Teixeira de Pascoaes e Mário Cesariny

BREVE PANORAMA DO SURREALISMO EM PORTUGAL
Direção e organização de Rui Sousa


ANTÓNIO CÂNDIDO FRANCO

 

Os materiais que de seguida se apresentam, revistos para esta reedição, foram inicialmente publicados no livro Teixeira de Pascoaes nas Palavras do Surrealismo em Português (2010). No que respeita à entrevista com Mário Cesariny, a edição original inclui uma série de notas que permitem contextualizar acontecimentos e personalidades.

A leitura da obra de Teixeira de Pascoaes (1877-1952) pelos surrealistas portugueses constitui um dos aspectos mais efusivos e exaltantes da recepção da poesia do autor de Regresso ao Paraíso. Há nela uma luz votiva, uma promessa de reaquisição, que em nenhum outro lado, no que diz respeito a Pascoaes, se encontra. Tal faceta não mereceu porém dos estudiosos qualquer atenção digna de registo. Que eu saiba não há um único estudo que tome por senda a ligação de Teixeira de Pascoaes ao surrealismo em português, ou a ignição deste naquele [salvante aqui, para maior confusão de todos, o de Osvaldo Manuel Silvestre (v. “Uma Bibliografia”)], o que, depois do muito, e do muito mau, que se tem dito sobre o Poeta do Marão, seria caso de pasmo ou de escândalo, não se soubesse há muito que só se estima no geral e no presente o que não estraga o desígnio instalado. E, quando tratamos de poesia portuguesa recente, falamos duma sessão reservada, cujos bilhetes trazem lugar marcado, ou duma prima-dona, cujo capricho não admite réplica.

Teixeira de Pascoaes tem sido lido, relido e treslido como um autor que decorre da poesia finissecular oitocentista, em particular do neogarrettismo de António Nobre e do dito neo-romantismo de Os Simples de Guerra Junqueiro. É isso que encontramos nas leituras de Régio, Gaspar Simões, Casais Monteiro, Jorge de Sena, Jacinto do Prado Coelho, Óscar Lopes, Manuel Antunes e nas de todos os outros que para nossa decepção e alguma revolta se debruçaram sobre a poesia grande de Pascoaes. Boa (e estrídula) malha! Mas Pascoaes, com tanto andamento, tanto braço, tanto ardil, não tem solução senão ficar amarrado ao século XIX; não se vislumbra ali, naquelas linhas, o mais pequeno raio de actualidade. Em raros momentos, e raros não sabemos se por incómodo ou se por simples falta de atenção, estes críticos olharam para as relações que a obra de Fernando Pessoa começou por ter com o saudosismo de Teixeira de Pascoaes, através dos textos publicados em 1912 na revista A Águia sobre a nova poesia portuguesa e com o aparecimento dos primeiros poemas de Alberto Caeiro, que contêm, como é sabido, em dois ou três momentos cruciais (sobretudo o poema XXVIII), referências explícitas à experiência poética de Pascoaes. Ainda assim, estas pontes, que noutro caso seriam imponentes e admiráveis construções de passagem, foram tão-só bagatelório a que ninguém ligou; e quando atendeu foi mais para marcar a diferença ou a ruptura entre os dois poetas – abrindo um fosso fundo, pasme-se, entre saudosismo e modernismo – que para estabelecer afinidades e encontrar uma linha de continuidade entre eles. Teixeira de Pascoaes, não obstante as interpelações do jovem Pessoa, ou por isso mesmo, continuou a ser visto como um poeta anterior à modernidade, um poeta do passado, tributário do século XIX e dos seus modelos, autor duma poesia que desconheceu o versilibrismo e as liberdades do verso modernista.

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Desde sempre, desde que me passou pelas mãos um livro de Pascoaes, o que decerto aconteceu no centenário do nascimento do Poeta, em 1977, que percebi o descompasso entre as linhas e as leituras. O que estava nas letras dos livros confrontava com desacerto, mas também com finura, as redutoras sentenças adiantadas pelos comentadores. A rábula dum Pascoaes anti-moderno não batia com o autor que assinou, nos Versos Brancos por exemplo, algum do mais espontâneo e autêntico versilibrismo português da primeira metade do século XX.

