O SURREALISMO QUE SE MOSTRA NO BRASIL - FLORIANO MARTINS

Em uma série de reflexões sobre o Surrealismo, recordou Georges Sebbag (La Red de las letras # 7, Antioquia, setembro de 2000) que “os surrealistas desmontaram o mito segundo o qual a revolução social seria um prelúdio a toda transformação individual”, ao que se poderia acrescentar uma declaração de Octavio Paz: “a atividade surrealista foi coletiva e individual” (Plural # 35, México, 1974). E cabe ainda recorrer ao mesmo Sebbag, ao sublinhar que “os grupos surrealistas fora da França enfrentam uma dificuldade suplementar: de um lado, abraçam a causa de um movimento que os preexiste, de outro não estão dispostos a sacrificar sua personalidade”.

Os aspectos aqui mencionados são indispensáveis à discussão em torno de uma dupla contradição: a negação de atividade surrealista onde não se registrou a formação grupal e a idéia de um surrealismo tardio. A essas duas condicionantes de uma falsa interpretação da ação do Surrealismo viria se juntar uma outra, que tanto podemos identificar pelo conceito empregado por Stefan Baciu, de “parasurrealista”, ou recorrer à expressão de Paz: “tangencialmente surrealista”. São três fatores comumente empregados para desorientar um mínimo entendimento que se possa ter da existência do Surrealismo fora da circunstância parisiense originária, do eixo central das vanguardas, e consequentemente de sua própria condição de recusa a ser uma escola. Baciu considera como para-surrealistas aqueles poetas que “sem ser explicitamente surrealistas, coincidem ou coincidiram - às vezes - com o movimento ou com sua expressão poética” (Antología de la poesía surrealista latinoamericana, 2ª ed., Valparaíso, 1981). É a mesma idéia de Paz no tocante a uma condição tangencial.

Uma recente exposição ocorrida no Centro Cultural Banco do Brasil (Rio de Janeiro, 2001), dedicada ao Surrealismo e inclusive destacando-lhe a presença em continente americano, situa o ano de 1947, tomando por base a Exposition Internationale du Surréalisme, como data-limite do percurso do evento. Segundo esclarece uma das curadoras da mostra, Denise Mattar, “esta exposição é considerada um marco da volta da atividade surrealista a Paris e a conclusão de um período de descobertas” (texto de catálogo da mostra). Retorna-se assim, por mais que discretamente, à idéia de um surrealismo histórico, leitura que já provocara suficientes dissensões mesmo entre parisienses.

Refiro-me ao marco definido pela mostra brasileira pelo que ele nos permite avaliar o que anuncia os parágrafos anteriores. Mesmo considerando aportes importantes ocorridos na América Latina dentro dos limites cronológicos aludidos, sabe-se que nos anos 50/60 houve uma presença muito mais intensa do Surrealismo entre nós, sobretudo no plano individual. No Chile, por exemplo, podemos evocar a presença de Ludwig Zeller, cuja ação individual - jamais esteve ligado ao que se poderia entender como uma formação grupal surrealista - é das mais essenciais não somente em termos de difusão e produção de obras ligadas ao Surrealismo, como - e sobretudo - pelo próprio aporte a essa combinatória de poesia e arte, moral individual e ação coletiva etc., aspectos que definem de maneira consabida o Surrealismo.

Aos olhos de Octavio Paz, acaso Zeller seria considerado “tangencialmente surrealista”? Stefan Baciu o situa textualmente como um “parasurrealista”, ao lado de nomes como o venezuelano Juan Sánchez Peláez, o colombiano Jorge Gaitán Durán e o argentino Roberto Juarroz, dentre outros. Baciu residiu no Brasil nos anos 50/60, quando então escrevia para publicações em São Paulo e Rio de Janeiro, como Diário Carioca, Correio da Manhã, Diário de Notícias, Letras & Artes e Cadernos de Cultura, e é autor de uma antologia do Surrealismo na América Latina publicada originalmente no México em 1974, mas o influxo entre nossos scholars da literatura seguramente alcançou maior reforço com a defesa que fez de seu pioneirismo Octavio Paz em resenha publicada no mesmo ano. Curiosamente jamais foi observada por crítico algum a ausência de Sérgio Lima dessa antologia, que havia fundado grupo no Brasil, nos anos 60, e inclusive organizado uma exposição internacional do Surrealismo em São Paulo, com presença de franceses e sul-americanos.

