PERSPECTIVAS SOBRE A POESIA DE EMILIO ADOLFO WESTPHALEN - JAVIER SOLOGUREN
Em 1933 e em Lima, Westphalen publicou Las ínsulas extrañas, seu primeiro livro. Este título pode sugerir ao leitor que se trata de uma obra em algum sentido consideravelmente em dívida com a tradição clássica. Nada disto, no entanto. Nem versos medidos, nem estrofes, nem rimas, nem símiles, nem alusões cultas. Em aberto contraste, tem diante de si textos onde vão sendo eliminadas as articulações lógicas e os elementos explicativos, onde a frase surge bruscamente quebrada, onde os nomes sobrenadam isolados derivando à mercê da impetuosa corrente emocional que os fez aflorar.

A aparição de opções diversas e opostas diante da consciência perplexa; o drama das possibilidades que pedem para ser realizadas, e o das dúvidas e vacilações da mente que rejeitam ou postergam essa realização, é traduzido em formulações verbais expressivas de um terminante estado transconsciente. A consciência converte-se na tela pela qual surgem e desaparecem inopinadamente os mais diversos pensamentos, quando se encontra solitária e estão por desvanecer-se as fronteiras que separam a vigília do sonho. Apontam então essas frases que, segundo o convicto testemunho de André Breton, "tornam-se perceptíveis para o espírito sem que seja possível descobrir-lhes (como não seja em uma análise muito completa) uma determinação prévia". Cravando ali sua raízes, as palavras de Westphalen levam consequentemente a cabo a arriscada empresa de traçar o relevo - com todos os seus imprevistos acidentes - de uma experiência aparentemente destinada a um mutismo irremediável, incapaz de exteriorização, de comunicação. Las ínsulas extrañas é, portanto, um nome que não se reduz à irradiação, sobre os poemas que o compõem, de seus indubitáveis prestígios místicos e poéticos. É, antes de tudo, a declaração livre e contemporânea diante ou sobre a desafiante inefabilidade de certas experiências que em épocas diversas reclamaram linguagens diversas mas cuja motivação profunda se abrevia em um mesmo e idêntico manancial. As falas poéticas estão - como toda linguagem, como todo ser vivente - sujeitas à mudança, mas as vivências que as nutrem e vivificam são, em sua dimensão mais funda, as do gozo e da dor de viver, de amar e de morrer.

Leitor assíduo de San Juan de la Cruz (para quem a alma chama ínsulas estranhas a Deus: por estar, nos adverte, "muito separadas e alheias da comunicação dos homens" e porque, continua, "assim nelas se criam e nascem coisas muito diferentes das que existem por aqui"), Westphalen, ao escolher este título, deve ter sopesado a profunda sugestão que dele emana. De outra perspectiva, ínsulas estranhas também podem ser os poemas: os semblantes da poesia. Pois todo poema constitui uma unidade expressiva autônoma; um tipo de universo cuja matéria prima, originária, é o som e cuja íntima identidade jaz no sentido. Acaso os poetas não experimentam um sentimento de estranheza diante da materialização textual, com rosto e figura, dessa obscura latência, desse murmurante desassossego que as conduz a traçar os signos que cancelam precisamente tal estado e, ao mesmo tempo, dotam-no de uma vida independente, insular e radiosa? Naquilo que modesta e discretamente me concerne, é esta, em todo caso, minha experiência. Escrito o poema, apaziguado o tumulto do sangue e o ânimo, tenho diante de mim esse patético recorte de minha continuidade vital, esse fragmento ressaltando no fundo grisalho e moribundo dos hábitos cotidianos e na enquistada rotina. Essa ínsula estranha, pois, que em algo me resgata, me revela e me consola.

Sabe-se que todo poeta, para os efeitos de sua escritura, inventa uma figuração na qual lhe atribui, sem ter especial consciência disto, o papel de poetizar; em quem projeta, por razão desse ato, um "eu" que não é o seu imediato, real ou empírico. Nesse eu poético funda-se a verdade estética de seu discurso e não diretamente nos fatos concretos de sua própria vida. Obviamente, tal projeção se dá nos poemas de Westphalen. Porém nestes, além do mais, o jogo das personas é algo estranhamente flutuante e ambíguo, ao mesmo tempo em que interage com sua própria temporalidade, característica esta do mais relevante.