A experiência poética, acabada a leitura descomprometida, era afinal muito mais rica e propulsora do que aquela que se continha num juízo equívoco em torno dum Pascoaes acantonado no século XIX. Convenhamos que a visão dum Pascoaes divorciado da modernidade se colou ao poeta como uma segunda pele; dificilmente encontramos uma leitura que dela se afaste. A origem do lugar que se fez comum, se não cliché de gato manso, remonta à revista Presença (1927-40) e aos seus algibebes mais nomeados, João Gaspar Simões e José Régio, que na pressa de fraquearem (de fraque ou froc) os afortunados e muito enfarpelados poetas de Orpheu acabaram por esquecer, se não desnudar, Teixeira de Pascoaes.

Dou a palavra a Sant’Anna Dionísio: A revista Presença, que durante quinze anos representou o sumo e a nata do pensamento literário moderno em Portugal, e em cujas colunas tantas coroas se teceram para enfeitar as frontes de tantos vates nativos e exóticos, nem uma palavra dedicou ao aparecimento de qualquer obra do Eremita de Amarante. E todavia durante esses quinze anos apareceu São Paulo, Santo Agostinho, São Jerónimo, Napoleão, O Penitente – cinco obras que, por si só, dariam a imortalidade ao Poeta em qualquer literatura do mundo. [in O Poeta, essa Ave Metafísica, 1953 (1954), p. 38-39]. Em vez dos cincos livros citados por Sant’Anna Dionísio, dois deles publicados fora do arco de duração da revista coimbrã (1927-1940), guardem-se três (São Paulo, São Jerónimo e Napoleão), acrescentem-se O Homem Universal (1937), o Livro de Memórias (1928) e os sete volumes das Obras Completas (1929-32) e teremos a verdade ainda mais crua e indecorosa das palavras do autor de Pensamento Invertebrado.

Ninguém – a não ser José Marinho – vislumbrou então que a poesia portuguesa encontrava na mensagem mais funda da poesia do vate do Marão o ponto de partida dum novo trilho de desenvolvimento. Pascoaes ficou nu, em pele de galinha, a tiritar de frio nas fragas ásperas do Marão e ao que se sabe não se chateou muito com o assunto, menos interessado que andava nas casacas cómodas do Chiado que nas grandes tempestades de electricidade que lá no céu dele ribombavam. Dava-se por feliz com aquela lua de verdete e calcário que lhe calhara nas sortes; mesmo nu, descalço, intonso, mal arrumado, rústico, esquecido e desurbano, pôde arrancar a grande velocidade para a recta final da sua obra, que começa no São Paulo e termina a uns tantos anos-luz dos nossos olhos, não se sabe bem onde nem para onde.

Mais grave que a falta de visão dos algibebes da Porta do Almedina, que levou a alguns graves atropelos nas avaliações então feitas, é hoje a existência, o ardil, duma crítica chã e bovina, apesar da aparência teratológica, de aligátor, que resume a poesia portuguesa da primeira metade do século XX a um primeiro modernismo, o de Orpheu, e a um segundo modernismo, o da presença, donde Pascoaes fica naturalmente arredado, já que, para infortúnio dele e nosso, em nenhum dos dois participou.

Assim como assim, é preciso fazer justiça a João Gaspar Simões, que na época madura de afirmação e combate do surrealismo em português, enquanto outros riam e estafavam os últimos saldos, soube bater com a mão na testa e surpreso gritar a exclamação de Arquimedes. Escreveu então algumas palavras com olho de lince e bico de falcão, que por direito próprio justificaram Pascoaes como um grande Poeta até aí ilegível – e este é só o reagente alquímico que revelou as letras originais do palimpsesto-Pascoaes.

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A recepção do poeta de Marános junto do surrealismo em português, em primeiro lugar de Mário Cesariny, já na transição da primeira para a segunda metade do século XX, afigura-se-me por tudo isto e ainda por direito próprio do maior relevo e só espanta que os admiradores e os estudiosos de Cesariny, dentro e fora de portas, ainda não tenham pegado na ponta do novelo, que tem fio para muita novidade e revisão. O surrealismo que se falou e fala em Portugal foi para Teixeira de Pascoaes nada menos que o formidável reagente que arrancou da invisibilidade as letras esquecidas (e até aí irrisórias) da sua poesia, sem distinção de verso ou de prosa. Estão aquelas assim para o surrealismo em português como as de Lautréamont estão para o de língua gaulesa. Nenhum outro precursor oferece em Portugal ao surrealismo o que Pascoaes lhe foi e é capaz de dar: uma estrela de dimensão maior, cuja luz teimava em ficar oculta.