No artigo do poeta mexicano há uma passagem sobre o fotógrafo Manuel Alvarez Bravo, em que lemos: “suas fotografias, sem detrimento de seu preciso realismo, são verdadeiras imagens no sentido realista da palavra imagem: subversão e transfiguração da realidade”. Alvarez Bravo, considerado por Paz, como um “surrealista tangencial” encontra-se na mostra do CCBB e é nome hoje claramente aceito como… surrealista. A própria Denise Mattar refere-se a uma leitura de Breton cuja atenção, segundo ela, “recairá apenas sobre as obras de Manuel Alvarez Bravo e Frida Kahlo, que sempre recusarão o rótulo de surrealista”. Um dos poetas mais reconhecidamente ligados ao Surrealismo é o argentino Francisco Madariaga, morto recentemente. No entanto, na primeira edição da antologia de Baciu não está presente, tendo sido incluído na edição posterior à crítica de Paz, edição que traz collages de Ludwig Zeller.

Até aqui, o que poderíamos chamar apenas de descompasso. Ao compararmos versões de não tão inúmeros estudiosos do Surrealismo nos deparamos com um mesmo senso de desigualdades conceituais. Discute-se sempre a preponderância do aspecto moral sobre o estético. Contudo, em momento algum Salvador Dalí e Louis Aragon passam a ser nomes compreendidos como extra-surrealismo. O mesmo se pode dizer de Paul Éluard e Braulio Arenas e… francamente, uma grande lista de artistas e poetas que poderiam estar ligados ao que Octavio Paz chama de “afinidades momentâneas com a linguagem, as idéias e ainda os tiques da poesia surrealista”. Quem seria verdadeiramente surrealista? E penso aqui no próprio poeta mexicano, que foi igualmente um “surrealista tangencial”.

Parece que a confusão assume uma conotação intencional. Indaguemos, por exemplo, sobre a razão da antologia de Baciu se chamar Antología de la poesía surrealista latinoamericana, e não haver ali um único brasileiro. Já mencionei em parágrafo anterior o exemplo de Sérgio Lima, mas claro está que se poderia pensar em outros nomes. Diz Paz que “com base na confusão reinante, publicaram-se muitas teses doutorais, livrórios e livrecos sobre o surrealismo espanhol e hispano-americano”, concluindo que “esta atividade converteu-se em um ramo menor dessa indústria que chamamos crítica universitária”, ou seja, “uma maneira de ganhar bolsas, viagens e cátedras”. Também entre nós, brasileiros, se deu o mesmo. Cotejar teses a respeito é a melhor maneira de comprová-lo.

Por uma primeira vez no Brasil temos uma antologia da poesia surrealista na América Latina (Escrituras, São Paulo, 2002), e ali possivelmente chama a atenção a ausência dos poetas francófonos, ausência motivada pelo fato de que o livro busca acentuar as relações entre Brasil e América Hispânica - geralmente distorcidas, quando não de todo evitadas -, ali incluindo tanto os surrealistas dados como tais quanto os tangenciais Sánchez Peláez, Ludwig Zeller e Octavio Paz. Vale lembrar que este é nosso primeiro registro de uma mostra de poesia em torno do Surrealismo, inclusive destacando a presença brasileira, com a presença de dois poetas: Sérgio Lima e Roberto Piva.