Aqui, os versos com que se inicia Ínsulas:
andando o tempo
os pés crescem e maduram
andando o tempo
os homens se vêem nos espelhos
e não se vêem
andando o tempo
sapatos de pelica
correndo o tempo
sapatos de atleta
coxeando o tempo
com errar de cada instante e não regressar

Como badaladas isocrônicas, vão anunciando a fundamental temporalidade de seu sentido. Enunciados que se alternam com gerúndios, formas denotativas do transcurso ilimitado, dos fatos vistos aqui enquanto se produzem como marcha, como fuga, como penosa progressão. Visão simbólica e transida de patetice do tempo humano. Algo sucede, algo está sucedendo. Logo, a indicação de um "ele" (que pode ser o próprio tempo) seguido de imediato por uma referência ao "eu" de quem poetiza:

é o tempo e não tem tempo
não tenho tempo
versos mais abaixo, um
não te faças tão silêncio

que não sabemos se está dirigido a um "tu" ou ao "eu" poético mesmo. Nos versos finais deste primeiro poema se mostra já às claras este "eu":

dou-me ao teu mais leve giro
o amor dos cílios
à não dita
vertigem
temia a ti sem noite e sem dia
mesmo que não regresses
pela marcha de meus ossos a uma outra noite
pelo silêncio que cai
ou teu sexo

Observações deste tipo são factíveis ao largo de todo o livro e bem podem nos levar a delinear o problema da intrincada rede (ambígua ou indecifrável) das relações entre as personas do discurso westphaliano. Limites indefinidos, flutuantes entre o solilóquio e a mensagem a um destinatário que não é o próprio eu. Sutis perspectivas da palavra imersa na fugacidade reluzente do tempo. Tempo, sentimento do tempo. Em definitivo, um sentimento redutor, pois nos contrai à única visão de nossa consciência solitária:

andando o tempo
os pés crescem e maduram
andando o tempo
os homens se olham nos espelhos
e não se vêem

E tal como a recorrência de seus gerúndios, seus poemas parecem assimilar-se à duração, devir assim em sucessos sem começo ou fim, emblemas da condição fragmentária de toda a vida. Corroborando tal condição, tem-se o título Otra imagen deleznable com que Westphalen designou, até 1980, o conjunto de seus poemas. Título que compreendia o vivo paradoxo da esperança jamais vencida ainda que unida à dura e lúcida visão da precariedade existencial.

Os versos componentes de Insulas são algo simples e irregulares (em particular atendendo aos cinco primeiros poemas) se comparados com os de Abolición de la muerte, já que estes, que tampouco são regulares, mostram uma tendência à homogeneização métrica, pois encurtaram as distâncias silábicas entre os versos mais breves e mais largos. Em média, são de maior extensão e alguns deles chegam a ser o que hoje costumamos chamar de versículos. A dimensão do verso não é assunto trivial, pelo contrário, possui uma significação especial já que abre caminho, ao ser prolongado, a ritmos mais amplos e próximos aos muito variados e dinâmicos da prosa. Daí, portanto, que sendo Abolición de um ardoroso e afirmativo erotismo, se visse na necessidade de levar seus versos a desenvolvimentos algo mais expansivos e confiados. Por outro lado, estes deixam perceber um esquema mais organizado, um corpo prosódico de maiores implicações que os versos parcialmente soltos de Insulas. Sucede que Abolición (embora diste apenas dois anos da publicação de Insulas e muito provavelmente de sua escritura) oferece outra fase distinta do poetizar de Westphalen, um frasco novo onde anáforas e polissíndeto - reiterações expressivas - logram assegurar o pesponto, porém tudo isto em condição de crescimento natural, sem atalhos ou saltos.

As características da versificação de Insulas se encontram medularmente unidas a seu conteúdo. O poeta fala desde de solidão e desamparo. Os pensamentos literalmente o assaltam, se lhe impõem com toda a força e a desordem de sua tumultuosa natureza. A solidão, como a mão de neve da harpa becqueriana, desperta aqui e ali palavra veementes e trêmulas. A solidão possui seu próprio caminho que não é, jamais, o da congruência lógica. A solidão faz com que as vozes brotem de um penoso e radiante êxtase, provindas da perturbadora liberdade do delírio e do som profundo da revelação. Estas inexpugnáveis palavras da solidão nos permitem tocar o fundo substancial da experiência íntima, a humana medula vivencial.

O grande tema, a grande paixão da poesia de Westphalen é, não sabe dúvida, o amor. É provável que a intensidade visionária de seu erotismo não tenha comparação em toda nossa poesia. Ainda que este, mais próximo ao espírito, nunca evoque a condição carnal nem menos ainda as circunstâncias corpóreas do encontro sexual (ao que chegará, como veremos, muitos anos mais tarde). O eros que a ânima busca e invoca infatigavelmente uma rara pureza onde graça, inocência e ternura cifram-se nessa menina que iluminas os espaços tantas vezes lôbregos da desolação.

Eis aqui alguns exemplos:
Não se sabe se é silêncio o que repica
ou uma menina que inventa seus sonhos

[…]

oh que alto o mundo eleva
a menina com sua mão
E assim o hino da alegria
E assim a menina deusa
E este seu riso
Como formigueiro cobrindo o mundo
Como música ou mar lambendo escarpados
Como luz fiada de abelhas de ouro

Se em Insulas prevalece a soçobra que tinge sua expressão com as lívidas tintas do pesadelo e, a todo momento, nos permite assistir seus obscuros combates, em Abolición de la muerte manifesta-se, a começar pelo próprio título, uma vontade e uma ordem: destruir, através do amor, a morte. O poeta disse que algo de sua surda luta contra esta, estando ele gravemente enfermo, pode ficar impregnada em seus poemas. Mas é igualmente certo que esteve "também em solidão de amor ferido" e dessa ferida brotou íntegra sua poesia.