Há – que eu conheça – uma excepção: Bernardo Pinto de Almeida, estudioso de Mário Cesariny e leitor fugaz (mas concernente) da sua relação com Teixeira de Pascoaes, por meio dos desenhos deste. É leitura, a meu ver, muito mais lhana e larga que a de Osvaldo M. Silvestre (já citada e com valor quase só bibliográfico, pois de todo desconhece o que fosse, seja ou for a escrita de Teixeira de Pascoaes). Transcrevo (e subscrevo): Não havendo entre nós tradição quase alguma de povoamento imaginário isto é, dessa capacidade de projectar sonhos através das obras de criação plástica (…), Pascoaes surgia como o autor de uma obra  vasta e consequente mas, sobretudo, como aquele que tinha assumido, em inteira autonomia e o mais radicalmente que era possível, essa dimensão do irracional, que tanto poderia surpreender os jovens poetas e artistas que tentavam tornar também portuguesa a Revolução Surrealista Internacional./ Tendo-o conhecido desde muito cedo, Mário Cesariny, que privou com o poeta e foi assiduamente visita de Gatão, bem como alguns dos seus companheiros, entre os quais Cruzeiro Seixas, necessariamente haveriam de ter compreendido através desses desenhos e pinturas deste inesperado mestre, toda uma dimensão de sonho e fantasmagoria que valia bem o não termos tido um Victor Hugo./ Eis pois razões que bastem para que se redescubra Pascoaes não apenas pela sua grandeza própria, intrínseca, mas também por essa vasta influência que faz de qualquer legado uma herança que só se reavalia em toda a sua extensão quando assim o tempo chega de deixar claras as contas. [in “Pascoaes ou a dramaturgia dos Espectros”.

A combustão do surrealismo em português a partir da voz de Pascoaes é facto, além de comovente, probatório; testemunha ele que Pascoaes não foi um meritório e arrumado poeta do século XIX, equivalente a muitos outros, mas um criador raro e intemporal, cheio de vigor e originalidade, capaz de interessar, já depois das vanguardas e do modernismo, o primeiro, o segundo e os adjacentes, um grupo de poetas portugueses da segunda metade do século XX. Para nós, depois do surrealismo em português, Pascoaes passou a ser um primitivo-moderno (ou um moderno que não abandonou o primordial); antes dele, quando presença quis pôr a parvónia à la page, era tão-só um poeta do século XIX, romântico, neo-romântico, lusitanista, anti-moderno, blandicioso, ou tão-só ingénuo-simples, digno de desdém (o que de feito foi, ou não tivesse trasladado em prosa e reescrito em verso, sempre em jeito de autobiografia, O Pobre Tolo).

Para essa rotação, bastou que o surrealismo em português procurasse a fractura duma dimensão mítico-simbólica, que estava além do horizonte da afirmação temporal e geracional que caracterizara a geração ou as gerações modernistas das vanguardas, interessadas apenas em valorizar a velocidade ostensiva do contemporâneo. É conhecida – e de aplaudir por inteiro – a indiferença de André Breton diante do moderno pelo moderno, como se aquilo que de verdade lhe interessasse tanto se encontrasse no passado, no presente, no futuro ou noutro tempo qualquer a inventar. O autor de Arcano 17 não distinguia entre o antigo e o moderno mas entre o maravilhoso e o patético. E acabou mesmo, de resto como o Artaud dos Tarahumaras, a valorizar o passado, o mais antigo de todos, o da pedra polida, o primordial, diante do perfunctório, quando não do horror agónico, do presente, esse presente ossuário, metálico e futurista, Manhattans de vidro e chips-chips, mas destituído de todo o plano humano, ético e mágico.

