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Emílio Adolfo Westphalen
Dois poemas

Poema

Amarrado à sua sombra o bosque

Abria caminho às pegadas ardentes

Os faunos carreavam os regatos

E nos cornos da Lua uma flauta trilava

A ninfa na encosta sobre o braço descansava

Estios de florais prestígios

Entreteciam desenredavam as brisas

Nas têmporas da bela adormecida

Como se dois meninos com ele folgassem

Tantas voltas dava o mundo

De mão em mão se via percorrido

De vermes com chapéu de copa e dignidade

Os rios não se atreviam

A tocar a orla das cidades

De longe as cantavam e em surdina

Para não quebrar a quietação das muralhas

Ou turvar no recinto

A clara canção dos menestréis

Ali aparecia a bela adormecida coberta de sóis

Os seus ardentes passos tanto mediam o solo

Como o firmamento

Uma sombra de oliveiras sob os olhos

Murmúrios de água para as mãos

No mar esses olhos flutuavam sempre

E esta rama de loureiro de horizonte a horizonte

Adorno dos sonhos pendentes do céu

Não viste um sorriso fiar uma paisagem

A moçoila rindo com o céu gotejando de suas mãos

Mais sombra me davam as pestanas dela

Que uma alameda sob o triplo peso

De folhas ventos e céus

Não viste entreabrir-se a alvorada

Sobre as neves como uma fronte

Alumiando o sol e as estrelas

E a mão mais clara que a água com seu rumor

Assim me atravessaram desde a manhã à noite

As músicas geladas os dedos de aço

Com cercaduras novas seu rosto não descansava

Já sobre a dália ou sobre a nevada

Já na brisa ou no próprio coração do inverno

E na outra mão o ceptro do estio

E no outro pé o sol do outono

Os olhares carregados de resplendores de oceanos ensolarados

Cruzando o Mediterrâneo os golfinhos saltavam

Nos ares quedavam-se as tartarugas

A moçoila não despertara ainda

A flor era a plenitude dos espaços.

 

Poema

 

Tristemente descansei a minha cabeça

Na sombra que cai do ruído dos teus passos

Voltando à outra margem

Imponente como a noite para te negar

Abandonei as manhãs e as árvores cravadas na minha garganta

Deixei até a estrela que galopava entre os meus ossos

Larguei mesmo o meu corpo

Como o náufrago as barcas

Ou as lembranças quando as marés se vão

E espalham estranhos olhos sobre as orlas do mar

Abandonei o corpo

Como um cobertor para com a mão liberta

Apertar o cerne de uma estrela molhada

Não me ouves sou mais leve que as folhas

Porque me livrei de toda a ramaria

E o ar não consegue aprisionar-me

Nem as águas tampouco me detêm

Não me ouves chegar mais poderoso que a noite

E as portas que ao meu sopro não resistem

E as cidades quietas para que não note as suas presenças

E o bosque entreaberto como a madrugada

Que busca apertar o mundo entre os seus braços

Ave belíssima que no paraíso irá cair

A tua fuga derribou todas as tendas

E eis que os meus braços fecharam as muralhas

E até os ramos se inclinam para te impedir a passagem

Frágil corça deves temer a terra

E o ruído dos teus passos em cima do meu peito

Já se cerraram os cercos

E o peso da minha ansiedade far-te-á cair

Os teus olhos irão fechar-se sobre os meus

E a tua doçura brotará como os chifres novos

E a tua meiguice crescerá como a sombra que me envolve

A cabeça deixei que rodasse

O coração deixei que caísse

Já nada tenho que me assegure que irei alcançar-te

Pois que tens pressa e tremes como a noite

Talvez eu não atinja a outra margem

Porque não tenho mãos que abarquem o espaço

Entre o que está desperto e o que vai morrendo

Nem pés que pesem sobre o esquecimento

De tantos ossos e tantas flores mortas

Talvez eu não alcance a outra margem

Se a última folha já foi por nós lida

E a música entreteceu a luz em que hás-de cair

E os rios te impedem o caminho

E as flores te chamam mas com a minha voz

Rosa imensa chegou a hora de deter-te

O estio ressoa como degelo para os corações

E as madrugadas tremem como árvores ao acordar

 

Todas as saídas estão guardadas

Rosa imensa não irás tombar?

in “ Abolição da morte"

Tradução N.S.