Salvo o reconhecimento da morte-que-dá-vida por parte do místico, no Ocidente campeia o enfrentamento. Westphalen, sendo um poeta ocidental, o assume plenamente. O livro insere, a modo de epígrafe, um verso de Breton: "chama de água, leva-me até o mar de fogo". Invocação que pareceria dar vazão a um impulso tanático, a uma travessia arriscada que conduzisse ao umbral da morte, e com isto uma simulação do desígnio essencial destes poemas. Mas não é assim.

Os poemas que integram Abolición constituem certamente um transporte - em seu dublo significado de viagem e êxtase - de cósmica e triunfal beleza. Um movimento orquestrado pela vasta e envolvente presença do mar, imagem emblemática da consciência desperta. Já não se está prisioneiro (como em Insulas) no estreito cárcere do corpo ou confinado na estreita - na angustiosa - prisão do sentimento e do sangue. Agora, o poeta acedeu a um mundo de horizontes abertos, onde a luz e um ar vasto e vivificante circula por entre suas criaturas. O amor imaginante, o eros que inventa seu próprio paraíso para em seguida assediá-lo tenazmente, pôs-se de pé e passou a andar dizendo sua canção:

Vieste pousar sobre uma folha de meu corpo
gota doce e pesada como o sol sobre nossas vidas
trouxeste cheiro de madeira e ternura de talho inclinando-se
e alto velame de mar recingindo-se em teu olhar
trouxeste passo leve de aurora se indo
e escandido incenso de arvoredos trementes em tuas mãos
desceste de brisa em brisa como uma onda ascende os dias
e ao fim eras o sobrado manancial rodeando as flores

As similitudes (ausentes por inteiro dos poemas de Insulas), as metáforas e as imagens transbordam na cornucópia verbal derramando seu cálido esplendor por todo o corpo palpitante do poema. O libérrimo jogo de possibilidades e opções, por seu lado, permite ingressar em um espaço onde imaginação e lirismo dispensam a serena alegria da beleza. Um som mínimo e ingrávido, como é o caso do "o", converte-se em dobradiça da visão caleidoscópica, e que agora destacamos:

e ao fim eras o sobrado manancial rodeando as flores
ou as praias encaminhando-se a uma querela sem motivo
por dizer se tua mão esteve harmoniosa no tempo
ou se teu coração era fruta de árvore ou de ternura
ou a voz baixa da ventura negando-se e afirmando-se

Falando da poesia de José María Eguren, Westphalen diz que nela "nada [há] tampouco da demagogia dos grandes temas". Recolhemos esta aguda observação pelo que significa a respeito da própria obra de Westphalen cujos conteúdos nucleares constituem-no precisamente tais temas. As vivências do amor, a solidão, a frustração, a deterioração, a morte, impregnam fundamente seus poemas. A angústia inerente a esses fatos da condição humana é a capa que subjaz em Insulas e a veemência luxuosa e esperançada o é de Abolición. Porém tudo isto, consubstanciado com a linguagem que o comunica. Westphalen, como Eguren, não escreve sobre tais assuntos, mas sim com eles. Não se vale de enganosas iscas; descobre, sim, a implicante verdade de uma experiência vivida com intimidade e profundidade. Nada há de proselitismo, portanto. E para apurar a demarcação de seu conteúdo, nada melhor do que citar esta clara e cortante afirmação de Octavio Paz: "sua poesia não está contaminada de ideologia nem de moral nem de teologia. Poesia de poeta e não de professor, de predicador ou de inquisidor."

Os valores musicais de Westphalen constituem, juntamente com a densa unidade vivencial que sustenta seus poemas, uma de suas mais nítidas características. Um número limitado de palavras vai surgindo e repetindo-se alternativamente ao largo do decurso textual. Assim, no poema quinto de Insulas ressaltam os termos árvore, água, fogo, sangue, gotas, chuva, música, alma, tempo, lágrimas. São palavras que irrompem, elevam-se e entrecruzam-se em um tecido contrapontístico de extrema delicadeza e, ao mesmo tempo, de força realmente avassaladora. Palavras que designam coisas e estados humanos assim como elementos do mundo material, todas elas substantivas, ou seja, gramatical e poeticamente carregadas de entidade e presença. O poeta nomeia. "Nomear as coisas - escreveu Gaston Bachelard - basta amiúde para provocar uma precipitação; antes do nome não havia senão uma solução amorfa e turva; depois do nome vemos os cristais ao fundo do licor." Até onde isto é possível, o poema cortou todo tipo de amarras com a história, com o acumulado no tempo e, de algum modo, consabido e anedótico, pois irremediavelmente tais coisas são captadas e domesticadas e acabam por ter seu lugar preciso dentro de um determinado código cultural. Porém o poeta tentou romper esses vínculos. Resta-lhe, então, o espaço limpo e desnudo dos começos, o espaço sem tempo dos mitos. Ali se inicia, de modo absoluto, uma história que por ser humana é dramática. Essa chuva, essas gotas que caem e golpeiam, esse fogo, essas lágrimas, esse sangue vão-se entrançando para dar nascimento ao poema, ao canto. De maneira que o poema inteiro, enquanto estrutura e prosódia, é também chuva, rápidas trajetórias de palavras e gotas que concluem por depositar-se, uma vez ultrapassados os umbrais da vista e do ouvido, na alma de quem o experimenta, sem depor sua vibrante, sua gravitante música.