O que me proponho neste escrito é dar um primeiro contributo ao conhecimento da recepção de Teixeira de Pascoaes junto do surrealismo em português e em primeiro lugar de Mário Cesariny. Acredito que o subsídio, por mínimo, interessa muito a Teixeira de Pascoaes mas também vai bem aos surrealistas portugueses. O Poeta do Marão tem grandeza suplementar com a leitura entusiástica de gente como Mário Cesariny, Artur Manuel do Cruzeiro Seixas, Ernesto Sampaio, mas a singularidade destes também se vê melhor através de Teixeira de Pascoaes. E além de lente, este é filtro também. É bem possível que só através dele, Teixeira de Pascoaes, o surrealismo em português encontre o coador à medida de reter e vazar (entenda-se, deitar fora) o grosso, que em nada lhe interessa ou convém, dando saída e consagração, com vista ao futuro da vida, à parte fina, fluida e genuína das suas realizações.

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Mário Cesariny (1923-2006) desde muito cedo manifestou interesse pelo autor de Regresso ao Paraíso e constitui o eixo capital deste escrito sobre Teixeira de Pascoaes e a sua recepção poética no século XX. O autor de Corpo Visível foi um dos primeiros intérpretes e divulgadores da poesia de Teixeira de Pascoaes, depois da sua morte (mas também ainda em vida). Começou por divulgá-lo junto dos companheiros do (anti) grupo surrealista de Lisboa, os surrealistas, e acabou já na década de setenta a fazer duas intorneáveis antologias pascoaesianas – Aforismos (1972) e Poesia de Teixeira de Pascoaes (1972). Esta última é, além de retrospectiva inteira de toda a obra escrita de Pascoaes, o primeiro lugar onde surge a obra plástica do autor, com um conjunto muito significativo de aguarelas, nada menos que vinte e duas. A par desta actividade de leitura, crítica e circulação, Cesariny avançou como pintor por esta mesma altura, 1972, com duas homenagens ao Poeta do Marão, “Pascoaes, o Poeta” e “Homenagem a Pascoaes”, ponto de partida do preito pictórico ulterior, de 1979, realizada dois anos depois do centenário do nascimento do Poeta, “A Teixeira de Pascoaes/ O Universo Menino/ O Velho da Montanha/ O Rei do Mar”, porventura o ponto explosivo e cimeiro da relação de Mário Cesariny com Teixeira de Pascoaes.

Um ano depois, em 1973, no texto “Para uma Cronologia do Surrealismo em português”, publicado na revista Phases (nº 4) e recolhido mais tarde no livro As Mãos na Água a Cabeça no Mar (1985, reedição em 2015), o autor de Pena Capital afirmava a superioridade (decerto do ponto de vista do surrealismo em português) de Teixeira de Pascoaes sobre Fernando Pessoa. Diz Mário Cesariny: Teixeira de Pascoaes, poeta bem mais importante, quanto a nós, do que Fernando Pessoa.

Já na “Apresentação” da sua grande selecção de 1972, Poesia de Teixeira de Pascoaes, Cesariny dera a entender o seu afastamento em relação a Fernando Pessoa e a aproximação a Pascoaes, ao mesmo tempo que chamava a atenção, a propósito de carta sua de António Maria Lisboa (v. “Uma Bibliografia”), para a forte afinidade entre a obra de Pascoaes e a do autor de Erro-Próprio (1928-53). Pelo que aí ficamos a saber, já no tempo das actividades de os surrealistas – que situamos entre 1949 (ano da I Exposição dos surrealistas, que aconteceu em Junho-Julho na antiga sala de projecções do Pathé-Baby, rua Augusto da Rosa, Lisboa)  e 1953 [morte de António Maria Lisboa e dispersão definitiva dos elementos do grupo, com a partida em 1951 para África de Cruzeiro Seixas (e chegada, em Luanda, por encontro com Seixas, de Alfredo Margarido ao surrealismo em português e quiçá a Teixeira de Pascoaes, de quem se tornará pouco depois estudioso de valor), as viagens cruzadas de Mário Henrique Leiria, o abjeccionismo de Pedro Oom, o afastamento de Henrique Risques Pereira e Fernando Alves dos Santos, a viragem-silêncio de Carlos Eurico da Costa] – Mário Cesariny se empenhava na leitura da obra de Teixeira de Pascoaes, procurando entusiasmar nela alguns próximos, no caso Artur Manuel do Cruzeiro Seixas e António Maria Lisboa, que manifesta mesmo, na carta referida acima, o seu interesse em encontrar pessoalmente Pascoaes.