Com a publicação deste livro me vem uma preocupação, a de que a leitura crítica remeta uma vez mais a um tardo-surrealismo já apontado por Wilson Martins e José Paulo Paes quando publiquei meu livro de entrevistas a poetas latino-americanos (Escritura conquistada, 1998). O livro - que incluía entrevistas com poetas tão distintos entre si quanto Enrique Gómez-Correa, Leónidas Lamborghini, Alfredo Silva Estrada, Ivan Junqueira, Gerardo Deniz, Sérgio Lima e José Kozer - não se definia por nenhuma corrente específica, mas antes discutia, com poetas de várias tendências, algumas perspectivas estéticas do século XX nas letras latino-americanas. No entanto, acabou por acentuar uma rejeição clássica a tudo o que fere preceitos em nossa cultura.

Algo marcante na trajetória político-cultural brasileira é a capacidade de se criar discursos paralelos que não se comunicam entre si. É bem possível que o problema esteja na raiz, segundo observação de Gilberto Mendonça Teles e Klaus Müller-Bergh (Vanguardia latinoamericana, Madrid, 1995), quando tratam das “marcas profundas do colonialismo” em nossa cultura e recordam: “Se a Espanha, já no século XVI, fundou universidades em alguns países (México e Peru), Portugal eliminou do Brasil qualquer pretensão de transformação cultural, com leis que proibiram fábricas, imprensa e estudos universitários, o mesmo acontecendo com a França em relação a Guadalupe, Martinica e Guiana Francesa”.

Comecemos anotando aqui algumas passagens deste mesmo livro, onde os autores observam que em alguns países latino-americanos a idéia de nacionalidade possuía um caráter “mais universalista”, ao contrário de “um nacionalismo estreito e ufanista”, como o que se verificava no Brasil. Essa vontade de “participar da cultura Ocidental”, além do próprio anseio de uma afirmação individual, decerto ambientou a eclosão de um sem-número de ismos entre nós, embora muitos deles pudessem ser seguramente inseridos no âmbito de um Futurismo ou de um Surrealismo. Como não há um estudo comparativo em torno dessas manifestações todas, ficamos sem saber quais relações possíveis existam entre si. E talvez haja mesmo um interesse nisto, pois assim se dilui a idéia de um influxo mais determinante em nossa cultura.

No caso específico do Surrealismo, vale lembrar aqui que Mendonça Teles e Müller-Bergh consideram sua presença em manifestos surgidos em Cuba, República Dominicana, Venezuela e Porto Rico, por exemplo, embora não tenha havido uma defesa explícita, nominalmente referida. Dizem estes autores que “em 1939, o grupo da Espuela de Plata, liderado por Lezama Lima, já expõe idéias surrealistas”, o que contrasta com uma recusa terminante de Octavio Paz em ver em Lezama Lima algum traço mínimo que seja de surrealismo. Por outro lado, os dois autores, quando tratam do Chile, observam que “a partir de 1927 a vanguarda chilena se repete, sem muita originalidade, notando-se mesmo a luta interna de grupos”, sugerindo aí a inclusão do grupo Mandrágora, surgido em 1938, em que mencionam um “intuito surrealizante” que nos leva de volta ao âmbito do tangencial.

Na verdade, o grupo Mandrágora era explicitamente surrealista e o próprio Octavio Paz considera que “a postura dos surrealistas chilenos foi exemplar”, pois “não somente tiveram que enfrentar os grupos conservadores e as milícias negras da Igreja Católica, mas também os stalinistas e Neruda”. Em meu Escrituras surrealistas (Fund. Memorial da América Latina, São Paulo, 1998) anotei que “Mandrágora é por muitos considerado o mais coerente, relevante e explosivo grupo surrealista em todo o mundo”, passagem que reproduzo aqui literalmente pelo fato da mesma haver sido repetida por Denise Mattar no ensaio “O surrealismo e o Novo Mundo” (catálogo exposição CCBB, 2001) sem a devida referência de autoria.

A propósito, uma semana antes da abertura desta mostra, a UNESP (Universidade do Estado de São Paulo) promovia em Araraquara (SP) um encontro de escritores e críticos ligados ao Surrealismo, incluindo participações mexicanas e estadunidenses. Neste caso, o curioso é que alguns convidados coincidiam, o que pode gerar uma indigesta leitura de caráter excludente, sobretudo quando o catálogo da exposição CCBB deixa de mencionar uma bibliografia a respeito do assunto. É o caso, por exemplo, de Robert Ponge, que esteve presente nos dois momentos, mas na conferência publicada no catálogo, que tem por título “Sobre a chegada e a expansão do surrealismo na América Latina”, evita as fontes brasileiras que antecedem seu estudo, o que não deixa de lhe dar certa conotação de originalidade.

