquino, distinto aluno de Alberto Magno e autor da influente obra “Summa Theologica”, ficou na história da filosofia e da teologia com o título de “Doctor Communis” ou “Doctor Angelicus”. Considerado um dos principais expoentes da escolástica, foi o criador do Tomismo, a doutrina adoptada oficialmente pela Igreja Católica que, sem deixar de valorizar o pensamento de Platão e o misticismo de Santo Agostinho, continuou a tentar integrar a filosofia aristotélica nos textos bíblicos, criando uma outra, o dito Tomismo, inspirada na fé, entendida como uma espécie de teologia científica.
Na Península Ibérica, ao tempo do rei de Castela e Leão Afonso X (1221-1284), “o Sábio” ou “o Astrólogo”, a corte deste monarca foi uma autêntica academia científica no espaço mediterrâneo, tendo marcado um período excepcional no culto da sabedoria, conhecido por “Renascença do século XIII”. Judeus, árabes e cristãos conviveram nesta corte em absoluta harmonia e respeito pelas respectivas crenças, pela cultura e pela ciência. Este que também foi o imperador eleito do Sacro Império Romano-Germânico (mas que não exerceu esse cargo) realizou a primeira reforma ortográfica do castelhano, língua que adoptou oficialmente, em substituição do latim.

Não irmanado com qualquer ordem religiosa, ao invés da grande maioria dos intelectuais da Idade Média ligados quer aos franciscanos, como Bacon, quer aos dominicanos, como Tomás de Aquino, o francês Jean Buridan (c.1300-1360), Reitor da Universidade de Paris, foi um clérigo e filósofo liberto das amarras impostas pela religião o que lhe permitiu o avanço em domínios da ciência que marcaram a sua obra. Como professor na mesma Universidade ao longo de uma vida, ensinou e escreveu sobre lógica, metafísica, ética, filosofia natural (história natural), numa metodologia e numa prática entendidas como seculares, isto é, distintas da teologia. Considerado o filósofo francês mais influente, no século XIV e nos dois ou três que se lhe seguiram, desenvolveu o conceito físico de impulso, dando, assim, o primeiro passo no sentido do moderno conceito de inércia, inexistente no pensamento de Aristóteles. Alvo de uma campanha encorajada por Roma e concretizada por partidários do franciscano e escolástico inglês, William Ockham (1285-1347), a obra escrita de Buridan foi proibida pela Igreja Católica e colocada no famigerado “Index Librorum Prohibitorum”, promulgado pelo Papa Paulo IV, em 1559, com uma versão revista e autorizada pelo Concílio de Trento, em 1563.