Mais tarde, quando do (anti) grupo restava sobretudo a memória hierática do poeta de Erro-Próprio e a pujança gráfico-psíquica de Cruzeiro Seixas, que se preparava para os grandes voos das décadas seguintes, Cesariny insistirá ainda em Pascoaes e nas obras maiores dele, porventura em eco menor, com os do Gelo, esses que fizeram o número único de Grifo (1970), e que foram no final da década de cinquenta e ao longo da seguinte a segunda vaga do surrealismo em português, embora nele não deixassem aquela marca fulgurante e secreta que o grupo do Grand Jeu (1928-32) deixou no surrealismo da geração de Breton. E, já depois da revolução dos cravos, no final da década de setenta, foi ainda Cesariny que levou o jovem Manuel Hermínio Monteiro (1952-2001), da editora Assírio & Alvim, então uma cooperativa, a São João Gatão, casa de Pascoaes, ainda no tempo de João Vasconcelos, sobrinho de Teixeira de Pascoaes, e estimulou o seu paladar para editar a obra do Poeta, o que aconteceu a partir de 1984, com a reedição de São Paulo, cinquenta anos depois da primeira, em fulgurante apresentação de António-Pedro Vasconcelos, com tocante aproximação entre Pascoaes e Pasolini.

Aquilo que porventura alguns surrealistas portugueses, em primeiríssimo lugar Mário Cesariny, compreenderam melhor que outros ou que todos foi que Teixeira de Pascoaes sobreviveu física e espiritualmente a Fernando Pessoa perto de vinte anos e que parte da obra pascoaesiana criada nesse período de nudez e isolamento, que abriu com o São Paulo (1934) e fechou com Últimos Versos (1953) e Minha Cartilha (1954), foi pós-pessoana, no sentido em que supera tudo o que o poeta dos heterónimos conheceu e deu a conhecer.


BIBLIOGRAFIA (SUMÁRIA) 

CESARINY, Mário, “notícia” [primeira (?) referência pública de M. Cesariny a T. de Pascoaes], in O Volante, nº 996, Lisboa, 15 de Agosto, 1957, p. 17.

– “Prefácio não publicado à edição não efectuada da primeira versão portuguesa de Une saison en enfer de Jean-Arthur Rimbaud, in A Intervenção Surrealista, Lisboa, Ulisseia, 1966 [reed. Assírio & Alvim, 1997 (p. 209 e p. 212)].

– “Homenagem a Pascoaes” [pintura (1972); tem frase de Pascoaes, porventura de O Bailado, no canto inferior esquerdo; colecção Museu municipal Amadeo de Souza-Cardoso], in Mário Cesariny, catálogo de exposição, org. João Lima Pinharanda e Perfecto E. Cuadrado, Lisboa, Assírio & Alvim, 2004, p. 138.

– “Pascoaes, o Poeta” [pintura (1972); colecção Maria Nobre Franco], in Mário Cesariny, catálogo de exposição, org. João Lima Pinharanda e Perfecto E. Cuadrado, Lisboa, Assírio & Alvim, 2004, p. 149.

– “Nota”, in Aforismos de Teixeira de Pascoaes, edição de Mário Cesariny e Cruzeiro Seixas, Lisboa, 1972 [reed. 1998; rep. in Poesia de Teixeira de Pascoaes, org. e pref. Mário Cesariny, 2002 (pp. 337-354)].

– “Prefácio”, in A Poesia de Teixeira de Pascoaes, org. de M. Cesariny, 1972 e 2002 [reproduzido com o título “Pascoaes, Breton, Lisboa” in Poesia de António Maria Lisboa, org. de M. Cesariny, Lx., Assírio & Alvim, 1977, pp. 330-4]; rep. com o título “Teixeira de Pascoaes” in As Mãos na Água a Cabeça no Mar, Lisboa, Assírio & Alvim, 1985, pp. 255-260].

– “Para uma Cronologia do Surrealismo Português” [texto original em francês (?)], in Phases, Paris, nº 4, II S., Dezembro, 1973 [reproduzido in As Mãos na Água a Cabeça no Mar, Lisboa, Assírio & Alvim, 1985].