Porém este poema é, além do mais, paisagem ou cenário onde cada elemento devém em agonista e como tal trava seu embate decisivo. Por isso, o primeiro verso descobre a tela:

Uma árvore se eleva até o extremo dos céus que a cobiçam
As palavras logo seguem gotejando música clara de chuva ou pranto até seu final jamais concluído:
as gotas já sabem caminhar
golpeiam
já sabem falar
as gotas
minha alma água falar água caminhar gotas damas ramas água
outra música aurora de água canta música água de aurora
outra gota outra folha
cresce a árvore
outra folha
já não cabe a alma nem a árvore na água
já não cabe a água na alma no céu no canto na água
outra alma
e nada de alma
folhas gotas ramas água
água água água água
morto pela água

Peguemos este verso:

outra música aurora de água canta música água de aurora

que é uma alada, seqüência ingrávida de palavras a ponto de converter-se em pura música, não porque a menção desta o sugira mas sim por encontrar-se entranhada em sua própria cadência. Podemos sustentar que tal musicalidade desprende-se da recorrência de sons iguais e eqüidistantes acentos: os as tônicos com sua diáfana abertura solar, o poço profundo e noturno do u de música. Em seu curto deslocamento, o verso se ergue, se afunda, se ergue; percorre cumes e abismos sonoros, é definitivamente elementar e cristalino. E como toda expressão brotada das fontes secretas da inspiração, nele escutamos certas pulsações, os signos exteriorizados de sua vida, sem alcançar, apesar disto, sua recôndita essência.

Dentro dos poemas de Insulas e Abolición, trânsitos verbais sem marco algum, são de notar as frases que perderam seu norte (tais como "não é que", "chega de", "coisas ou eram coisas ou eram"), que não são reticentes pois estão mutiladas, cortadas a bicadas. Por elas não resvala nenhuma sugestão, nada que se insinue e marque com o recurso gráfico dos dois pontos tal como é o caso de um reiterado traço estilístico em tantos poemas de Martín Adán. Traço que implica uma prévia visão intelectual do sentido, diante da qual o poeta toma uma atitude, prefere calar ou ignorar aquilo que deveria vir. Porém se a frase, o verso, se reduz a um "não é que" ou a um "chega de", como acontece em Insulas, nos damos então de bruços com a queda da palavra, com a pura e simples ausência da vontade de enunciar algo alcançando uma unidade de sentido. Esses fragmentos estilhaçados carecem logicamente de significado, mesmo que sejam significantes de um fato vivencial, emotivo: a desintegração, a incoerência em que se soma a mente por efeitos da dura cordoada da dor. Nessas rupturas de contexto, a frase fica imediatamente em suspenso, cabo roto e solto no ar atônito da angústia. Assim, escreve:

este é o destino do outono
sua presença e uma lua que aparece de para chegar a
é uma falsa espiral para caçar insetos
se chega de
ou uma estampa triste o outono uma vaca

As palavras, por sua vez, costumam dispensar-se para depois aceder à modulação de uma progressão encantatória onde se cava intensamente dentro de sua substância sonora:

fogo fogo fogo fogo
no céu céu fogo céu
como roda o silêncio
por sobre o céu o fogo o amor o silêncio

O poeta acende esse fogo que, como San Juan de la Cruz o viu, "converte todas as coisas em fogo", e finalmente em silêncio.

Uma vez consideradas certas facetas interiores de sua obra, não deveríamos deixar de lado o problema da filiação surrealista de Westphalen. Até que ponto participa dos postulados e técnicas dessa escola? Como o define sua própria obra frente a esta?