RENASCENÇA
Iniciado em Florença de onde se difundiu, em especial, para a Europa Central e Ocidental, a Renascença ou o Renascimento, como também se diz, é geralmente apresentado como um período da história da Europa, de limites temporais difusos, grosso modo, entre finais do século XIII e meados do século XVII, na transição da Idade Média para a Idade Moderna. Durante Este florescente período ocorreram transformações acentuadas em muitas áreas da vida humana, nomeadamente, na economia, na política, na religião, na filosofia, em diversas artes (pintura, escultura, arquitectura, poesia, música) na ciência e na tecnologia. Durante este período, marcado pela redescoberta e revalorização das referências culturais da Antiguidade, tem lugar o renascer do diálogo filosófico entre Platão e Aristóteles, ou seja, entre o idealismo e o empirismo filosófico. Assiste-se ao surgimento do humanismo e ao relativo declínio das estruturas económicas, sociais e políticas medievais, com destaque para o feudalismo que, face ao peso crescente de uma economia burguesa centrada no mercado das cidades e no comércio entre regiões, vai cedendo o passo ao urbanismo.
A par desta evolução, evidencia-se o ideal humanista e naturalista que conduz ao verdadeiro desabrochar das ciências. Fica para trás uma Idade Média, rotulada, nem sempre justamente, como uma era de obscurantismo e ignorância, referida por alguns como a Idade das Trevas. Numa época em que as elites culturais e científicas eram, em grande parte, membros do clero, sobressaem os que se assumiram como críticos da escolástica medieval, denunciando a tradicional influência da religião na cultura e no conhecimento científico.
O Renascimento teve por traves mestras grandes nomes da filosofia, da história e do humanismo, com destaque para os italianos Leonardo Bruni (1369-1444), Marsílio Ficino (1433-1499), Giovanni Pico della Mirandola (1463-1494), o germânico Nicolau Krebs (1401-1464), os holandeses Rudolph Agrícola (1444-1485) e Erasmo de Roterdão (1466-1535), o inglês Thomas More (1478-1535) e o poeta croata Janus Pannonius (1434-1472).
Foram ainda figuras importantes neste virar de página da intelectualidade europeia Leonardo da Vinci (1452-1519), italiano de nascimento, que se destacou como matemático, naturalista, anatomista, engenheiro, arquitecto, inventor, pintor, escultor, poeta e músico, grandes matemáticos como o alemão Johannes Regiomontanus (1436−1476), o italiano Luca Bartolomeo de Pacioli (1445-1517), o croata János Vitéz (1480-1472), também lembrado como astrónomo, e o, de todos conhecido, René Descartes (1596-1650). Este filósofo, físico e matemático francês, uma das figuras-chave da revolução científica da Idade Moderna, é lembrado como o inovador do racionalismo. Fundador da matemática moderna, foi o autor do conhecidíssimo sistema de coordenadas ditas cartesianas, evocando, assim o seu nome latino, Renatus Cartesius. Considerado um dos cérebros mais importantes e influentes da história do pensamento ocidental, Descartes é ainda lembrado como o mais distinto filósofo do seu tempo. Neste domínio, publicou, em 1637, o “Discurso do Método”, onde deixou claro a sua discordância face à tradição escolástica do ensino que então ainda se praticava, cujos conteúdos considerava confusos, obscuros e nada práticos. Por isso, não mereceu a admiração dos clérigos, em particular, dos jesuítas, que o consideravam um filósofo de menor qualidade. Aristóteles tinha deixado um legado intelectual que a Igreja católica chamara a si e procurava defender por todos os meios ao seu dispor, meios que, reza a história, eram muitos e eficazes. Descartes e o seu prestígio entre a intelectualidade europeia, estava a atentar contra este legado e, daí, o mau estar sentido pelos servidores de Roma.
Durante o Renascimento e em desacordo com as regras civilizacionais estabelecidas pela Igreja, ganhou corpo o humanismo, que colocou o Homem no centro do Universo, favorável a uma futura burguesia individualista e abastada: Com interesses em negócios internacionais e em busca de autoridade administrativa, os seguidores desta ideologia atentavam contra um privilégio até então exclusivamente nas mãos de uma parte importante do clero e da nobreza. Nesse tempo e num propósito de fazer renascer a antiga Paideia grega, como um corpo de princípios éticos, sociais, culturais e pedagógicos, visando o aperfeiçoamento do cidadão, surgiram novas universidades e bibliotecas em várias cidades da Europa e restaurou-se o latim clássico, que se tornou na nova língua franca no espaço europeu.
A queda do Reino de Granada, em 1492, e a reconquista da totalidade da Península Ibérica aos mouros potenciou a intelectualidade renascentista, na medida em que possibilitou o acesso dos estudiosos europeus a um vasto e valioso acervo de obras muçulmanas de Geber (721-815), Avicena (980-1037), e Averróis (1126-1198), e a traduções em árabe de textos de Aristóteles (384-322 a. C), Euclides (360-295 a. C), Ptolomeu (90-163) e outros, até então desconhecidos na Europa, o que permitiu avanços consideráveis em domínios como astronomia (que, nesse tempo e em parte, se confundia com a astrologia), filosofia, matemática, medicina, história natural e alquimia na vertente que conduziu à química e à mineralogia. Um outro acontecimento decisivo no florescimento da ciência e da cultura dos europeus foi a introdução da imprensa de tipos móveis, criada pelo alemão Johannes Gutenberg (c. 1398-1468), na primeira metade do século XV, alargando a divulgação do conhecimento para um público cada vez mais vasto, permitindo um enorme salto em frente face à época anterior limitada aos textos manuscritos. Foram ainda importantes, neste renascer das ideias, as descobertas de novas terras levadas a efeito por portugueses e espanhóis, nos séculos XV e XVI, e a Reforma Protestante de Matin Lutero (1483-1546), na primeira metade do século do XVI.
O desenvolvimento das ciências, na linha do empirismo experimental, permitiu avanços significativos na tecnologia. Um exemplo desta ligação foi o desenvolvimento das práticas da fundição e da cerâmica em Itália, na Boémia e na Áustria, levadas a efeito pelo italiano Vannoccio Biringuccio (1480-1539), um estudioso de mineração e metalurgia, que ascendeu a chefe da fundição papal, em Roma. Considerado como o pai da indústria de fundição, legou-nos “De la Pirotechnia”, um primeiro relato escrito sobre estas práticas, publicado em Veneza, em 1540.
Não obstante os progressos que se iam conquistando no domínio do conhecimento científico, os dissidentes mais ousados e expostos eram considerados hereges e, como tal, perseguidos pela Inquisição. O geocentrismo, que impunha o universo centrado na Terra, os seis dias da Criação e o Dilúvio bíblico eram algumas das verdades inquestionáveis pelos seguidores da Fé. Por se recusar a admitir que a Terra se encontrava no centro do mundo, pela ousadia de afirmar que existiam muitos outros sóis e infinitas terras a girarem à volta deles e por outras heresias, o filósofo italiano e dominicano, Giordano Bruno, foi condenado à fogueira, em 1600, “para purificação da sua alma”, em Roma, às ordens do Tribunal do Santo Ofício.
É no final do Renascimento que surge o termo geologia com o significado que hoje lhe damos. Tal acontece com a edição, em 1648, do livro do naturalista bolonhês, Ulisse Aldrovandi (1522-1605), publicado postumamente, “Geologia Ovvero de Fossilibus”, no qual o autor insere um conjunto de textos de sua autoria. Anteriormente, a palavra geologia (introduzida em 1473, por Richard Bury, bispo inglês de Durham, no livro Philobiblum) era o nome de uma disciplina que, à margem da Teologia, se ocupava das coisas da Terra, nomeadamente, o Direito.
Fundador do Museu de História Natural de Bolonha (inicialmente, um gabinete de curiosidades, com cerca de 7000 exemplares) e do Orto Botânico da Universidade, mais tarde o Jardim Botânico da mesma cidade e um dos primeiros da Europa, Aldrovandi foi considerado por muitos como o “Pai das Ciências Naturais”. Seguidor assumido da Reforma Protestante e das ideias anabaptistas, foi acusado de heresia, preso pelo Santo Ofício, mas teve mais sorte do que Giordano Bruno. Foi transferido para Roma, o que lhe permitiu travar conhecimento com diversos naturalistas e desenvolver, entre outros, o seu interesse pela geologia, de que reuniu vasta colecção hoje conservada no museu que fundou.