–  “Comentário à carta XVIII de A. Maria Lisboa”, in Poesia de António Maria Lisboa, org. e notas de Mário Cesariny, Lisboa, Assírio & Alvim, 1977, p. 401 [comentário, mais largo, a esta mesma carta in “Prefácio”, A Poesia de Teixeira de Pascoaes, org. de M. Cesariny, 1972 e 2002 (v.)].

– “A Teixeira de Pascoaes:/ O Universo Menino/ O Velho da Montanha/ O Rei do Mar” [pintura (1979); colecção casa de Pascoaes], in Mário Cesariny, catálogo de exposição, org. João Lima Pinharanda e Perfecto E. Cuadrado, Lisboa, Assírio & Alvim, 2004, p. 148.

– “Comunicado”, in Pascoaes–No Centenário do Nascimento de Teixeira de Pascoaes, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1980.

– “Teixeira de Pascoaes” [pintura (s/d)], in Pascoaes–No Centenário do Nascimento de Teixeira de Pascoaes, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1980, p. 79.

– “Alguns Livros Tutelares” [selecção de O Bailado de Teixeira de Pascoaes, ao lado de livros de A. Breton, C. Fourier, Lautréamont, Novalis, Eliphas Levi e F. Manuel de Melo (Tratado Sciencia Cabala, 1724)], in Três Poetas do Surrealismo, catálogo de exposição, organização de Mário Cesariny, Lisboa, Biblioteca Nacional, 1981, p. 139-142.

– “O Donzel do Mar… agora Beltenebros”, [pintura (1982)], in Mário Cesariny, catálogo de exposição, org. João Lima Pinharanda e Perfecto E. Cuadrado, Lisboa, Assírio & Alvim, 2004, p. 177.

– “1915 e depois. Exposição de Vieira e Szenes nos anos 30 a 40 em Lisboa” [curiosa interpretação de Pessoa (Mademoiselle Pascoaes) como heterónimo de T. Pascoaes], in Vieira da Silva. Arpad Szenes ou o Castelo Surrealista, Lisboa, Assírio & Alvim, 1984, pp. 45-7.

– “Entrevista a Francisco Belard” [há referência às palavras de M. Cesariny (valorizando T. de Pascoaes, por contraste com o F. Pessoa dos pessoanos) in Pessoa e os Surrealistas, Fernando J. B. Martinho, Lx., Hiena Editora, 1988, pp. 37-8], in Expresso–Revista, Lisboa, 12 de Janeiro, 1985.

–“Três Perguntas a Mário Cesariny”, in A Phala, Lisboa, nº 1, Assírio & Alvim, 1986.

– “Comentário às ‘Reflexões sobre Teixeira de Pascoaes’ de Joaquim de Carvalho” [com afirmações polémicas sobre os poetas saudosistas (da Renascença Portuguesa)], in Os Poetas Lusíadas, Lisboa, Assírio & Alvim, 1987.

– “Alheio”, in O Virgem Negro, Lisboa, Assírio & Alvim, 1989, p. 23.

– “Uma Carta (de 1993) de M. Cesariny a Maria José” (v. “Anexo”), in Recordando Maria José Teixeira de Vasconcelos…, Amarante, Câmara Municipal-Biblioteca Municipal Albano Sardoeira, 2008, p. 80.

– “Amadis de Gaula”, [pintura (s/d)], in Mário Cesariny, catálogo de exposição, org. João Lima Pinharanda e Perfecto E. Cuadrado, Lisboa, Assírio & Alvim, 2004, p. 150.

Cartas para a Casa de Pascoaes, org. A. Cândido Franco, Documenta/Sistema Solar e Fundação Cupertino de Miranda, 2012.

CORREIA, Natália, “Teixeira de Pascoaes”, in O Surrealismo na Poesia Portuguesa, org., pref. e notas de N. Correia, Lisboa, Publicações Europa-América, 1973.

– “Gnose e Cosmocracia in Pascoaes”, in Pascoaes–No Centenário do Nascimento de Teixeira de Pascoaes, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1980.

–“Saudade e Soledad: Duas Formas de Melancolia”, in JL, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Lisboa, nº 328, 18 de Outubro, 1988.