No primeiro "Manifesto do Surrealismo" (1924) se definia, mediante um artigo de impecável corte lexicográfico, a natureza deste movimento: "SURREALISMO, m. Automatismo psíquico puro através do qual se propõe expressar, seja verbalmente, por escrito ou de qualquer outro modo, o funcionamento real do pensamento. Ditado do pensamento, em ausência de todo controle exercido pela razão, fora de toda preocupação estética ou moral." A entronização da escritura automática, operando como técnica ou procedimento decisivo, seria a condição indispensável para o surgimento das imagens surrealistas enquanto estas procederiam da psique atuando espontaneamente, à margem em absoluto de toda elaboração ou consideração prévia (arranjo ou adereço estético, censura moral) a fim de alcançar as fontes arcanas da criação. Nessas águas desnudas e aurorais sonharam banhar-se um bom número de poetas e artistas com Breton à frente. Um sonho a mais, dentro da resplandecente constelação dos sonhos criadores e epifânicos, cuja tácita grandeza outorgava-lhe a profundidade do propósito. A rejeição da razão e da lógica, a busca do genuíno fazer-se do pensamento, não se traduz, na experiência concreta dos poetas, como se podia esperar ou temer de acordo com suas premissas, em simples transcrições documentais do subconsciente. Pois essas diferenças, de algum modo porém necessariamente, passaram pelo filtro de uma linguagem cujos prestígios, cujas aderências significativas, iam transmudando-os em objetos de irrenunciável beleza.

Não uma escola (nada mais chocante para designar tão plural exaltação da liberdade criadora), o Surrealismo foi um estado de espírito, um meio de conhecimento - como com clarividência apontou Paul Éluard - e até uma mística.

Apesar do exposto, continua de pé o interesse por situar a poesia de Westphalen. Em uma homenagem que lhe foi rendida, diversos poetas e críticos enfocaram-na desde a perspectiva do surrealismo. Seus pontos de vista, bem sucintamente aqui anotados, podem ser agrupados nas seguintes posições. Por parte de Stefan Baciu e Alonso Cueto, reconhecimento sim reticências de sua filiação surrealista. Em aberta oposição, Américo Ferrari a exclui do surrealismo por carecer "do princípio da escritura automática". Entre ambos pólos, desdobra-se uma gama de aceitações parciais e explícitas reservas. Assim, José Miguel Oviedo, concedendo que "lhe deve algo de seus modos", considera que "o vigilante papel que cumpre a consciência reflexiva está demasiado à vista para adscrever tão facilmente sua poesia ao surrealismo". Para Ricardo Silva-Santisteban, acusa uma tendência superrrealista, mas "é peculiar em Westphalen um domínio verbal e uma ordem conceitual de que normalmente carece a poesia de vanguarda, inclinada, bem mais, à escritura automática". A aventura da linguagem em Westphalen "não é necessário adscrevê-la em sua integridade aos ensinamentos surrealistas, mas sim bem melhor vinculá-la com suas duas fontes principais: a tradição da lírica moderna […] e a natureza própria da imaginação lírica", sustenta Ricardo González Vigil. "O surrealismo aportou elementos indiscutíveis na lírica de Westphalen", diz Enrique Peña e Mario Vargas Llosa assinala que "uma soterrada voz fala, na dispersa e suntuosa maneira surrealista, dos velhos assuntos da solidão, da morte e do amor". Carlos Germán Belli considera que Westphalen é "uma figura chave dentro do primeiro vanguardismo hispano-americano" e ao mesmo tempo reconhece que "a técnica do automatismo está presente em cada um de seus textos". Exercendo sua liberdade dentro do "discurso característico da poesia de nosso tempo, aquele que haverá de prover-nos de nossa própria noção do moderno", o vê Julio Ortega. Enrique Verástegui, por sua vez, não o crê "propriamente surrealista". O peruanista inglês James Higgins - considerando que "o surrealismo postula o que se poderia chamar um misticismo secular - observa que Westphalen se acha no contexto da poética surrealista, pois "para ele também o ato poético representa uma tentativa de transcender as limitações da vida ordinária para alcançar um estado de união com o mundo".

Recentemente, Roberto Paoli, ao estudar a obra de Westphalen, afirma que tem aspectos essenciais do surrealismo: o inacabado do poema, as gretas do sentido, o caráter onírico das imagens, o estilo reiterativo etc.

Como se pode apreciar, a pedra de toque que detecta a presença do surrealismo é, em termos gerais, o automatismo. O fato onírico, ainda que relevante, não se toma em conta apesar de que, embora a matéria de seus poemas não parece desprender-se do enigmático recinto dos sonhos noturnos, em suas imagens, em troca, transparecem os atributos do sonho em vigília. Tampouco se alude aos poderes mágicos, insólitos, sobrenaturais, que aspirava desatar a linguagem dessa tendência. Se algo disto se deixa transluzir na memória da imagem surrealista, tais poderes podem muito melhor ser dados como inerentes à linguagem poética contemporânea.

