JOSÉ AUGUSTO MOURÃO

A máscara dos objectos
convocação para a leitura (1)


   

Fala-se de objecto com valor de uso, valor de troca, cultural (simbólico), híbridos, objectos como comunicação ou “bricolage”, “vampiro passivo”, Paolo Fabbri fala de “interobjectividade”, de “próteses recíprocas” entre objectos e sujeitos, Bruno Latour, de “quasi objectos” ou de “factiches”. O que é, afinal um objecto? Faz-se aqui o ponto da situação relativamente à semiótica dos objectos, na companhia de dois autores e dois livros: o primeiro de Ghérasim Luca ( Le vampire passif ), o segundo de Maria Gabriela Llansol (Um beijo dado mais tarde).

“A presença subtil que, passando pelos diversos objectos iluminados, os torna, nos seus olhos, objectivos. A Anjo, diria ele” (Introdução a um fragmento do Diário de Llansol).

  “A única realidade não está nas palavras nem nas coisas, mas nos objectos” (Foucault) .

  “On ne sait plus où est l'objet. N'existent que les discours autour ou les regards accumulés qui finissent par créer une aura artificielle» (Jean Baudrillard)

 

Ghérasim Luca fala do “vampiro passivo” (1), Eric Landowski e Paolo Fabbri falam de “interobjectividade”, de “próteses recíprocas” entre objectos e sujeitos (2), Bruno Latour, de “quasi objectos” ou de “factiches”. O que é, afinal um objecto?

Não faltam reflexões de carácter epistemológico-teórico sobre o estatuto do objecto, enquanto objecto de conhecimento (E. Husserl, H. Bergson); não faltam reflexões de carácter teórico mais geral, venham do lado da semiótica filosófica de Peirce ou da semiótica tensiva de J. Fontanille (semiótica do corpo); não faltam ensaios que tratam os objectos de um ponto de vista sócio-antropológico. “Objets are part of the symbolic process that continuously recreates the world by imposing meaning and order on it”, escreve Upton (1985, 87). Quando se estudam os objectos fala-se de cultura material (a alimentação e o vestuário). Reserva-se um termo mais específico para objectos denominados artefactos e o termo bens , em referência à economia. Para os economistas e os antropólogos da economia “commodities, like persons, heave social lives” (Appadurai, 1986ª, p. 3). Kopytoff (1986) chama a atenção para o seguinte: a biografia dum objecto é muito parecida com a biografia duma pessoa. O ponto de vista sócio-antropológico é particularmente operacional no estudo, por exemplo, dos efeitos de intimidade que determinados objectos produzem, quando se sabe que os objectos passam de geração em geração: “I liked the idea of something used by friends and friends of friends” (Nemy 1989, p. Y29). Há, de facto, objectos que ligam gerações inteiras, cujo uso deixou de ser apenas factitivo, convertendo-se em signo ou “bricolage” (com valor cultural, simbólico, afectivo), e com um valor marcadamente mnésico. Incluem-se neste tipo de objectos os “kiss transmitter”, que devemos ligar àquilo a que se chama “emotion design”, o telemóvel, que é um objecto híbrido, multifuncional, que integra várias funções num só objecto; do mesmo género são os objectos de decoração, os “Tamagochi”, essa personagenzinha que saltita num ecrã minúsculo e que é de facto um equivalente numérico das bonecas tradicionais, todo um universo de próteses que, como objectos de interface neural, se tornaram banais.

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Notas

(1) Ghérasim Luca, Le vampire passif , José Corti, 2001.
(2) Paolo Fabbri, El Giro Semiótico , gedisa, 2000.

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