SURREALISMO À VISTA

Carta de Floriano Martins a Perfecto Cuadrado

 
Perfecto querido

Obrigado pelo envio do "Dossier de Prensa" (1) referente ao evento surrealista em Tenerife. Há alguns meses me escreveu Ernesto Suárez dizendo que Domingo Luiz-Hernández estava desejoso de me convidar para este evento. Meses de silêncio e Ernesto volta a me escrever dizendo da impossibilidade do convite por falta de recursos de produção do evento. Por mais que lamente, este é um argumento válido e sabemos as dificuldades financeiras que enfrentam alguns eventos internacionais. Contudo, vejo agora, por este "Dossier de Prensa", que é bem outra a realidade do encontro surrealista em Tenerife, no que diz respeito às suas condições de produção. Vejo também que se preferiu convidar o Sérgio Lima para representar o Brasil. Esta me parece uma opção correta, considerando a importância que teve Sérgio Lima em pelo menos dois momentos da historiografia do Surrealismo no Brasil, importância que tenho apontado em diversas ocasiões. O que lastimo, em primeira instância, é que a nota de apresentação [*] deste poeta, incluída no referido "Dossier de Prensa", esteja repleta de exageros, que não corresponda à realidade dos fatos. Sérgio Lima fundou e dirigiu unicamente uma revista, A Phala, nos anos 60, que teve apenas o número inaugural. Não há reconhecimento em parte alguma desta sua condição máxima de especialista em cinema surrealista e de vanguarda, além do que suas "muitas reflexões e ensaios", se existem, se encontram inéditas ou pelos menos não foram publicadas nos últimos 30 anos, seja na imprensa ou em qualquer outro tipo de veículo. Não há mais um Grupo Surrealista de São Paulo, a menos que aja na mais completa clandestinidade, sem que ninguém dê por sua presença. Mais recentemente Sérgio Lima assinou um manifesto do Grupo DeCollage, o que supõe integre este grupo atualmente. Onde se lê "alguns de seus livros de ensaio", o correto é dizer que são "todos", livros já de todo inencontráveis. Além disto, a nota dá pela ausência de atualidade de qualquer ação ou produção do autor. Sérgio Lima bem poderia ter mencionado que o incluí em dois livros que dediquei ao Surrealismo, em 2001 e 2004, publicados respectivamente no Brasil e na Costa Rica. O segundo deles, uma antologia do surrealismo em todo o continente americano, primeiro registro em livro que abrange todo o continente, em seus quatro idiomas, terá proximamente edição ampliada e atualizada pela Monte Ávila Editores. Meus comentários aqui, para que não pareçam incabíveis, dizem respeito a um comportamento inaceitável, da parte de Sérgio Lima, que já em algumas ocasiões tentou criar obstáculos à participação minha e de Claudio Willer em eventos desta e de outra natureza. Tem se notabilizado por ser um completo ausente de discussões e polêmicas, sendo mais conveniente para ele nos difamar entre pequenos círculos de amigos ao invés de questionar nosso trabalho. Há cinco anos que mantenho a revista Agulha com Claudio Willer e que coordeno, juntamente com a Maria Estela Guedes, em Lisboa, um dossiê dedicado ao Surrealismo em sua revista, TriploV. Sérgio Lima publicou conosco em um primeiro momento e depois se ausentou, silenciando até mesmo na resposta a correspondências que lhe foram enviadas. E agora, sem dar asas a exercício algum de tendência paranóica, não há como não vincular sua presença no evento de Tenerife à desistência, da parte de Domingo, de me convidar, por uma simples questão de coerência no comportamento que vem pautando a ética particularíssima de Sérgio Lima há muitos anos. A rigor, a tônica desse comportamento mescla ortodoxia e conseqüente imposição de seus valores a outros, o que tornou impossível a formação mais consistente de um grupo surrealista no Brasil, seja nos anos 60 ou em sua versão mais próxima no tempo, nos anos 90, momento este do qual participei ativamente. Lamento, portanto, que assim seja, e aqui manifesto tal lamento.

Abraxas

Floriano Martins

(1) Dossier de prensa enviado a Floriano Martins por Perfecto Cuadrado
- Congresso sobre o Surrealismo

[*] A nota:

Sergio Lima. (Es uno de los máximos representantes del movimiento surrealista brasileño y latinoamericano. Sus lúcidas posiciones teóricas y su labor de difusión, lo han hecho persistir en numerosas publicaciones, manifiestos y revistas por él creadas y dirigidas. Fue el director, durante algunos años, de la Filmoteca de Brasil. Es uno de los máximos especialistas sobre el cine surrealista y de vanguardia, sobre cuya historia, peculiaridades, desarrollo y técnica ha compuesto muchas reflexiones y ensayos. Poeta surrealista, ensayista, artista plástico, cineasta y profesor universitario, Doctor en Letras y traductor de Benjamin Peret. Pertenece al denominado grupo surrealista de Sao Paulo. Algunos de sus libros publicados: A planicie verde (Cuento-poema, 1960); Amore (Poesía y narrativa, 1963); A festa (deitada) (Sao Paulo, Editora Quirón, 1976); A Alta licenciosidade (Antología Poética, 1985); y A Aventura Surrealista (1995). Algunos de sus libros de ensayo: Cinema Japonés (1959); O corpo significa (1976) y Collage (1984). Fue incluido en la antología Surrealismo y Novo Mundo, donde se incluyen destacados creadores surrealistas de varias generaciones, países y lenguas diversas. Participó en la XIII Exposición Internacional del Surrealismo (Sao Paulo, 1967). Es miembro de la Unión Brasilera de Escritores. Ha expuesto su obra plástica en Brasil, Argentina, Canadá, Francia y Portugal, entre otros países.)

 
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