Seria um erro de ótica afirmar que o poema westphaliano é um texto desmembrado e anárquico, pois isto supõe o resultado de uma tácita comparação com o poema mais ou menos articulado logicamente que se toma como modelo. Outra, a nosso entender, é sua realidade. Outra a forma de sua articulação. O propósito de expressar, no próprio transe de fazer-se, o pensamento ou a ideação, cria a estratégia dos assaltos múltiplos, sucessivos e até exaustivos das intuições com seus súbitos e resplandecentes fogos. Fulgurações isoladas que em seu conjunto permitem a visão desse magma primordial do qual se desprendem. Os versos se lançam como flechas incendiárias que se vão justapondo e uma vez cravadas e ainda vibrantes cingem e iluminam o corpo da obscura emoção. A indistinta e densa unidade da vivência conta assim com diversas vias de acesso, de abordagem. O poema westphaliano é, em definitivo, um feixe de vislumbres. Um feixe, nada menos. Porém dotado de uma viva unidade e crescido conforme um ponderado desenho estrutural. Têm razão, por conseguinte, aqueles que destacam o controle de uma inteligência configuradora na escritura de seus poemas. Por outro lado, o próprio Westphalen escreveu há pouco haver coincidido com Enrique Molina em aceitar a César Moro como "o único que merecia o apelativo de surrealista na América Latina".

Importa citar assim mesmo o que Westphalen contou acerca de suas leituras e o rol destas na formação de sua linguagem poética. Assim, nos diz: "Dois ou três de seus Cantos [de Pound], um fragmento de Homme approximatif de Tzara lido em ‘Bifur’ e o Hebdomeros de De Chirico, creio que constituem o substrato que me permitiu fazer do instrumento dúctil de expressão que utilizei posteriormente em Las insulas extrañas". O que é realmente esclarecedor. A leitura de Breton corresponde a 1934, quando já "tinha pronta para impressão a série de Abolición de la muerte. […] O livro apareceu com um desenho de Moro e uma citação de Breton escolhida de um dos livros de poemas seus que acabara de conhecer. Antes havia lido Nadja na tradução inglesa que publicou ‘Transition’ e o Segundo manifiesto del Surrealismo no exemplar que havia sido de José M. Eguren."

A julgar por tais declarações, bem se compreende que a fala poética de Westphalen foi-se lavrando sobre a talagarça de uma língua franca vanguardista em processo de instaurar-se por si mesma nos termos de uma nova e influente tradição.

O humor é um ponto de tangência na poesia de Westphalen com o surrealismo. Recorde-se que há aqueles que vêem no humor a manifestação mais assinalada da surrealidade e que outros o têm pela arma mais eficaz da subversão que esta implica. Em um ou outro caso, tem-se em conta sua força insólita e a fratura do estabelecido que se segue a seu impacto. Contudo, o Westphalen de Insulas e Abolición possui notas muito peculiares uma vez que não se reclama do "humor negro" surrealista, o qual, como já se observou, possui um fundo de sarcasmo e niilismo. Seus atributos são, pelo contrário, os de um encantado, surpreendente e sorridente reino infantil. Surgem assim versos como estes:

os cangurus de etiqueta iniciavam o desfile […]
outra vez bateram palmas as grandes ondas […]
as árvores aplaudem / ao estrear tu um sorriso que repicava com as flores

No entanto, décadas mais tarde em sua Nueva serie (1984) emanaria outra veia insolitamente distinta.

Não terá deixado de surpreender ao leitor o fato de que para um léxico onde pesam com tão substantiva presença palavras como água, fogo, sangue, amor, angústia - significativas de uma ordem radicalmente elementar na natureza e no homem - acudam outras como sapatos, guarda-chuvas, lenços, pentes, fraques, sobrecasacas, e até bigodes e couves-flores, cuja ocorrência, em maior ou menor medida, acusa sem dúvida dissonância. Um exemplo:

Agora
sim agora
enfeitadas as cidades com todas suas janelas e suas gravatas de laço
adornados os campos com vários fraques de mais
silenciadas montanhas com vários silêncios de mais

De modo que as imagens que embaralha seu humor oferecem um rosto mágico e festivo mostrando-se de imediato pelo resquício de um texto aflito:

aparecem os dias com alguma nostalgia
talvez nunca mais tenha se dado o outono à angústia do homem
os jornais anunciam uma boa cozinheira
um canário
ou um cão amestrado na arte de descascar as cebolas

Em um entreabrir-se do céu morto de aflição, convidam-nos as evocações de um espetáculo circense ou de uma fita de desenhos animados. Daí que as imagens deste gênero possam recordar incidentalmente, pela surpresa e pela graça, algo das figurações de Eguren ou de Lewis Carroll.

Transcorreram 45 anos a partir da data de publicações (1935) de Abolición de la muerte, para que aparecesse no México Otra imagen deleznable… (1980), seu terceiro livro que, ao lado de Insulas e Abolición, traz 17 poemas sob o título de Belleza de una espada clavada en la lengua. O largo lapso que os separa daqueles produz, como é de se supor, o natural desejo de encontrar ou estabelecer algum tipo de vínculo entre sua poesia conhecida e estes novos textos diante dos quais nos indagamos se acaso mostra-se algo de parecido em temas e estilo com os precedentes, assegurando assim uma espécie de promissora continuidade. Ou se, pelo contrário, constituem algo diverso e contrastante, um novo giro em sua expressão e em qual medida.

