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A REVOLUÇÃO SURREALISTA ANTES E SEMPRE
(APESAR DOS CADÁVERES)
Eclair Antonio Almeida Filho

Aquilo que pode nos ter separado é
muito menos importante
do que aquilo que nos reuniu
.
André Breton

Desde suas primeiras experiências coletivas, o Surrealismo foi marcado tanto por experimentações das variadas nos campos da linguagem, quanto por encontros, crises, rupturas e adesões. Neste artigo, veremos o percurso do Surrealismo desde as suas primeiras práticas e manifestações até a crise de 1929, com os ataques recíprocos entre André Breton e ex-membros, expostos no Segundo Manifesto do Surrealismo e no panfleto “Un cadavre” contra Breton.

Vale lembrar que, em 1916, André Breton havia conhecido Jacques Vaché, um surrealista antes mesmo de o termo “surrealismo” ser criado. Em 1919, aos 23 anos, Vaché se suicida depois de tomar uma dose excessiva de ópio, deixando como legado literário suas Cartas de Guerra , publicadas em Littérature , as quais deram a Breton a noção corrosiva e subversiva do “Umour” (Humour, humor, grafado sem H).

De 1919 a 1924, depois de cinco anos de atividades intensas e sem interrupção, eis algumas das ações surrealistas: a publicação de relatos de sonhos, poemas, manifestos na Revista Littérature (1919-1924), a instituição de um tribunal para julgar o escritor Maurice Barrès sob a acusação de traição, além das sempre conturbadas manifestações públicas. Em 1920, Breton e Philippe Soupault publicam Les Champs magnétiques , com as experiências textuais que revelariam, mais tarde, para Breton o funcionamento da escritura automática.

Em 1923, Robert Desnos junta-se a Breton e sua turma, recém rompidos com o Dadaísmo, e demonstra desde já uma grande facilidade para “pegar no sono” a fim de ditar o discurso do inconsciente. Nesse mesmo ano, Desnos publica em Littérature seus relatos de sonho e, com Marcel Duchamp, os textos de Rose Sélavy , que se parecem, antes, com uma série de jogos de palavras extremamente trabalhados num laboratório verbal do que com livres manifestações do inconsciente.

Foi, em 1922, ao romper com Tristan Tzara e o Dadaísmo que André Breton, Philippe Soupault, Paul Éluard e Louis Aragon começaram a criar as bases para o surrealismo, expostas no Primeiro Manifesto Surrealista (1924). Conforme Breton, em suas entrevistas publicadas em 1960, marcam, essencialmente, tais experiências a escritura automática e as induções ao sono por meio de hipnose:

Quand paraît le premier manifeste, soit en 1924, il a derrière lui cinq années d'activité expérimentale ininterrompue entraînant un nombre et une variété appréciables de participants. Il faut dire que, même à distance, ces deux champs de prospection, l'écriture automatique et les apports du sommeil hypnotique sont aussi difficiles à circonscrire l'un que l'autre; (BRETON, 1960, p. 77)

No Primeiro Manifesto , tais experiências se apresentam nos relatos de sonhos, na busca pelo maravilhoso. Os surrealistas mergulham no mais profundo do inconsciente, do sonho e da imaginação livre para lá verem “o funcionamento real do pensamento”. Breton, este sonhador definitivo, propõe, como nos diz Maurice Blanchot, a exploração do não-manifesto, ou seja, do maravilhoso num mergulho entre “La vie éveillée” (a vida acordada) e “la vie de rêve” (a vida de sonho).

