18 de Maio 66.

Meu caro amigo -

Tornei aos pauis de S. Fagundo ou S. Facundo na quinta-feira próxima passada na companhia do nosso Paulino.

Com o auxílio do barco achámos muitos ninhos e ovos das Calamoerpes turdoides (1) assim como ninhos e ovos de Galeirão Fulica atra (2) o que é mais provável do que ser a cristata (3). Não pudemos matar algumas delas porque nesse caso estava tirada a dúvida.

Trouxemos mais 2 calamoherpes turdoides e até hoje não temos uma fêmea sequer desta espécie!

Voltámos lá ontem. Matámos Garcenhos A. minuta (4), as tais luscinoides (5), e pouco mais.

Achámos um ninho da Rabila Gallinula porzana (6), o ninho tinha 8 ovos. Trouxemos 2 Galeirões recém-nascidos, e mais 4 ovos que deitei a uma galinha. Não achámos ninhos de outras espécies. Andam lá muitos Bostaurus stelatus (7), muitos Garcenhos, e parece-nos que também lá há outras calamoherpes. O meu amigo não faz ideia de quanto as riverens (8) custam a descobrir! Não sei quando lá voltamos, provavelmente para a próxima semana. O Paulino prepara um Galeirãozinho para o meu amigo. Eles têm a fronte vermelha assim como a penugem do pescoço. Recebeu o cultripes (9) pelo José Júlio?

Amigo do coração Bicheiro-mor


(1) Calamoherpe turdoides - Acrocephalus arundinaceus - rouxinol dos pauis, ferreiro.

(2) Fulica atra - galeirão comum.

(3) Fulica cristata - galeirão de crista.

(4) Ixobrychus minutus - garça pequena.

(5) Locustella luscinioides - felosa unicolor. Apenas 1 exemplar desta espécie tinha sido observado em Portugal, no Paúl de S. Fagundo, perto de Coimbra, segundo Themido (1952), pág. 160. Aves de Portugal (Chaves para a sua determinação), Memórias e Estudos do Museu Zoológico da Universidade de Coimbra. Nº 213, pp. 1-244.

(6) Gallinula porzana - franga de água, rabiscoelha (Bocage, 1862). Porzana porzana.

(7) Botaurus stellaris - abetouro comum. Bos+taurus, como escreve Rosa, seria boi-touro, literalmente, mas é de aves que se trata e não de mamíferos cornudos.

(8) Gozação de Rosa. O termo é uma corrupção do francês "riverains", é de aves ribeirinhas que está a falar. Bocage (1862), ao fazer o catálogo das aves de Porugal, não sabendo os nomes vulgares em português, dá os franceses. De anotar que agrupa as ribeirinhas sob a designação de Grallae, hoje desaparecida.

(9) Sapo de unha negra.