VISÃO DA IMAGEM NA POESIA DE LUDWIG ZELLER - EDUARDO ESPINA

A partir de Novalis o discurso poético tratou de resolver o problema da representação mediante um questionamento da imagem como experiência formal e reveladora. Com o romantismo alemão, que na verdade é a primeira atitude estética a desatar as inumeráveis possibilidades do delírio como instrumento de conhecimento e de acomodar o caos do indecifrável de acordo a outra ordem localizável nas antípodas da razão, a poesia aceita o risco de articular as múltiplas e contraditórias aparências do real em um espaço lingüístico onde a diversidade das coisas possíveis não fica reduzida a um signo literário que até esse momento havia encontrado sua satisfação na síntese e no virificável. Contudo, é recente com o surrealismo que o espetáculo do imaginário se faz autotélico, adentrando-se mais em seu íntimo espaço para vislumbrar a incerteza fenomenológica da natureza, a qual se esconde mas de outra maneira. Com o desenfado surrealista a construção da realidade é subvertida: não será obtida a partir de um regresso a si mesma (a mímese seria inadmissível) nem tampouco através de uma elaboração conceitual de tendência racional ou silogística. Melhor, a aproximação entre realidade e linguagem dar-se-á como encanto e dissolução, não do mundo, mas sim da imagem que deste sai e que a este regressa distinta. Assim pois, com o movimento que pôs em voga a fascinação do sonho e do casual, o mundo é visto como imaginação e desejo. Nesse lugar precisamente, onde texto e universo se identificam na mesma imagem sonora, na mesma quantidade de gozoso intercâmbio, situa-se a poesia de Ludwig Zeller, espaço de admoestação de uma letra que vê e que pode ser vista. O poema como invenção do universo: a imagem que o define e o sustenta não é material, já que não refere a uma especificidade objetiva mas sim a uma vivência sensorial e perceptível que não pode ser provada na realidade pela simples razão de que não necessita de provas ou confirmações para estabelecer sua congruência. Regresso ao primeira dia da criação: o olho não vê, imagina. O que permanece como enigma nesta lírica é o imaterial do perceptível. O fundo que se motiva é visionário: o signo poético não tem antes nem depois; é imagem que a si mesma se edifica. Como no místico ou no iluminado, o transbordamento do visual parte de um vazio a ser preenchido; um vazio não da existência mas sim do ver. O texto, na incandescência fenomenológica de seu dizer dispersivo, emite perguntas, interrogantes circulares: O que é o que se vê e para quem é o que se vê? Quais são as palavras e quais as imagens que lhes correspondem? Na poesia de Zeller o olhar tem linguagem e é protagonista da presença realizada da imagem como representação do irrepresentável; a linguagem expressa a continuidade de seus assombros e disparates para ver a realidade com os olhos das palavras. A escritura é um magnífico periscópio: "Dentro o fuera pensamiento o palabra imagen o acción / Sino una pura única fuente viva de llamas abriéndose / bajo la lengua el verbo cual látigo de estruendo y de dolor". As perguntas são intermitentes mas o texto sugere outra saída, não a do responder: "No preguntes. Escucha." A imagem agora se deixa ouvir: "Ouço mover os fios no alto vejo a luz mas não tenho pálpebras". O mundo é visto como uma unidade uníssona onde todas as coisas se cumprem. Ali se supera a antinomia entre o real e o imaginário para deixar emergir na linguagem uma identidade afirmativa que não distingue entre o subjetivo e o objetivo, entre o parcial e o definitivo, entre a representação mental e a percepção física. As associações analógicas não mostram sua procedência nem seu arbitrário destino: "E o verbo desce ao fundo do vulcão alimentos do sonho / Que mordeis a soluços sobre o rastro onde o caranguejo / Eremita empurra a pedra até o som final". Negação do pensamento cartesiano que condena a imaginação por participar da falsidade do conhecimento sensível; na lírica zelleriana a ambivalência e o engano são celebrados; no estado operatório da imaginação, o onírico (sonho), a alucinado (o verbo no vulcão) e o real ("a pedra até o som final") tem igual valor de conhecimento: uma continuidade desconhecida cujo cenário pode ser, como antecipava Gérard de Nerval, "certo neste mundo ou nos outros". Nesta poesia a revelação fenomenológica transforma em realidade o que imagina, tornando visível a existência de todos esses mundos, possíveis agora ou depois: "Outro mundo se superpõe ao