Para o autor de Nadja , a busca pelo maravilhoso é uma violenta reação contra o empobrecimento e a esterilidade dos modos de pensar resultantes de séculos de racionalismo. No Primeiro Manifesto , Breton aproxima o maravilhoso do belo: “Le merveilleux est toujours beau, n'importe quel merveilleux est beau, il n'y a même le merveilleux qui soit beau.”(BRETON, 1960, p. 80). É na surrealidade ( surréalité ) que André Breton e seus companheiros procuram o ponto onde todas as contradições e oposições deixam de existir. De acordo com Gaëton Picon, a surrealidade é “réalité et rêve, esprit et monde: au delà de toutes les antinomies et de toutes les séparations, il est totalité parce qu'il est surrationalité” (In Picon, 1954, p. 227). Para se atingir a surrealidade, deve-se, segundo Breton, “reescrever os direitos do homem”, buscar “a liberação total do homem”, a qual pressupõe um desregramento de todos os sentidos (“déréglèment total des sens”).

No fim de 1924, por ocasião das homenagens, na França, a Anatole France, récem-falecido, Breton institui, dessa feita, um tribunal para julgá-lo, pois os surrealistas o consideravam como um defensor da burguesia e de idéias como as de Família, Propriedade, Religião e Estado. Além do julgamento, Breton publica um panfleto contra Anatole France: “Un cadavre”. Nele, Breton participa com o texto “Refus de inhumer” (Recusa de sepultar, inumar ou enterrar), cujo título mostra que os surrealistas recusam-se a participar dos funerais de Anatole France.

Além de France, Breton dirige seus ataques contra Pierre Loti e Maurice Barrès:

(Pierre) Loti, (Maurice) Barrès, (Anatole) France, marquons tout de même d'un beau signe blanc l'année qui coucha ces trois bonhommes: l'idiot, le traître, le policier. Ayons, je ne m'y oppose pas, pour le troisième un mot de mépris particulier. Avec France, c'est un peu de la servilité humaine qui s'en va. (In Courrière, 1999, p. 107).

Os signatários do panfleto se despedem de seus leitores alertando que estariam de volta no próximo cadáver nacional: “À la prochaine occasion il y aura un nouveau cadavre” (In Courrière, 1999, p. 107).

A partir de 1925, com o lançamento da Revista La Révolution Surréaliste , os surrealistas passam a se interessar por questões políticas e filosóficas ligadas ao Marxismo e ao Partido Comunista. Intensificam-se suas atividades políticas. Cria-se o “Bureau des recherches surréalistes”. O surrealismo passa a unir poesia e ação revolucionária para “transformer le monde” e “changer la vie”, aliás proposições respectivamente retomadas de Karl Marx e Arthur Rimbaud.

Ao ser questionado por André Parinaud sobre se as dificuldades que teria encontrado, entre 1926 e 1929, ao tentar levar à frente ao mesmo tempo a atividade interior (surrealista) e a atividade exterior (política) não teriam de certa maneira paralisado os meios surrealistas de expressão, André Breton responde que, ao contrário, esse foi um dos períodos mais produtivos do Surrealismo tanto no plano da linguagem verbal quanto no plano plástico. Para confirmar sua afirmação, Breton enumera as importantes obras surrealistas escritas nesse período:

Aragon publie le Paysan de Paris et Traité du Style, Artaud le Pèse-nerfs, Crevel L'Esprit contre la raison, Desnos Deuil pour Deuil et La liberté où l'amour, Éluard Capitale de la douleur et L'amour la Poésie, Ernst La femme 100 têtes, Péret Le grand jeu, moi même Nadja, et Le surréalisme et la peinture. (BRETON, 1960, p. 134)

Em relação ao plano plástico, Breton observa a contribuição no campo da invenção que artistas como Arp, Ernst, Masson, Miró, Man Ray, Tanguy, - e de seu lado Picasso operaram. (BRETON, 1952, p. 134)

Para se formar uma literatura crítica do Surrealismo, que aliasse poesia e ação, além dos lançamentos do Primeiro Manifesto e da Revista Révolution Surréaliste , de acordo com Breton, outras 5 (cinco) etapas contribuíram decisivamente para tal, a saber:

- a publicação do trato “La révolution surréaliste d'abord et toujours” (1925), que serviu de prelúdio para a tentativa de formação de um intergrupo com a participação do grupo surrealista, dos membros mais ativos da Revista Clarté , do folheto belga Correspondance e da revista Philosophies , de maneira a unificar tanto quanto possível seu vocabulário;

- a tentativa “abortada” de se criar, para esse intergrupo, uma revista, a qual se chamaria La guerre civile ;

- a publicação de Légitime défense (1926), de André Breton;

- a publicação em 1927 de Au grand jour , uma coletânea de cartas endereçadas por André Breton, Louis Aragon, Paul Éluard, Pierre Unik e Benjamin Péret tanto aos comunistas quanto a membros do Surrealismo;

- e a assinatura, em 1929, por André Breton e Louis Aragon, do texto “À suivre, petite contribution au dossier de certains intellectuels à tendance révolutionnaire”, que seria como uma obra que desataria as questões levantadas nos quatro textos supra-relacionados. (Breton, 1960, p.120-121)

Embora as atividades do grupo desenvolvam-se, nesse período de 1926 a 1929, de maneira muito intensa e produtiva para uma união entre poesia e ação revolucionária, já começavam a se esboçar os fatores que levariam o grupo à sua mais grave crise, a de 1929, exposta por Breton no seu Segundo Manifesto do Surrealismo , publicado no último número da Révolution Surréaliste , em novembro de 1929. Em 1929, o movimento fora sacudido por uma crise, provocada por desarcordos sobre o sentido de sua adesão ao marxismo, questão levantada desde 1926, a pedido de Pierre Naville, e resolvida através de suas vicissitudes.

Insatisfeito com membros que não queriam tomar partido na ação revolucionária nem se preocupavam com problemas concretos, Breton expulsa do grupo fundadores do movimento como Philippe Soupault, por causa de sua orientação excessivamente literária; Robert Desnos, que havia ido para o Jornalismo e só se interessava pela escritura automática; Antonin Artaud, que, além de protestar contra as preocupações políticas do Surrealismo, em À la grande nuit (1927), queria, nas palavras de Breton, “par ostentation faire répresenter devant l'Ambassade de Suède, Le Songe , de Strindberg”. (Duplessis, 1953, p. 16) Em 1928, Pierre Naville deixa a direção da Revista Révolution Surréaliste , que passa para as mãos de Breton.

Entre outras causas da crise, cite-se a não-aceitação por parte de Breton da entrada no surrealismo do grupo da revista Grand Jeu , que encara o Surrealismo, na via aberta por Rimbaud, sob seu “aspect ésotérique et mystique”. Argumenta Breton que não se trata mais de “s'évader dans un monde supra-terrestre”, mas sim de fazer “faire oeuvre positive ici-bas” (In Duplessis, 1953, p. 17). Nessa época, os “puros representantes do Surrealismo” seriam, além de Breton, Louis Aragon, Paul Éluard e Pierre Unik.

Em 1929, no último número da Révolution Surréaliste , André Breton publica o Second manifeste du Surréalisme , no qual denuncia e ataca ferozmente dissidentes do Surrealismo e apresenta sua posição política favorável ao materialismo histórico. Se, no Primeiro Manifesto , Breton invoca a Psicanálise para buscar a liberação total do homem através de experiências como o sono induzido, o relato de sonhos, a escritura automática, no momento em que escreve o Segundo Manifesto , ele recorre ao materialismo dialético a fim de fazer a Revolução. Leitor de Hegel, Breton procura um ponto onde as contradições cessem de existir, num fenômeno de suspensão, expresso pelo conceito hegeliano de Aufhebung. Assim, conforme Breton,

Tout porte à croire qu'il existe un certain point de l'esprit d'où la vie et la mort, le réel et l'imaginaire, le passé et le futur, le communicable et l'incommunicable, le haut et le bas cessent d'être perçus contradictoirement. Or, c'est en vain qu'on chercherait à l'activité surréaliste un autre mobile que l'espoir de détermination de ce point. (Breton, 1996, p. 72-73)