– “Soneto Inconclusivo à Memória de Teixeira de Pascoaes” [não foi recolhido na Poesia Completa (Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1999)], in Cadernos do Tâmega, nº 3, Amarante, Edições do Tâmega, 1990.

SEIXAS, Cruzeiro, “Dois Desenhos de Teixeira de Pascoaes” in O Surrealismo Abrangente–colecção particular de Cruzeiro Seixas, Famalicão, Fundação Cupertino de Miranda-Centro de Estudos do Surrealismo, pp.46-47.


ANEXO – ENTREVISTA COM MÁRIO CESARINY

(realizada com A. Cândido Franco a 26-12-1997)

 

Conheceu pessoalmente Teixeira de Pascoaes?

– Estive com ele em Amarante, em 1950.

Decidiu ir a Amarante, conhecer Teixeira de Pascoaes, sem mais?

– Quem me levou foi o Eduardo de Oliveira, o autor de Monólogo, um tipo extraordinário, fora do vulgar, que parece que foi de bicicleta para Paris. Conheci os Oliveiras (O Eduardo e o Ernesto) através do Eugénio de Andrade, que era muito amigo deles. O Pascoaes fazia uma conferência no Teatro Amarantino sobre Guerra Junqueiro. Deu-me no fim a conferência impressa em livro com a dedicatória, “Ao meu querido confrade…” e seguia-se o meu nome. Conheci portanto o Pascoaes e ouvi-o falar durante mais duma hora. Mas nessa altura eu não sabia ainda quem ele era.

Que lera de Teixeira de Pascoaes, quando o conheceu, no ano de 1950?

– Apenas o Regresso ao Paraíso. Era pouco, mas dava para perceber a importância dele. De qualquer maneira, estava muito longe naquela época de perceber a verdadeira importância do Pascoaes. Pressentia apenas que se tratava dum poeta invulgar, mas pouco mais.

Quando se deu conta que Teixeira de Pascoaes era Teixeira de Pascoaes, quer dizer, para si, um poeta mais importante que Fernando Pessoa?

Isso foi muito mais tarde. Eu li e leio na velhice o que devia ter lido aos dezasseis anos. Olhe, o René Daumal, por exemplo, só agora o vou ler. Tenho ali há anos o Mont Analogue e nunca tive paciência para o ler. Com o Pascoaes passou-se o mesmo. Só o descobri a sério já haviam entrado os anos sessenta.

A edição crítica da obra de Teixeira de Pascoaes – cinco volumes de versos e seis de prosa, publicados entre 1965 e 1975 – começada a publicar nessa altura, organizada por Jacinto do Prado Coelho, teve para si alguma importância nessa descoberta?

– Muita. Tenho-a toda. E sabe que nunca lhe pagaram nada por aquele trabalhão todo? Nada, nem um tostão. Nem a ele, nem à família do Pascoaes.

E o livro de Alfredo Margarido, dedicado a Teixeira de Pascoaes, publicado em 1961, não ajudou em nada à descoberta do Pascoaes?

– Ajudou. Tenho dois exemplares do livro. Foi lá que dei com a máscara do Pascoaes pintada pelo Columbano. É reveladora.

E o livro do Olívio Caeiro, Albert Vigoleis Thelen no Solar de Pascoaes, dedicado  às relações de Teixeira de Pascoaes com o seu tradutor alemão!

– Também. Mas esse só veio vinte anos depois, em 1980.

Quando foi a primeira vez a São João de Gatão, à casa de Pascoaes, que o Olívio Caeiro chama solar mas que Pascoaes chamava apenas casa?

– Em 1950, com o Eduardo de Oliveira, na altura da conferência sobre Guerra Junqueiro. Os Oliveiras eram muito amigos de Pascoaes; já o pai deles, o médico Vasco Oliveira, o era. Vinha de família a amizade. Fomos a Gatão e a impressão que me ficou foi conventual. Não havia um único móvel na casa. Foi aí que o Pascoaes me assinou o exemplar da conferência. “Ao meu querido confrade…”, escreveu ele. Voltei nos anos sessenta e fiquei muito amigo do João Vasconcelos e da Maria Amélia, que tinham a casa com eles. Depois disso voltei muitas vezes. O João morreu em 1985 e a Maria Amélia ainda lá vive.