vosso outras imagens / Às presentes e estamos nos metendo na água / Nossa memória é restringida a terra é gasta pelo sal". No breve mas intenso prólogo de Salvar la poesía quemar las naves, Alvaro Mutis diz que desde um princípio Zeller "buscou a imagem, disposta segundo a ordem sem regras de sua particular e intransferível teogonia, um apoio e uma corroboração, uma prova e um novo testemunho desde o canto oposto, do que em palavras dispôs como poema". Nessa "corroboração" da imagem oscila o objeto do conhecimento poético, o qual busca indiscriminadamente figurar uma estabilidade entre o real e o imaginário, uma solução de permanência. Não obstante, a imagem se mantém como presença infixa e caleidoscópica, rejeitando na figuração de suas diferentes máscaras a ilusão de segurança originada pela percepção atual. Na zona de vigília dos signos, no espelho transparente da página onde imaginação e desejo se superpõem, as coisas sonham seu ser completo e resistem à quietude ontológica experimentada pela razão como princípio definidor da realidade: "E aquele ser de mil olhos a parideira de imagens ensaie de novo / Esse canto esquecido de um sol tíbio corpo erguido em estrias / Pela espuma que mesmo sob a sombra nos seguirá sonhando". A lírica zelleriana cria deslocamentos na estrutura da realidade, nas formas onde esta se exibe, ameaçando com sua prática dissolvente as várias armadilhas da percepção, o que pretende duplicar a semelhança das coisas, detidas para ser descobertas na ilusão do universo. Portanto, a reconstituição do ser da realidade acontece como tarefa imaginária que na pulsão do desejo aniquila de maneira definitiva a credibilidade do real. Na imagem que se concede como essencial diversidade, toda tentativa de unidade é pulverizada: "As folhas da realidade e das mil realidades simultâneas / Uníssonas como um uivo ou uma labareda interminável / Aquele ruído de agulhas esse silvo de caldeiras a ponto de estalar". A imagem, simultaneidade de realidades, é um ato e um destino que permite realizar a vontade de uma consciência alucinada (ou seja, lúcida), onde a atividade do signo poético origina espaços substitutivos da origem: invenção de uma utopia que somente a "Palavra" satisfaz: "Sobre a grande espera de remotas idades sinto chover / Onde cresce a estrela chagual a cinerária ardente / O verso de mil veias cortado e no talho a Palavra". A palavra cobiça em suas dobras de significância a esperança de uma prática visionária que torna o poeta partícipe de uma vivência excêntrica que bem poderia ser aquele "me pensam" de Rimbaud, facilitando sua coincidência com os excessos da realidade, ali onde se revela a atividade da natureza como algo completamente assistemático, espontâneo, diferente, mas substituível na complexidade de um pensamento cuja revelação é também imaginária. Nesta faculdade libertadora pactua-se a relação de aproximação entre duas ou mais realidades antípodas que, ao fundirem-se como expressão distinta de um mesmo texto, invertem seu sentido, desrealizam-se, ou melhor dizendo, surrealizam-se. Como assinala Ferdinand Alquié, "a imaginação surrealista rejeita o dado e o desrealiza; na vida cotidiana, o desejo escolhe o que lhe satisfaz, e ao haver roto os marcos lógicos de percepção permite-se todas as aproximações, que constituem um manancial de esclarecimentos". Na lírica de Zeller a imagem não é uma substituição ou uma comparação, mas sim uma presença, uma figura viva de encantamento. É a origem e a invenção de uma substância formal: não a continuidade de algo mas sim seu melhor começo (sua origem reencontrada) pois seu fulgor e seu desenho no texto propiciam outros modos de participação nas múltiplas máscaras da representação. Aqui, o lugar do visionário, ou seja, da sustentação da imagem como existência e não como intermediária de algo, converte-se na diferenciação de um mundo constituído com seus leis implícitas e com sua própria linguagem, que não necessita de referentes para confirmar sua existência: "Cantárida cujo corpo invisível se desdobra / No mármore de planícies sem fim essas cascatas / Lábios que se abrem que reptem uma imagem eterna". A satisfação do visual deixa sair à luz a afetividade das coisas, enquanto facilita o arroubamento e a suscetibilidade destas. A palavra revela a interioridade do visível, daquilo que está dentro mas que se mostra como material sensível do mundo empírico. A gratuidade das formas é questionada para dar razão de ser à consciência das coisas, a que se apresenta como