Ponge, no entanto, acerta ao sugerir certas relações a serem consideradas no tocante a uma discussão mais ampla do influxo do Surrealismo na cultura americana como um todo, e refere-se ao estadunidense Jackson Pollock e aos vínculos entre o argentino Julio Llinás e o movimento Phases. Também se poderia pensar no brasileiro Antonio Bandeira, o que abriria um largo espaço para discussão em torno de um outro ismo, o abstracionismo, gerador de uma polêmica igualmente considerável, que inclui os mesmos componentes individuais e nacionalistas. Ponge também menciona uma perspectiva surrealista em Xavier Villaurrutia, contrastando com a recusa radical de Paz a ver nas letras mexicanas qualquer sinal do que considera “uma atitude vital, total - ética e estética -, que se expressou na ação e na participação”. É quando menos ingênuo - quando não de todo constitui má fé - desconsiderar relações entre artistas como Antonio Bandeira, Frida Kahlo, Malcolm de Chazal, Maurice Blanchard, dentre outros, e o Surrealismo, simplesmente por não terem sido militantes diretos.

Anterior a Robert Ponge, no Brasil havia se pronunciado sobre o Surrealismo na América Latina Jorge Schwartz (Vanguardas latino-americanas, São Paulo, 1995), e ali se consubstancia o estratégico interesse de Paz, quando afirma Schwartz que “foram as artes visuais, e não a literatura, as mais beneficiadas pelo influxo do surrealismo no México”, e que “a poesia surrealista propriamente dita somente surge com Octavio Paz na década de 50”. Estabelece-se aí uma confusão, tanto pela recusa posterior de Paz ao Surrealismo, quanto pela leitura da coleção da revista Contemporáneos (1929-1931), dirigida por um importante grupo de intelectuais de uma geração anterior à de Paz, de cujo ideário o Surrealismo fazia parte, claro que nas mesmas condições já aqui arroladas por Mendonça Teles e Müller-Bergh em relação a outros países.

Em outra passagem de seu livro, Schwartz sentencia que “o surrealismo argentino não teve continuidade como movimento, mas posteriormente arraigou-se, enquanto estilo poético, em autores da importância de Aldo Pellegrini, Olga Orozco e Enrique Molina, e, por fim, na geração posterior a Girondo e contemporânea ao surrealismo de Octavio Paz”. Além da confusão cronológica estabelecida - Girondo nasceu em 1891, Pellegrini em 1903, Molina em 1910 e Orozco em 1920, sendo Paz de 1914 -, o interessante é essa definição de um “surrealismo de Octavio Paz”. E anoto ainda duas outras pérolas de Schwartz: “assim como no resto da América Latina, o surrealismo chileno aparece de maneira tardia”, e “César Moro foi o único poeta verdadeira e assumidamente surrealista do continente”.

Retornamos assim ao começo de nossa busca de um entendimento, quase sempre confundida por uma desarticulação programática. Há uma propensão de cunho provinciano a multiplicar pólos isolados, desconexos entre si. O provincianismo hoje não é mais um aturdimento cultural, mas antes uma administração de recursos. Há uma posologia controlada da miséria humana. Michel Serres (Le contrat naturel, Paris, 1990) considera uma cumplicidade existente entre cientistas, administradores e jornalistas como ponto decisivo desse desmoronamento da humanidade, chamando a atenção para o ambiente em que lucubram seus achados, completamente isolados da realidade cotidiana. O abismo entre vida e cátedra esclarece umas tantas divergências. No entanto, Serres não considerou uma cumplicidade determinante desse processo, a própria classe artística.