Para atingir esse ponto, os surrealistas deveriam partir, com suas próprias armas, adquiridas em seus anos de prática e de experiências, para a revolta e a Revolução, fazendo dogma da insubmissão total. Deve-se “ruiner les idées de famille, de patrie, de religion” (Breton, 1996, p. 77). Assim, Breton prega que não se deve mais adorar aqueles escritores e artistas “ancestrais”, aliás citados como surréalistas no Primeiro manifesto . Diz que “en matière de révolte aucun de nous ne doit avoir besoin d'ancêtres” (Breton, 1996, p. 76). Compreensivelmente, em seu ataque aos ancestrais, no qual Breton se dirige “contre Sade, Rimbaud, Lenine, Baudelaire, Poe ( Crachons sur Poe)”, o líder do surrealismo excetua Lautréamont (Breton, 1996, p. 76). Tal atitude se justifica pelo fato de que, além da manifesta revolta contra a sociedade que Lautréamont empreende em seus Cantos de Maldoror, é extremamente surpreendente a semelhança de estilos de ataques pessoais entre o texto “Gémissements poétiques”, de Lautréamont, e o Segundo Manifesto .

Além dos ancestrais, entram na lista do ajuste de contas de Breton ex-membros do surrealismo, como Pierre Naville, Phillippe Soupault, Antonin Artaud, Roger Vitrac, Robert Desnos, Georges Ribemont-Dessaignes, os membros da revista Grand jeu , e um escritor que não fazia parte do Surrealismo: Georges Bataille. Ex-membros como Jacques Prévert e Raymond Queneau não são mencionados.

Em 15 de janeiro de 1930, a resposta a Breton dos dissidentes atacados no Segundo Manifesto vem sob a forma do panfleto “Un cadavre”, que retoma o título e o formato do “Cadavre” contra Anatole France em 1924. No alto da imensa fotografia representando Breton de olhos fechados, uma lágrima de sangue no canto das pálpebras, a fronte cingida por uma coroa de espinhos. Tal idéia de representar Breton como Jesus Crucificado teria partido de Desnos, que a justifica com termos místicos: no momento em que se lança o panfleto, Breton ainda tem 33 (trinta e três) anos, idade em que Cristo foi morto e crucificado. Como epígrafe, o panfleto traz a conclusão do outro “cadavre”: “il ne faut pas que cet homme fasse de la poussière”.

12 (doze) são seus signatários: Jacques Prévert, Raymond Queneau, Georges Ribemont–Dessaignes, Roger Vitrac, Michel Leiris, Georges Limbour, J. –A. Boiffard, Robert Desnos, Max Morise, Georges Bataille, Jacques Baron, Alejo Carpentier. No entanto, Pierre Naville, que havia saído em 1928 do movimento, deixando para Breton a direção da revista Révolution Surréaliste , embora convidado, julgou inoportuno aliar-se aos opositores. De acordo com Maurice Nadeau, os participantes do “cadavre” de 1930 pertencem a diversas correntes:

um ex-dadaísta, Ribemont-Dessaignes; um ex-surrealista, Vitrac, expulso há muito tempo, Limbour, afastado dos escândalos e da agitação surrealista, graças a seu temperamento, Morise, ex-fiel seguidor e executor de Breton, Jacques Baron, Michel Leiris, Raymond Queneau, J.–A. Boiffard, Robert Desnos, Jacques Prévert, e um homem que jamais pertencera ao grupo mas que fora particularmente maltratado por Breton, Georges Bataille . (Nadeau, 197, p. 125)

