ANTÓNIO JOSÉ DA SILVA
Guerras do Alecrim e da Manjerona

Cena II
(Entra Dom Lancerote)

Dom Lancerote: Sossegai, sobrinho, que já tudo está arrecadado.

Dom Tibúrcio: Agora sim; amado tio meu, por cujos humanos aquedutos circula em nacarados licores o sangue de meu progenitor, permiti, que os meus sequiosos lábios calculem esses pés, dedo por delo.

Dom Lancerote: Levantai-vos; sois discretos, meu sobrinho; pois vosso pai era um pedaço d'asno, Deus me perdoe.

Dom Tibúrcio: Não está mais na minha mão; em abrindo a boca me chovem os conceitos aos borbotões.

Dom Lancerote: Falai a vossas primas, e minhas sobrinhas, Dona Nize e Dona Clóris.

Dom Tibúrcio: Eu vou a isso.

Soneto

Primas, que na guitarra da constância

Tão iguais retinis no contraponto,

Que não há contraprima nesse ponto,

Nem nos porpontos noto dissonância.

Oh, falsas não sejais nesta jactância;

Pois quando atento os números vos conto,

Nessa beleza harmônica remonto

Ao plecto da Felina consonância:

Já que primas me sois, sede terceiras

De meu amor, por mais que vos agaste

Ouvir de um cavalete as frioleiras;

Se encordoais de ouvir-me, ó primas, baste

De dar à escaravelha em tais asneiras,

Que enfim isto de amor é um lindo traste.

Dom Lancerote: Também sois Poeta, meu sobrinho?

Dom Tibúrcio: Também temos nosso entusiasmo, senhor tio, isto cá é veia capilar e natural.

Dom Lancerote: Oh! Quanto me pesa que sejais Poeta, pois por força haveis de ser pobre.

Dom Tibúrcio: Agora, senhor, eu sou um rico Poeta. Pois, primas, que dizeis da minha eloqüência? Não me respondeis?

Dona Clóris: Os Anjos lhe respondam.

Dona Nize: Aí não há mais que dizer.

Dom Tibúrcio: Ah, senhor tio, essa rapariga é cá da obrigação da casa?

Dom Lancerote: É moça da almofada.

Dom Tibúrcio: Não é mal estreada; e que olhos que tem! Benza-te Deus!

Sevadilha: Quer Deus que trago um corninho por amor do quebranto.

Dom Lancerote: Eu cuido, Sobrinho, que mais vos agrada a criada, do que a noiva.

Dom Tibúrcio: Tudo o que é desta casa me agrada muito.

Dom Lancerote: Agora vamos ao intento: Sabereis, minhas Sobrinhas, que vosso primo Dom Tibúrcio, filho de meu irmão D, Tifônio e de dona Pantaleoa Redoldan, a qual também era irmã de vosso pai, e meu irmão D. Blianis, vem a eleger uma de vós outras para esposa, pela mercê que me faz; que a ser possível casar com ambas, o fizera sem cerimônia, que pra mais é o seu primor.

Dom Tibúrcio: Por certo que sim, e não só com ambas, mas até com a criada; pois, como digo, desejo meter no coração tudo o que dor desta casa.

Dom Lancerote: Eu o creio, meu sobrinho; nisso saís a vosso Pai.

Dona Clóris: (à parte) Não vi maior asno!

Dona Nize: (à parte) Nem eu maior simples!

(Diz dentro Semicúpio)

Semicúpio: Quem merca o Alecrim?

Dona Clóris: Ó Sevadilha, chama a esse homem do Alecrim; anda depressa.

Sevadilha: (à parte) Entrou no fadário!

Dom Lancerote: Sobrinho, não estranhais este excesso de minha sobrinha; porque haveis de saber, que há nesta terra dois ranchos. Um do Alecrim, outro da Manjerona, e fazem tais excessos por estas duas plantas, que se matarão umas às outras.

Dom Tibúrcio: E vossa mercê consente, que minha primas sigam essas parcialidades?

Dom Lancerote: Não vede que é moda, e como não custa dinheiro, bem se pode permitir?

Dom Tibúrcio: Bem sei que isso são verduras da mocidade, mas contudo não aprovo.

Dom Lancerote: E a razão?

Dom Tibúrcio: Não sei.

Dona Clóris: Vossa mercê como vem com os abusos do monte, por isso estranha os estilos da Corte.

Dona Nize: Calai-vos, mana, que ele há de ser o maior apaixonado que há de ter o alecrim e a Manjerona.

Dom Tibúrcio: Se eu enlouquecer, não duvido.

>>>Entra Semicúpio com um molho de Alecrim ao ombro

Guerras do Alecrim e da Manjerona
 
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