esperança absoluta do material e como continuidade de algo existente mas indefinível. Isto inclui a presença do "outro" e de "o outro", não verificado mais intuído no processo de alteração como "promessa instantânea de não se sabe qual promessa". Essa "promessa", que bem poderia ser a confirmação da essência na existência, trespassa na escritura dos limites da contemplação para situar-se no território do puro enigma, daquilo concebido como algo que não tem nem princípio nem fim: "Interroga os limites do desejo primeiro essa arcaica paixão / Da Água por ser Fogo do Ar revolvendo-se para formar / em Terra o vendaval eterno sem princípio nem fim". A imagem, paradoxalmente, não tem forma: é conhecimento dessa atividade maravilhosa (o ato do poema) que consegue representar uma figura inexplicável. Desta maneira, a escritura zelleriana converte-se em abolição do inefável; o mundo é uma grande dúvida: criado a partir das palavras e não antes destas. Escrevo, logo imagino; imagino, logo (depois) penso. Por sua vez, a torrente sonora e visual da discursividade aniquila a solidez lógica das coisas existentes para dar livre curso a uma infinidade de possibilidades e novas relações contidas na quantidade enunciada que serve para recobrar a versão definitiva (ou total) dessa "iluminação sistemática" ansiada pelos surrealistas. Incluída em seu melhor recinto (na arborescência do poema) a realidade se desprende de suas dúvidas: sua imagem, como recuperação da unidade perdida entre o subjetivo e o objetivo, é a medida de todas as possíveis versões do mundo. É o ser disfarçando-se nas coisas e estas confirmando em sua imagem a validez de uma linguagem imaterial: "Agora não sei se ao escrever ressoa um eco no tambor distante / A mesma letra, o nome ou se ao falar só repito enigmas / Em um sonho. Espojo-me na cama talvez outro indague ali". A poesia de Zeller translada a ferida fenomenológica da representação ao universo improvável de uma discursividade que rejeita a possibilidade de definição. Assinala Mutis que com Zeller "não há meias soluções: o que não é poesia está condenando sem remédio, pertence ao impreciso mundo do nada". A significação vai para tudo, por mais que seja o nada (a possibilidade infinita) que o represente: "Agora estavam diante de si, no medo de tocar o impossível". A utopia de impossibilidade é superada na imagem e em sua vibração de continuidade, o que resulta ser a única esperança ontológica, não somente de conhecimento do real imediato mas também se libertação deste e de toda suspeita de imanência. A oportunidade platônica que a palavra leva em conta não ignora a aparência fundamental da realidade, por mais que isto poderia supor um pressentimento de ontologia que não chega a converter-se em ontologia, da maneira como esforçou Kant por demonstrá-lo. Contudo, como se viu nos exemplos precedentes, a reconciliação com o descobrimento das coisas leva a um estado revelador de possessão da realidade, onde a natureza do visual é absoluta, como se a imposição de uma beleza inaudita desse razão ao que é visto sem necessidade de investigações complementares. No olho acontece tanto a totalidade do universo como sua ausência; o ser e sua sombra, o espelho e o que o vê: "Mas ganho nas chamas a pupila / Com que posso ver ali no fundo como alguém corre / Dissipa-se, foge na sombra, é nada…". Sugere Alquié que "a beleza surrealista é o imaginário mesmo", rejeitando que "seja relacionada com outra coisa que não seja ela mesma e superando-se até um fim que a transcenda". Enquanto reconhecimento de sua autonomia estética e ontológica, a poesia de Zeller soma à sua individualidade a celebração surrealista da beleza como objeto de conhecimento. Na lírica a consideração, a beleza em quanto abertura da imaginação até sua própria prática de independência assertiva e formal, é o próprio conhecimento. O mundo como problema e como símbolo é a complacência estética (a beleza como signo) de uma fascinante paisagem que em sua hermética conspiração põe o leitor ou o ouvinte em um estado consternador, por não saber o que ou quem é o que vê, nem sequer adivinhar se aquilo tido como atual existe ou se é parte de uma treta imaginária: "E alcançar além da pele que arde aquela lente / Com a qual se pode ver o inapreensível". Desta maneira, para Zeller a poesia é o cumprimento da beleza como descobrimento de seu próprio ser: lugar ideal de todas as analogias onde a palavra, enquanto signo de uma existência que assumiu as espreitas e recompensas da