Não é de modo algum lícito, por outro lado, pretender que tais poemas representem, por si sós, a última poesia de Westphalen; que neles se defina, digamos paradigmaticamente, a imagem total daquela que poderia ser sua criação recente. No meu entender, só nos resta, como única opção válida, revelar, se possível à margem de toda idéia de evolução, as características novas, reiteradas ou ausentes.

Tratemos de dar uma rápida olhada em alguns desses poemas. "Nerval e o amor", em primeiro termo. Como se sabe, uma das tentativas fundamentais do sonhado de As quimeras foi, segundo disse Albert Béguin, "a necessidade de vencer a ameaça da morte pela conquista mística da luz final". O poeta de Abolición de la muerte saiu depois (por uma dessas afinidades tão profundas como secretas) desse protagonista e de seu motivo e situação. Descobre a natureza mística do "reconhecimento" nervaliano para quem o diáfano olhar (a luz final) da deusa lhe concede a vida sob a espécie de uma morte (que é transfiguração, metamorfose), que é gozo supremo enquanto é negada. Somente sob a condição de instância passageira - de crisálida - a morte leva a vida. A Vênus menina, a deusa incipiente, que põe o pé com o império do irresistível, é Mirto, a invocada no célebre soneto:

E eu sei porque ali o vulcão se reabriu
é que o tocaste com teus ágeis pés.

(Nerval, Mirto)

Talvez se possa considerar "Poema inútil" como a chave mais explicitamente implacável do dilatado e impregnante silêncio do poeta. Em todo caso, é a poética da precariedade da palavra, de seu imanente fracasso diante da realidade que a reclama. Com isto, Westphalen testemunha sua participação de um sentimento e de um mal-estar muito enraizados na consciência crítica de nossos dias: a perda de fé na palavra.

A cesura se produz circunstancialmente. O poema convoca, por intermédio de graves e lúcidas imagens, a corte de misérias da linguagem quando este pretende ir mais além das exigências práticas. Pois é então uma linguagem sempre alusiva para uma verdade sempre alusiva. Mas como se dá com algumas negações verbais do valor do verbo, estas posteriormente resultam vigorosas afirmações de seu próprio inexpugnável domínio. Em termos estritos: toda subversão contra a palavra implica a vigência do poder da palavra. Unicamente o silêncio marca a eficácia plena de tal subversão.

Como o "rio que durando se destrói" ou a chama resplandecente enquanto se aniquila, este texto será consumida renovada e incessantemente "no fogo de sua impaciência".

"Livre" entranha uma meditação sobre a dialética elementar da existência humana, sobre sua desgarradora contradição. Dali, seus oxímoros: "breve como o infinito"; "Enclausurado / o preso venturoso, / […] livre como a ave / presa de seu canto". Soma de oposições e tecido de ilusões resolvidos na morte. Ao final das contas, o poema nos situa entre os termos primordiais do amor, da vida e da morte. Algo da temporalidade, tão essencial em seus poemas de Insulas, está palpitando intensamente em "Livre".

O mar - que é uma presença múltipla em Abolición - assume (em outro de seus poemas, o intitulado "O mar na cidade") o rol mítico e purificador que milenarmente vem sendo atribuído ao fogo. A água que lava, a água que limpa, a água lustral procede desse mar "emissário da vida / devorando o que houver morto e putrefato".

O poema está composto de seis estrofes de quatro versos, versos que oscilam entre nove e catorze sílabas, com predomínio do eneassílabo.

Estes poemas já não avançam com a extensão dos versos de Abolición. Estes são agora curtos e se organizam em estrofes. O tom é retido, a reflexão torna-se una com as imagens, e os temas e motivos são parcialmente retomados. Sem dúvida alguma, uma nova inflexão incide no discurso.

Sim, como assinalamos, entre Abolición e Otra imagen deleznable… mediaram muitíssimos anos, a partir deste último livro assiste-se a uma notável abertura editorial da criação westphaliana. Fato que, ao nosso parecer, reclama uma especial atenção. O prolongamento - ocorre-nos - de um silêncio tão tangível, pasto natural das especulações mais diversas, pode haver feito dele algo extremamente ruidoso (ou clamoroso) desnaturalizando desde sua raiz o sentido ético que o poeta, com seu indeclinável decoro, soube lhe conferir. Assim dava fé de que se a voz calava, a consciência poética sempre estava viva e alerta. À publicação de Otra imagen deleznable… vai se seguir, entre 1982 e 1984, a de três breves coleções de textos, eles mesmos também breves, que marcam um novo e até insólito rumo na expressão poética de Westphalen. Dissemos publicar e a palavra se associa com um número, ainda que indefinido, mais ou menos considerável de leitores. Estes podem chegar a ser muitos, porém as "plaquettes" em conjunto não alcançam uma tiragem de meio milhar de exemplares. São, portanto, na realidade, edições para amigos, presentes com os quais Emilio se apresenta delicadamente para nos dar suas novas, aquelas que correspondem à sua acendrada experiência pessoal e verbal, em companhia daqueles que como Judith Westphalen e César Moro significaram e significam tanto em sua vida e em seu afeto.

