JOSÉ PASCOAL

---

O RISCO DE PARECER

Corro perigo de parecer
Triste
E transtornado
Como um caniço pensativo,
É próprio da espécie,
Pois sou humano,
Assim me classificam
Os atlas pré-históricos,
Os manuais de medicina
E o cartão de cidadão.

---

ELOGIO DO ENFADO

Há algum tempo que não falo do tédio,
Mote genérico de bardo
De belas épocas assassinadas,
Mas ele existe,
Como existe a ternura,
Como existe o terror,
Como existe a tremura,
Como existem o frio e o calor
Que sinto nas quatro estações
Cada vez mais bipolares.

---

FLÚMENES

Em todas as cidades vigiadas
Por turistas cansados
De visitar basílicas
E espeluncas,
Passam os grandes rios da memória
Com figuras sentadas nas margens,
Como em certos quadros
Dos impressionistas,
Como em certos cadernos
Dos impressionados
Com a vida real
Dos pássaros fantásticos
Desenhados a lápis
No papel reciclado dos eucaliptos.

---

MANEIRA DE FALAR

Quero passar contigo
Os últimos momentos
Da minha vida.
É uma frase feita
Como todas as frases.
Uma frase gravada
Nos bancos frios
Do largo do silêncio
Onde vão convergir
As avenidas da saudade.

---

José Pascoal (Portugal, Torres Vedras, 1953). Poeta, publicou: Sob Este Título, Editorial Minerva, Março de 2017. Antídotos, Editorial Minerva, Março de 2018. Excertos Incertos, Editorial Minerva, Maio de 2018, Ponto Infinito, Editorial Minerva, Setembro de 2018. Dirige o blog Gazeta de Poesia Inédita, em: https://gazetadepoesiainedita.blogs.sapo.pt/