desesperação, supera todas as suas limitações, já semânticas como ideais: "Tantas vezes ao fazer um poema, ao enganchar / Palavra com palavra, imagem com imagem, tornei a desgarrar / Os negros numerais que aprisionam o homem que vive em mim". A palavra não se refere a uma imagem, mas sim cria a sua própria. Talvez nisto se encontre parte da dissensão de Zeller a respeito do surrealismo tradicional; a imagem visual tem predominância sobre a substância verbal: "Hoje vêm os fantasmas e na mesa que gira / Vejo crescer as flores sob o pranto sedento / Do olho que no centro do prato está olhando". A expansão dos poderes enunciativos dessa beleza absoluta (não porque se acabe em si mesma mas sim porque é conhecimento) não provêm de preocupações retóricas ou gramaticais autocomplacentes que poderiam levar a um perigoso solipsismo formal. Ao contrário, o enriquecimento da linguagem parte de uma proliferação na sustentação retórica e na dinâmica mutante do que se mostra como visão insatisfeita. Como em suas collages, a imagem nunca está sozinha na lírica de Zeller; sempre há algo por trás dela: seu próprio eu, seus outros seres ou talvez sua outridade, a capacidade de ser o mesmo ou inclusive de negar-se para começar de novo: "Mordidas, fatiadas as imagens, para saber / De onde, para onde estamos, de alto a baixo / Abro-as como se fossem portas". A escritura deixa ouvir sua voz no silêncio suspeito da imagem, na entropia resolvida como "ritmo cromático". A "penetração do mundo pela via oculta" e "a criptestesia lírica dos baixos fundos" que promovia Breton como objetivos principais de toda verdadeira prática estética, atualizavam-se na exploração da imensa gama de possibilidades combinatórias e de invenção que a imagem objeto (a que permite realizar o visual e o sonoro ao mesmo tempo) promove como exigência privilegiada de iluminação. Os jogos combinatórios do texto mediante a cumplicidade do desejo, além de salvar o futuro da imagem e de afirmar a consciência da beleza que constrói a autenticidade e os instantes supremos do conhecimento, deixam sair boiando o verdadeiro destino da realidade, a qual alcança sua plenitude, seu momento de compreensão infinita no correlato da linguagem: "De escutar com os olhos até sangrar de insônia / E ver a imagem única, ritual do labirinto / Onde Deus prova seus novos corpos". Além de mostrar-se na nudez de sua consciência, a imagem fala consigo mesma ara deixar ouvir em sua voz (ou "de escutar com os olhos") o sentimento das coisas tal como se vêem e se apresentam à luz do imediato. Assim então, o cenário do poema inaugura a nova imagem da natureza: como presença autotélica da imaginação. A emoção física dos objetos sai do campo do definível em termos lógicos; as coisas retornam à sua dispersão original; são e não ao mesmo tempo, seduzindo com seu "ritmo cromático" a vigília do poeta: "E sulcamos um túnel e outro e outro, onde a cada passo ¿ Vejo somente estações de minha mente, fragmentos que vivi / Corpos nos quais fui somente a alma". A realidade, a ordem aparente da natureza, perde todo sentido de objetividade. Melhor dizendo, sua universalidade é subjetiva. A disposição das coisas alcançará sua mais exata lucidez na espaço percorrido pela escritura, ali onde se compre completamente a asserção surrealista: "o mais admirável do fantástico é que o fantástico não existe; tudo é real". A "admirável" realidade (e por isso a única autêntica) é a poética; a que permite a perfeita união da palavra com a imagem. Não há tal rompimento; a realidade do poema é absoluta. A disponibilidade para o encantamento provém de uma aparência superada: dialética que no ato da contemplação devém unidade iluminada. O objeto não se converte em coisa, mas sim em imagem determinada pela linguagem e pela sugestiva transformação nesta. Como se tem insistido, a imagem, dada a seu destino de discursividade proliferante no poema, desrealiza o real para sustentar-se unicamente por sua condição de existência em trânsito até outra realidade, apenas intuída como algo interminável, "tão real como o passo da sombra sobre o coração". Esse percurso até a "divindade adivinhada" que os surrealistas punham como fundamental aspiração do artista moderno, apresenta-se na poesia de Zeller como recurso de crítica da realidade experimentada como reconhecível. A imagem duvida de seu lugar no mundo: mais do que alívio para a razão é um questionamento de sua eficácia; mais do que certeza confirmada é interrogação que busca seu descobrimento. Porém, à diferença