Arriba bajo el cielo é o título da primeira, aparecida em 1982 e em Lisboa. Está conformado por seis curtos poemas cujo tema é o gavião romano sugestivo de impressões muito nítidas. A fim de oferecer uma mostra, leremos um em que o humor festivo limita-se com a canção infantil:

O gavião toca o piano
Com o bico e com a pata
O gavião come o piano
Com o bico e com a pata
O gavião espirra
Com o bico e com a pata
O gavião apara o bigode
Com o bico e com a pata
O gavião arranca as asas
Sem o bico e sem a pata

Sua penúltima "plaquette" intitula-se Máximas y mínimas de sapiencia pedestre escuchadas al desgaire sin certificación de autenticidad. Nela, de acordo com uma das epígrafes de Baudelaire (Sede poeta sempre, mesmo em prosa), a reflexão poética assume a forma aforística. Eis aqui um destes; o que leva o nome de "Folhas secas":

Esforço titânico, em conseqüência vagamente grotesco, por ampliar e superar o caduco e perecedouro nomeando-o reflexos, grãos ou partículas de eternidade.

Vamos nos referir, ainda que muito ligeiramente, a seu último livro: Nueva serie de escritos de Emilio Adolfo Westphalen con un dibujo de César Moro, que data do ano passado e apareceu, como os dois anteriores, em Lisboa. Nele, mostra facetas de humor e erotismo que dizem patentemente da frescura e surpreendente capacidade de mudança e renovação de seu autor. Não somente uma nova série. Uma nova escritura. E um exercício de sua liberdade como uma certeira estocada.

Na ocasião, vou destacar o poema que, com o título de "O menino e o rio", dedica a José María Arguedas. Integram-no onze textos em prosa e um, final, em verso, à maneira de instantâneos através das quais se percebe um alento mítico que tanto pode evocar algo de uma cena helênica como uma andina.

Uma bela homenagem ao criador de "Warma Kuyay" e Los ríos profundos, homenagem que, à diferença de tantas outras, não glosa nem parafraseia nenhum de seus textos nem se aproxima mimeticamente de sua escritura. Difícil e logrado passo de um universo, alheio porém vivido pessoalmente, a outro autônomo e inassimilável.

* * *

A palavra se faz no silêncio; nele toma identidade e corpo, dentro dele eclode sua parábola significante. A palavra poética não só confirma este fato como também constitui seu limite extremo, seu desenho essencial. Tudo o que não se disse em um poema foi precisamente o silêncio necessário à viva manifestação da poesia. O silêncio não se acaba aí, no entanto. Transpõe a cadência da palavra para invadir o espaço da escritura, branco sobre branco; para tornar (entre palavras, versos, estrofes) audível e visível seu sentido. Arcana e perene harmonia dos contrários.

É muito provável que ao ler um poema estejamos medindo a quantidade e qualidade do silêncio concordante que incorpora, medindo a onda viva que se arranca de seu infinito oceano e respirando ali profundamente. O milagre da palavra é o exorcismo que opera o silêncio. Isto, todos os poetas intuíram, ainda que em diversos alcances e rendimentos alheios, além do mais, à extensão da obra. Mallarmé, cisne no lago dos signos, desenhou a mais prodigiosa partitura visual do silêncio. Rimbaud afundou-se definitivamente nele com suas asas molhadas de cosmos. Não há, não pode haver poeta que não tenha se detido a escutar seu canto e essa experiência é a mãe de sua ciência, o véu desgarrado em luz de sua consciência.

A obra poética de Emilio Adolfo Westphalen recolhida em livros, mais seus poemas antigos e recentes, traça o círculo talvez mais insólito e resplandecente da poesia peruana contemporânea, o círculo mais intensamente rodeado de silêncio. Seus livros, com o correr do tempo, assumiram uma condição solitária. Dois marcos solitários, insulares, no vasto e agitado pélago das criações poéticas do Peru contemporâneo. Nada alterou seus vivos e exatos perfis. Nenhuma corrente de crítica ou opinião chegou a confundi-los. Pareceria que seu aqui e agora eqüivaleriam a um sempre ancorado no fundo. Contavam com a força centrípeta da obra genuína, possuidora de um poderoso centro de gravidade que impede a ação desagregadora do tempo.

Um simples e único movimento pendular marcado por esses poemas: um compasso aberto no ângulo determinante de duas zonas: a daqui, o canto; a de mais além, o silêncio margeando e levantando o canto. Entre as somas e restos da expressão, foram ficando o testemunho da penosa marcha do homem e de sua ânsia indestrutível (Las insulas extrañas) e, depois, a exaltação paradisíaca de seu amoroso assédio (Abolición de la muerte). Sobre a morte, um total de vitoriosa poesia que em seu decantado silêncio vai gerando novos vôos e novas iluminações.


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