Em entrevista que lhe fiz, Stefan Baciu estabeleceu uma equívoca distinção entre grupo e movimento: “na Espanha não existiu um movimento surrealista; existiu um grupo surrealista em Tenerife…”, ao mesmo tempo em que confundiu simpatia com visão crítica: ao contestar Augusto de Campos, quando este acusava o influxo do Surrealismo na América Hispânica de haver conduzido a “uma insuportável retórica metaforizante”, recorreu a “uma nova maneira de escrever” por ele chamada de “surrealizante”, mas recusou-se a aceitar um livro como Residencia en la tierra, de Pablo Neruda, como exemplo dessa equívoca perspectiva estética (Diário do Nordeste, Fortaleza, 31/01/88). Observe-se ainda que Baciu chegou a situar Tablada como precursor do Surrealismo no México, e nisto o próprio Paz dele discordou, ainda que cautelosamente (“O caso de Tablada é, talvez, duvidoso: pertence à história da vanguarda, mas à do surrealismo? A mesma dúvida sinto frente a Girondo: típico poeta de vanguarda, sua obra não é uma profecia, nem uma preparação do surrealismo.”).

Sem me estender muito no assunto, cabe uma digressão ilustrativa em torno de Girondo. No estudo que lhe dedica Enrique Molina, e que serviria de prólogo para a edição das Obras Completas (Losada, Buenos Aires, 1968), este poeta chega a mencionar a proximidade com Rimbaud no sentido oracular da linguagem, recorrendo à “exaltação encantatória dos poderes verbais”. Girondo esteve ligado a Pellegrini e Molina, de maneira que talvez caiba aproximá-lo do Surrealismo. Curioso é que a edição brasileira de En la masmédula (Iluminuras, São Paulo, 1995) não mencione no estudo introdutório, assinado pelo também tradutor, Régis Bonvicino, qualquer referência ao estudo de Molina ou a aproximações possíveis entre Girondo e Surrealismo. Trata-se, evidentemente, de uma articulação inconseqüente de delimitações estratégicas, o que fere por completo uma leitura mais aberta que se precisa fazer da história, até mesmo e sobretudo para se afirmar alguma posição de relevante consistência.

A revista Cult # 50 (setembro de 2001) publicou um valioso dossiê sobre o Surrealismo, com textos assinados por Simone Rossinneti Rufinoni, Eliane Robert Moraes, Claudio Willer e Contador Borges. No Brasil, este seria um terceiro momento, em um mesmo ano, de reflexão propiciada a respeito do assunto. Contudo, as bibliografias apresentadas contrastam entre si, o que nos ajuda a identificar um deslize algo ingênuo, de estabelecimento de surrealismos particulares. Repete-se o recorte já apontado por Serres - cientistas, administradores e jornalistas -, a contribuir para uma leitura distorcida da realidade. No caso brasileiro, é lícito mencionar o que escreveu Willer em ensaio para esta edição da Cult: “hoje, deve-se deslocar o foco da militância por vezes episódica para uma configuração de obras pautadas pela riqueza imagética e pelo exercício de liberdade de imaginação, cuja recepção é prejudicada pelo filtro de uma espécie de cartesianismo poético brasileiro”.

Há, na verdade, uma conivência em curso, possivelmente movida pela vaidade, pelo cansaço de não encontrar nunca espaço de referência ao que se faz, pelo desgaste emocional, mas sobretudo pelo oportunismo fraudulento de carreiristas que se apropriam de áreas em crise. Quando Paz diz que “a história espiritual da América Latina está ainda por ser escrita”, sabe muito bem que cria uma condicionante para que a mesma jamais venha a ser escrita de maneira correta. É o que se passa com o Surrealismo. Estamos escrevendo diversas histórias, cada uma recorrendo a fontes falhas, insuficientes orgânica ou intencionalmente, de maneira que o resultado será o mesmo da condição política e econômica da América Latina, a de uma desorientação programática, atendendo a interesses não propriamente do capital estrangeiro (embora este aja de maneira substancial e corrosiva) mas sobretudo de uma visão de mundo medíocre de uma casta intelectual sanguessuga que se perpetua no poder alheia à anulação de valores que propicia.