ILUMINISMO
Movimento cultural da elite intelectual europeia do século XVIII, o iluminismo surgiu na continuidade do pensamento racionalista de René Descartes (1596-1650), do criticismo bíblico do holandês (nascido de uma família de judeus portugueses) Bento Espinoza (1632-1677), das ideias do filósofo e matemático alemão Gottfried Leibniz (1646-1716) e da abertura ao método científico moderno protagonizado por Galileu Galilei (1564-1642), em Itália, e por Isac Newton (1643-1727), em Inglaterra.
Nascido e desenvolvido em Paris, como um movimento a um tempo filosófico, social, político, económico, científico e cultural, ao longo do século XVIII, o iluminismo tem o seu ponto alto com a Revolução Francesa. Promotor do intercâmbio intelectual, este movimento manifestou-se como o grande veículo reformador do conhecimento. Num período da História que ficou assinalado como Era da Razão, o iluminismo advoga o uso do raciocínio como via para atingir, não só o conhecimento, mas também, a liberdade, a autonomia e a emancipação face ao poder político então ainda absoluto, num tempo marcado pelo monopólio comercial desse mesmo poder, pela persistência de estruturas feudais, pela pressão cultural da igreja católica, e pela perseguição às ideias tidas por perigosas, tantas vezes exercida a ferro e fogo. Entre os iluministas distinguiram-se os franceses Charles de Montesquieu (1689-1755), lembrado como um dos fundadores da sociologia; Voltaire (1694-1778), crítico acérrimo da monarquia e da igreja católica; Denis Diderot (1713-1784), organizador da famosa Encyclopédie (em 35 volumes, impressa entre 1751 e 1780), e os seus colaboradores Jean le Rond d’Alembert (1717-1783) e Jean Jacques Rousseau (1712-1778). Na mesma época, o filósofo e enciclopedista franco-alemão, Paul-Henri Thiry, mais conhecido por Barão d’Holbach (1723-1789), é lembrado pelo seu ateísmo e pelos seus volumosos escritos contra a religião, bem expressos na sua obra Sistema da Natureza, editada em 1770.
Na vida económica, o iluminismo, ao mudar a concepção do homem e da sociedade, fez nascer um outro movimento de cariz económico e político, o liberalismo, no qual se distinguiu o escocês Adam Smith (1723-1790). Lembremos que foi o iluminismo que inspirou a Revolução de 1820, em Portugal.