do surrealismo tradicional, que celebrava a condição arbitrária da imagem, aqui a paisagem visual é produto de uma prática intencional que apesar de questionar a possibilidade de compreensão, apresenta signos de uma vontade demiúrgica que faz da voz do poeta algo definitivo: "Deveria ser eu a decidir se poderiam passar para o outro lado / Ou ditar sua sentença? / - Tu és o implacável, disseram-me". O cenário onde a poesia deixa entrever os traços de sua gestualidade é também implacável como a vontade de seu fazedor, pois o deciframento da palavra tem a intenção de exumar o impossível (aquele que rejeita o "dizível") para ocultá-lo em uma ordem simbólica que se desvia de seus referentes. Por isso mesmo é que na lírica de Zeller se reitera um transbordamento do visual que leva a uma anunciação iluminadora, a qual tem um fundo empírico e um caráter analógico, pois confirma uma presença absoluta que é reversível e que permite ultrapassar a imanência ontológica das coisas: "Vibras tu, dura forma, friz mudez, silêncio, / Ou és tão-somente pedra onde canso o sangue? / Velo na noite, só; te ouço chorar". A imagem, a "dura forma" em "silêncio" (mas viva e capaz de manifestar sentimentos) não se reduz ao princípio da forma que em aparência a define, mas sim que outorga um sentido transcendente à idéia dos objetos, convertendo em irrisória a distância entre a imagem e seu referente, entre a consciência fenomênica e a consciência idealista que distingue a figura representada do universo. Tudo parece (e a aparência é virtude definidora do real) estar incluído no labirinto da linguagem, inclusive a duvidosa identidade das coisas e a imagem formal que, ao apresentá-las, corrompe-as, eliminando, ao provocar a aproximação entre o desejo e sua representação, o drama de subordinação ontológica produto do conhecimento racional. A imagem, portanto, reconcilia o mundo com a linguagem. Daí que se possa dizer que na poesia de Zeller a palavra concretiza a representação impossível da imagem, definindo a identidade comovida de um ser que imagina a reconstrói as marcas da origem, para terminar indagando-se em irritada instabilidade, "Eu sou eu?", "Quem és tu?", "Onde está tua imagem?", "Quem está ali?", "Estamos aqui prisioneiros do acaso?", "São somente brasas que fumegam as palavras?", "Se tudo era ilusão, o que estamos vendo?". Ao questionar a autenticidade da realidade, a escritura indaga a si mesma. A poesia, outra vez, é o lugar instável onde o poeta, ao ver, escreve, e, ao escrever, tenta romper os laços satisfeitos do conhecimento. Escreve e imagina para conhecer, por mais que as respostas estejam em tudo e em nada: como a própria natureza, a palavra também se esconde em suas incontáveis imagens. Inclusive o lugar da origem e do presente é desconhecido. Não em vão, a pergunta que aspira à mais importante das certezas fenomenológicas, repete em reiterados poemas: "Onde estamos?", interroga o poeta à sua escritura em vários textos correspondentes a distintas etapas cronológicas que vão de 1964 ao presente. Sem nenhuma variante, a pergunta aparece nos poemas": "A Aloyse" (em A Aloyse, 1964), "Un paciente increíble" (Las reglas del juego, 1968), "Cuando el animal de fondo sube la cabeza estalla" (em Cuando el animal de fondo sube la cabeza estalla, 1976), "Sobre las ascuas soplo" (em Ejercicios para la tercera mano, 1983), "Com vidrios en la almohada" y "Muñeca de cantáridas" (em La cabeza de mármol, 1984). A carência de um sentido unficante não implica um vazio na significação, mas sim uma multiplicidade desta que conduz a um jogo de perspectiva e que estabelece uma indiferenciação entre o sujeito e as coisas, entre o fazedor e os objetos que o espreitam. Em definitivo, muito além do fulgor de uma linguagem abandonada ao capricho de seu destino, toda resposta definitiva ficará ausente. A imagem, enquanto aventura nos arredores do conhecimentos, celebra sem interrupções a vigência de sua espontaneidade. O demais será aparência, desafio da compreensão. Desta maneira, a poesia de Zeller irrompe na exigência de estabilidade da natureza constituindo o mais desmesurado exagero das coisas, as quais de agora em diante mostrar-se-ão apenas para ocultar-se: versão iconoclasta do que são. Ao criar uma fissura no mistério inefável da realidade, a escritura deixa-se tentar pelo visionário para tornar-se presença improvável e resistir aos enganos da representação. Em seu desafio da certeza origina-se a imaginária ilusão de uma beleza epistêmica e subversiva.