TEATRO

 
Farsa de Inês Pereira
GIL VICENTE
 

Aqui vem Lianor Vaz, e finge Inês Pereira estar chorando,
e diz Lianor Vaz:

LIANOR
Como estais, Inês Pereira?

INÊS
Muito triste, Lianor Vaz.

LIANOR
Que fareis ao que Deus faz?

INÊS
Casei por minha canseira.

LIANOR
Se ficaste prenhe basta.

INÊS
Bem quisera eu dele casta, Mas não quis minha ventura.

LIANOR
Filha, não tomeis tristura, Que a morte a todos gasta.

O que havedes de fazer? Casade-vos, filha minha. Inês Jesu! Jesu! Tão asinha! Isso me haveis de dizer? Quem perdeu um tal marido, Tão discreto e tão sabido, E tão amigo de minha vida?

LIANOR
Dai isso por esquecido, E buscai outra guarida.

Pêro Marques tem, que herdou, Fazenda de mil cruzados. Mas vós quereis avisados...

INÊS
Não! já esse tempo passou. Sobre quantos mestres são Experiência dá lição.

LIANOR
Pois tendes esse saber Querei ora a quem vos quer Dai ò demo a opinião.

Vai Lianor Vaz por Pêro Marques, e fica Inês Pereira só, dizendo:

INÊS
Andar! Pêro Marques seja. Quero tomar por esposo Quem se tenha por ditoso De cada vez que me veja. Por usar de siso mero, Asno que me leve quero, E não cavalo folão. Antes lebre que leão, Antes lavrador que Nero. Vem Lionor Vaz com Pêro Marquez e diz Lianor Vaz:

LIANOR
Nô mais cerimónias agora; Abraçai Inês Pereira Por mulher e por parceira.

PÊRO
Há homem empacho, má-hora, Cant'a dizer abraçar.. Depois que a eu usar Entonces poderá ser:

INÊS
(Não lhe quero mais saber Já me quero contentar..).

LIANOR
Ora dai-me essa mão cá. Sabeis as palavras, si?

PÊRO
Ensinaram-mas a mi, Porém esquecem-me já...

LIANOR
Ora dizei como digo.

PÊRO
E tendes vós aqui trigo Pera nos jeitar por riba?

LIANOR
Inda é cedo... Como rima!

PÊRO
Soma, vós casais comigo,

E eu com vosco, pardelhas! Não cumpre aqui mais falar E quando vos eu negar Que me cortem as orelhas.

LIANOR
Vou-me, ficai-vos embora.

INÊS
Marido, sairei eu agora, Que há muito que não saí?

PÊRO
Si, mulher saí-vos i, Qu'eu me irei pera fora.

INÊS
Marido, não digo isso.

PÊRO
Pois que dizeis vós, mulher?

INÊS
Ir folgar onde eu quiser

PÊRO
I onde quiserdes ir, Vinde quando quiserdes vir Estai onde quiserdes estar. Com que podeis vós folgar Qu'eu não deva consentir?

 
Farsa de Inês Pereira
 
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