Nunca entendi realmente a razão para antologias, além de um convite au voyage. Isto sendo dito, é útil para o editor de qualquer antologia reconhecer o terreno, seja por uma história suficiente, seja por interpretação, seja por uma mistura das duas, ou por quaisquer outros meios que satisfaçam a necessidade.
É claro, o problema das antologias é este: muitas delas fornecem um meio, por mais introdutórias que elas possam ser, com tão poucos motivos ou paixões adicionais para um leitor pegar a deixa e começar a folhear.
E apesar de seu título e tema, ou por causa deles, Surrealist Women encaixa-se no segundo campo. Tal como editado por Penelope Rosemont, este robusto volume é um bilhete de viagem, sem dúvida, mas para onde e como é ainda incerto.
Realmente?
O livro não torna disponível para o mundo que fala a língua inglesa uma seleção de textos por surrealistas, alguns conhecidos, muitos mais raramente conhecidos ou desconhecidos, e todos mulheres? Não é esta uma razão bastante atrativa para aceitar o que você deseja, esquecer o que você não deseja e deixar um no outro?
Gostaria que fosse assim.
Gostaria que Rosemont não fosse uma surrealista ou a principal animadora do Grupo Surrealista de Chicago. Se fosse o caso, eu poderia simplesmente culpá-la por parecer não entender o tipo de rigor pelo qual os surrealistas têm sido conhecidos desde o passado, e o qual, espera-se, deverá sustentar no presente. Eu poderia até encontrar um grande prazer nas obras presentes nesse livro, não mais tendo que evitar as fáceis introduções da editora para o livro todo e para cada seção cronológica.
Não, não sou fã do guia do turista literário. Quando datas, nomes e números proliferam, freqüentemente bocejo mais que aplaudo. Quando os principais conceitos que animam a revolta surrealista parecem como cachos de nomes banais sem bastante profundidade ou ressonância para dar-lhes vida como provocações, fico perplexo. E quando uma editora que deseja aumentar o interesse de seus leitores tem apenas um sucesso marginal, me pergunto o motivo.
A resposta não está tão distante.
Seu variegado jornalismo, todavia muito flutuante por causa de seus entusiasmos -- por revolta, poesia, écart absolu, amor, etc. – simplesmente não convence na letra ou no pensamento.
Há um outro fator constante até mais perturbador para Rosemont e seu cargo de editora: uma carência de consciências críticas para produzir um livro fundamentado na diferença de gênero.
Sim, ela é rápida para nos contar:
Diferentemente da maioria das correntes culturais e políticas do século XX, o Movimento Surrealista sempre se opôs publicamente da mesma maneira de facto a segregações por causa de linhas raciais, étnicas ou de gênero.
Obrigado por nos lembrar do excepcional valor do surrealismo a este respeito. Mas não é um valor que Rosemont leva a sério. E como que para racionalizar a questão, ela acrescenta essa apologia:
Meu objeto aqui não foi separar os sexos para excluir os homens, mas, antes, incluir mais mulheres do que as que já houveram sido até então incluídas numa antologia sobre surrealismo…. A exclusão de mulheres das compilacões então existentes justificou – naturalmente incitações, ao menos pelo interesse de exatidão histórica – um esforço para restabelecer a igualdade na balança ao enfatizar o que muitos outros têm negado . (p. xxi)
Por que Rosemont consideraria este esforço necessário para “balancear” uma injúria história feita a um movimento de expressão revolucionária que repudia a diferença de gênero como uma medida de distinção entre pessoas, ao restabelecer que a diferença está além de mim?
Sinto muito, teu sexismo a serviço da história faz pouca justiça ao surrealismo.
Ao mesmo tempo, não encontro em nenhum lugar ao longo desta antologia algum comentário sobre o caráter ou a qualidade subversiva das anteriormente aclamadas descobertas e técnicas surrealistas, além de Rosemont considerá-las numa rajada de superlativos. Certamente, a onda do “o que funcionou outrora, funciona igualmente bem agora” tem um pequeno lugar com nenhuma discussão das propensões surrealistas. Parece até menos coerente quando focada exclusivamente nas mulheres.
Não é dizer que Rosemont interpreta mal aquilo que aqui está ao seu redor. Apenas duvido que ela reconheça a confusão presente.
E isso é o obstáculo para todo o esforço.
Ainda numa perspectiva voltemo-nos para duas mulheres que Rosemont cita: a primeira uma ex-surrealista e esposa de Breton, a segunda uma surrealista contemporânea.
Jacqueline Lamba, quando ela descreve seu encontro com Breton e sua ligação com o surrealismo do final dos anos 1920 e início dos 1930, o coloca desta maneira:
Este escritos [surrealistas] ofereceram uma resposta definitiva a certos problemas que são extremamente difíceis de resolver individualmente.
Sem dúvida! E com Lamba o risco envolvido torna-se muito claro. Era, permanece, a preeminente razão de se considerar o surrealismo uma via à parte do estado de miséria da vida cotidiana. Ainda não encontro em nenhum lugar tal simplicidade de expressão, e sua concomitante honestidade, nas apresentações de Rosemont, à exceção de seu ardor, baseou-se na própria trajetória dela, porém vendadas por uma insípida retórica ornada com assuntos surrealistas.
A este mesmo respeito, podemos nos voltar para Annie Le Brun. Em sua breve apresentação de Le Brun, Rosemont conclui dessa maneira:
Ela [Le Brun] também experimentou estar entre as mais prolíficas, descompromissadas e individualistas, inflexível em sua recusa de ser “recuperada”, seja pelo aparato de repressão seja pelas pseudo-oposições reformistas deste aparato.
O que Rosemont não acrescenta aqui é a consistente recusa de Le Brun de ser “recuperada” por aqueles se consideram a si mesmos animadores do surrealismo contemporâneo, e que incluiriam Rosemont, o grupo de Chicago bem como outros por todo o mundo. Ao mesmo tempo, na leitura da apresentação de Le Brun a Lache tout, que Rosemont nos fornece, eu encontro aqui novamente tudo de que Rosemont carece: precisão de expressão, clareza poética, vivacidade, pensamento abrangente. É claro, o clamor de Le Brun por deserção é muito real. Não é limitado a outra coisa que o surrealismo, e não é de maneira alguma um artifício literário.
Tudo bem, vou me calar e tirar o chapéu para esses excepcionais poemas e textos espalhados ao longo do livro.
Para aqueles entre vocês que possam perdoar uma editora por uma indiscrição de suas confusões, este livro é para vocês, como eles dizem, da capa até a contracapa. Para aqueles que exigem clareza e provocação, e cuja necessidade por realidade é bem maior que qualquer desejo que a satisfação possa prover, suponho que estamos abandonados ao levar nossa vara de pesca entre as capas.
Uma advertência final: vocês amariam mapas de alhures, e desejariam usar este livro como um guia, mantendo seus sentidos em vocês. Vocês caminharão para dentro de uma noite erótico-magnética usando seus óculos de sol!
[ Washington, DC October 29, 1999] |