É nesta fase da vida no mundo ocidental, a meados do século XVIII, que surge em Inglaterra a Revolução Industrial a par das convulsões sociais e políticas conducentes à queda do Antigo Regime, na sequência das quais a hegemonia comercial, dominada pelo poder político, foi sendo substituída por um capitalismo industrial concentrado nas mãos do sector mais abastado da burguesia. Ganhando força em Inglaterra e na Escócia, na Holanda e na Suécia, países onde a Reforma Protestante tinha conseguido destronar a influência retrógrada da Igreja Católica, a Revolução Industrial demorou a surgir nos países que se mantiveram fiéis ao catolicismo, como foi o caso de Itália, da França, de Espanha e de Portugal.
Esta outra Revolução, que alastrou pelo mundo a partir do século XIX, introduziu um conjunto de mudanças nos meios de produção e, consequentemente, na vida económica e social. Trouxe a fábrica em substituição parcial do artesanato, deu nascimento ao operariado e ao capitalismo industrial, fez crescer as cidades, desenvolveu novas relações entre estados e, em respeito pelos princípios iluministas, proporcionou o surgimento de uma cultura de massas, favorável ao alastramento do ensino a camadas cada vez mais vastas da população e ao maravilhoso progresso científico e tecnológico que marca os dias de hoje e que, infelizmente, não temos sabido aproveitar.
Sob o olhar do cidadão comum, cada vez mais explorado e, por enquanto, submisso, a ganância insaciável do mundo das finanças não tem permitido o uso pleno de tudo o que de bom este planeta tem para nos dar.

Tocada pelo iluminismo e pelo liberalismo, surgiu em Inglaterra e ganhou aí dimensão entre meados do século XVIII e as primeiras décadas do XIX, a que ficou conhecida por Revolução Industrial.

