Um cinema de bairro em Taipei

JONAS PULIDO VALENTE


“ESTAÇÃO TERMINAL”, o autocarro ia vazio.

A entrada do cinema estava molhada e os rastos das pegadas denunciavam vultos.

Antes de as lanternas se apagarem,

não conseguia distinguir a fumarada da condensação do caril japonês.

No último autocarro não vinha ninguém para trocar a bobine.

 

A casa de banho estava cheia,

o veludo sujo.

Na assoalhada mais iluminada,

foi reescrita a ordem de despejo.

Esquecendo-se da função do espaço, os caracteres chineses começam uma nova mutação.

Nas paredes fazem companhia as contribuições dos visitantes.

Depois de décadas de paranóia apocalíptica,

quase tudo é o que parece.

Ninguém deixa nada quieto, nem esquecido.

Este é o ethos da assemblagem abaixo do cabaret pois, se não o for, os assobios asseguram movimento.

A irmandade do homem sente-se em casa, quando almas penadas reencarnam fora do ecrã.

Pobres diabos não se conseguem levantar no corredor,

Até a chuva tem piedade, pois

só os actores cantam este musical.


JONAS PULIDO VALENTE