De certa maneira, os signatários de “Un cadavre” não atacam o movimento surrealista; elegem como alvo exclusivo Breton, já denominado de “papa do surrealismo”. Flic (tira, policial) e curé (cura, pároco) são os adjetivos mais freqüentes, os quais visam a relacionar Breton com instituições que ele próprio declarara combater em seus Manifestos. Ainda, acusam-no “d'hypocrisie, d'esprit dictatorial et religieux, de radicalisme de salon, etc” (In Queneau, 2002, p. 66) e de traidor de seus amigos e de seus ideais. A seguir, citamos alguns desses ataques:

“Cura: “O irmão Breton que prepara o padre ao molho de mostarda só fala de cátedra” (Ribemont-Dessaignes); “Tive um amigo sincero” (supostamente é Breton quem fala), Robert Desnos. “Eu o enganei, menti-lhe, dei-lhe falsamente minha palavra de honra” (Robert Desnos): “Ele trapaceou, em larga escala, com a amizade”(Vitrac). […] (In Nadeau, 1985, p. 125).

No texto DÉDÉ, de Raymond Queneau, repetem-se 4 (quatro) vezes o verso “Le doigt dans le trou du cul” (o dedo no buraco do cu), finalizando com uma espécie de moralidade a fim de lembrar a moralidade de Breton, e que, onde há regras, constrangimentos, não há humor (o “umor” que Breton dizia ter herdado de Jacques Vaché):

MORALITÉ

Non ! Non ! la poésie n'est pas morte !

Les chants désespérés sont toujours les plus

Beaux et ousqu'y a de la gêne y a pas d'humour

Pour les petits oiseaux . (In Queneau, 2002, p. 67)

Em “Mort d'un Monsieur”, de Jacques Prévert, num estilo e no humor que caracterizarão seus poemas, Prévert começa lamentando o desaparecimento daquele que o fazia rir: “Hélas, je ne reverrai plus l'illustre Palotin du Monde Occidental, celui qui me faisait rire!. (Prévert, 1996, p. 444). Depois, Prévert ataca os relatos de sonhos de Breton, dizendo que um dia num sonho, após se olhar seriamente (ou seja, sem humor) no espelho, ele se achou belo. Para Prévert, foi o fim de Breton, que passou a confundir “le désespoir et le mal de foie, la Bible et les Chants de Maldoror, Dieu et Dieu, l'encre et le foutre, [. . .] la Révolution Russe et la Révolution Surréaliste. (Encore....et toujours la plus scandaleuse du monde) (Prévert, 1996, p. 443).

Afirma Prévert que, às vezes, Breton colocava sua toga de juiz e praticava a Moral e a Crítica de Arte, sem, no entanto, conseguir esconder as cicatrizes que o bigodudo das finanças (Dali) havia lhe deixado: “il mettait parfois sa toque de juge par-dessus son képi, et faisait de la Morale ou de la critique d'art, mais il cachait difficilement les cicatrices que lui avait laissées le croc à phynances de la peinture moderne.” (Prévert, 1996, p. 444)

Por fim, Prévert se lamenta novamente pela morte do controlador do Palácio das Miragens, o furador de bilhetes, o grande Inquisitor, o Deroulède do Sonho: “Hélas, le contrôleur du Palais des Mirages, le perceur de tickets, le gros Inquisiteur, le Déroulède du Rêve n'est plus”, pedindo que não se fale dele: “n'en parlons plus”. (Prévert, 1996, p. 444)

Como contra-ataque aos signatários de “Un cadavre”, Louis Aragon diz que a entrada de novos elementos (René Char, Salvador Dali, Luis Buñuel) no Surrealismo compensou muito bem a saída de “tant de velléitaires confus et de littérateurs décidés.” (Ségalat, 1968, p. 124)

No Paris-Midi , Pierre Lazareff, ao evocar o escândalo entre os surrealistas e os signatários de “Un cadavre”, chega a pressupor que o surrealismo, como escola filosófica e literária, teria acabado:

Déjà les bibliofiles s'arrachent Un cadavre... C'est la fin d'une école littéraire et philosophique qui, quoi qu'on en ait dit, a eu un retentissement profond dans la jeunesse intellectuelle. Depuis plus de deux mois, on savait que le nouveau groupement, connu sous le nom d'école des Deux-Magots, préparait une offensive contre André Breton . (In Queneau, 1997, p. 66)

No entanto, não se formou nenhuma escola dissidente. O conflito não marca o fim do Surrealismo, mas assinala o início de um outro período. Da parte de Breton e seus colegas, cite-se a mudança do título do órgão oficial do movimento, a revista Révolution Surréaliste , para Le Surréalisme au service de la Révolution , a qual dura de 1930 a 1933, mantendo-se independente de qualquer intervenção do Partido Comunista Francês. Segundo Sarane Alexandrian, esta nova revista “não tocou no problema da acção social, a não ser nas suas relações com a expressão ideal das paixões” (Alexandrian, 1973, p. 99).

Da parte dos dissidentes, diga-se que todos eles resolveram “faire route à part”, mas sem nunca abandonar ideais essencialmente surrealistas, como o Amor, a Ooesia, a Revolução, o Humor, a Experimentação e o Sonho. Ou seja, deixaram, por questões pessoais, a instituição “movimento surrealista”, mas não o Surrealismo.

Personagens desse conflito, como André Breton e Jacques Prévert, os quais se reconciliaram em 1937, consideraram, anos depois, que o momento que viviam justificava os ataques recíprocos. Quando perguntado por Madeleine Chapsal sobre a republicação dos manifestos em 1962 sem qualquer revisão, Breton responde:

Concordo que muitos desses ataques são de uma virulência deplorável e, aliás, largamente ultrapassados. Fiz justiça no prefácio à reedição do Segundo Manifesto, em 1946, que é retomado na reedição atual. Não me foram poupados ataques da mesma ordem. Contam-se entre os exageros que já não me cabe apagar. Aqueles que foram alvo deles sabem que resultam do clima passional em que se desenvolveu o surrealismo. (Chapsal, 1986, p. 189-190)

Por sua vez, Jacques Prévert afirma em seu livro–entrevista Hebdromadaires (1972) que, embora tenha dito coisas desagradáveis a Breton, acha que elas foram necessárias naquele momento:

Moi, une fois, j'ai dit ou plutôt j'ai écrit des choses très désagréables pour lui. Ces choses, je les trouvais vraies. Je les disais en riant, peut-être, d'un rire qui n'était sans doute pas marrant pour lui à ce moment-là. Mais en y repensant, je n'en enlève rien. Par la suite, on s'est revus, on a beaucoup ri. Malgré tout, nous étions et nous sommes encore, aujourd'hui qu'il est mort comme on dit, des amis. (Prévert, 1996, p. 915)

No último poema de Paroles (1946), “Lanterne magique de Picasso”, Prévert demonstra que, embora tenha desaprovado as críticas de Breton no Segundo Manifesto , sua obra também procura a surrealidade num mundo que seria, como escreveu Lautréamont, belo como tudo:

Les idées pétrifiées devant la merveilleuse indifférence

d'un monde passioné

d'un monde retrouvé

d'un monde indiscutable et inexpliqué

d'un monde sans savoir-vivre mais plein de joie de vivre

d'un monde sobre et ivre

d'un monde triste et gai

tendre et cruel

réel et surréel

terrifiant et marrant

nocturne et diurne

solite et insolite

beau comme tout . (Prévert, 1992, I, p. 157)

Assim, a busca pela surrealidade, apesar dos conflitos que ela possa causar, continua a ser o ponto de contato entre aqueles que querem, através da união entre o Amor, da Poesia, do Sonho, do Humor e da Revolução, transformar o mundo e mudar a vida. Termino citando Prévert: “Graças aos surrealistas, esta vida real, como os sonhos deles, continuam”.