Acontecimento da maior importância na história da humanidade, a seguir à Revolução Francesa, nele radicam, entre muitíssimas vertentes a que, particularmente, nos interessa focar – a incrementação da investigação e do ensino da geologia. À partida, porque esta Revolução tem fundamento na mineração do carvão fóssil (hulha) e do minério de ferro e, no propósito de conhecer e poder explorar as respectivas jazidas, a geologia é chamada a intervir. Depois porque, como direi mais à frente, criou as condições sociais que levaram ao actual panorama do ensino e da investigação científica.
Rica em hulha e em minério de ferro, a Inglaterra desenvolveu processos de produção do aço, uma liga metálica formada essencialmente por ferro e carbono, com percentagens deste último variando entre 0,008 e 2,11% (o aço distingue-se do ferro fundido, que também é uma liga de ferro e carbono, mas com teor de carbono acima de 2,11%). Detentora destas potencialidades, substituiu a madeira (combustível tradicional) pelo carvão fóssil, fez uso crescente da energia a vapor, produziu máquinas para a indústria.
Em poucas décadas, esta Revolução alastrou à Europa Ocidental e aos Estados Unidos.
As convulsões sociais e políticas que levaram à queda do “Antigo Regime”, foram diminuindo a hegemonia comercial dominada pelo poder político absoluto, substituindo-a por um capitalismo industrial concentrado nas mãos do sector mais abastado da burguesia.
Ganhando força em Inglaterra e na Escócia, na Holanda e na Suécia, países onde a Reforma Protestante tinha conseguido destronar a influência retrógrada da Igreja Católica, a Revolução Industrial demorou a surgir nos países que se mantiveram fiéis ao catolicismo, como foi o caso de Itália, da França, de Espanha e de Portugal.
Esta Revolução introduziu um conjunto de mudanças nos meios de produção e, consequentemente, na vida económica e social. Ao trazer a fábrica em substituição parcial do artesanato, deu nascimento ao operariado, ao já referido capitalismo industrial, fez crescer as cidades e desenvolveu novas relações entre estados.

Em respeito pelos princípios iluministas, proporcionou o surgimento de uma cultura de massas, favorável à democratização do ensino, abrangendo camadas cada vez mais vastas da população e o maravilhoso progresso científico e tecnológico que marca os dias de hoje e que, infelizmente, não temos sabido aproveitar, por razões políticas, bem explicadas por quem sabe explicá-las.

O facto de a esmagadora maioria dos personagens lembrados nestes escritos serem homens, deve-se, unicamente, à condição de inferioridade, imposta no passado às mulheres (à semelhança do que estamos a assistir em sociedades do presente dominadas por fundamentalistas islâmicos), a quem o ensino é praticamente vedado. Com estas lamentáveis excepções, o século XX acabou com essa indignidade e, assim, são muitas as mulheres, hoje tantas ou mais do que os homens, que ocupam os bancos e as cátedras das universidades e participam na investigação científica e tecnológica.

O facto de a esmagadora maioria das personalidades lembradas nestes escritos serem homens, deve-se, unicamente, à condição de inferioridade, imposta no passado às mulheres (à semelhança do que estamos a assistir em sociedades do presente dominadas por fundamentalistas islâmico), a quem o ensino é praticamente vedado. Com estas lamentáveis excepções, o século XX acabou com essa indignidade e, assim, são muitas as mulheres, hoje tantas ou mais do que os homens, que ocupam os bancos e as cátedras das universidades, e participam na investigação científica e tecnológica.

 

Nota final: Neste meu texto, apresentado de forma simples, despretensiosa, mas com preocupação de rigor, dirijo-me, sobretudo e por dever de ofício, aos professores de geologia, porque não quero “meter a foice em seara alheia”. Mas bem podia fazê-lo. Que os leia quem quiser e tire deles o proveito que puder.


Notas:
Os poemas de Homero – “Ilíada” e “Odisseia” – transmitidos oralmente, percorreram muitos séculos de história da Grécia antiga, pelo que se crê que são uma compilação de obras de autores de sucessivas gerações e que Homero não identifica um indivíduo, sendo, sim, um nome fictício.

O “Inatismo” acredita e defende que o conhecimento de um indivíduo é uma característica que nasce com ele, que lhe é inata. Para os seus defensores, todas as qualidades e capacidades básicas de conhecimento já estariam em nós à nascença. Passavam de pais para filhos.

No “Idealismo” a realidade resume-se ao que é conhecido por meio de ideias. Só é racional para nós a partir das nossas ideias. Esta corrente filosófica defende a existência de uma só razão, a subjetiva, entendendo por razão a nossa capacidade para chegar a conclusões a partir de premissas ou dados.

O ”Racionalismo” dá a prioridade à razão, como faculdade de conhecimento relativamente aos sentidos. Defende-a como o caminho para se alcançar a Verdade.

O “Materialismo” defende que todas as coisas ou substâncias são compostas de matéria e que todos os fenómenos são o resultado de interações materiais.