Como conheceu o João Vasconcelos, filho de João Teixeira de Vasconcelos, irmão de Teixeira de Pascoaes e herdeiro da casa de São João do Gatão?

– Isso passou-se há quarenta anos. Não consigo lembrar-me. Tudo o que sei é que o D’Assumpção, que também visitou muito a casa de Gatão e lá trabalhou às temporadas, o conheceu depois de mim.

Os seus companheiros do grupo “Os Surrealistas” conheciam Teixeira de Pascoaes?

– Enviei ao António Maria Lisboa o Regresso ao Paraíso, que tinha e que lera. Há carta dele notificando o envio. Fomos os dois aos Fenianos, no centro do Porto, ler o Erro-Próprio, manifesto-conferência do Lisboa. Tenho pena que o Teixeira de Pascoaes não estivesse na assistência. Se estivesse, tinha começado aos saltos. O Seixas [Cruzeiro Seixas] também leu o Pascoaes por meu intermédio. Publicámos os dois os Aforismos, numa colecção em que saíram três cadernos. Não tenho nenhum. Nem um exemplar.

Publicou em 1972 com o Cruzeiro Seixas os Aforismos e no mesmo ano a Poesia de Teixeira de Pascoaes. Como é que esta segunda antologia aconteceu?

– Foi um convite da Natália Correia, que estava então na editora Estúdios Cor.

Os surrealistas do café Gelo, que se manifestaram no fim da década de cinquenta e na seguinte, conheceram e leram Teixeira de Pascoaes?

– Deve haver referência do Ernesto Sampaio ao Pascoaes. Mas mesmo o Ernesto Sampaio não leu o Pascoaes todo. A geração do Gelo tentou ser surrealista debaixo duma ditadura fascista. O abjeccionismo deles está mais próximo do existencialismo que do surrealismo. Se petiscaram alguma coisa do Pascoaes foi por aí. O mesmo para o Alfredo Margarido.

Qual o livro que mais lhe interessa de Teixeira de Pascoaes?

– O São Paulo é forte, mas o São Jerónimo é ainda bem melhor. Foi com esses dois livros que ele conheceu o Albert Vigoleis Thelen, seu tradutor na Alemanha e na Holanda. Sabe que o Pascoaes tinha uma redoma em vidro para assistir às tempestades? Aquilo é que lhe dava a energia mental fantástica que ele tinha.

E o que diz, Mário Cesariny, de Santo Agostinho, a última hagiografia, de 1945?

– A Santa Mónica bêbeda, não é? Nunca consegui acabar o livro, porque aquilo é cá uma saraivada de granizo… Ficamos cheios de buracos e o meu corpo já não aguenta tanta pedra. Devia-o ter lido na sua idade ou mais novo ainda. Agora é tarde. Li-o no entanto o suficiente para me aperceber da sua importância. O Pascoaes deve-o ter escrito numa altura em que magnetizou várias tempestades.

E o Duplo Passeio?

– É um livro raro. Mas o melhor do Pascoaes é o Bailado. Tenho-o na primeira edição, encadernado e tudo. Foi o livro que me revelou a força poética que havia no Pascoaes. É o livro dele a que estou mais ligado.

Recorda-se na segunda parte do Duplo Passeio da cena da catedral onde São Jerónimo desce duma tela e vem dançar feito esqueleto, de cálice na mão, com uma prostituta?

– Sim. Nunca conseguiram converter o Pascoaes ao catolicismo romano, ou mesmo tão-só ao catolicismo. Foi sempre um herético. Por isso é que preferem o Leonardo Coimbra, que foi muito amigo do Pascoaes mas se acabou por converter à Igreja, coisa que nunca aconteceu com o Pascoaes.

Refere-se a quem?

– A Mário Garcia, por exemplo, que sabe muito sobre Pascoaes. O livro dele é bom, mas no fim o Leonardo parece sair mais valorizado que o próprio Pascoaes, a quem é dedicado o livro.

Não valoriza a Filosofia Portuguesa?

– Não valorizo, nem desvalorizo. Prefiro chamar-lhe a filosofia dos portugueses. Como movimento não me interessa; enquanto obra de personalidades independentes, sim. Olhe o Agostinho da Silva é forte, apesar daquilo vir também de outro lado qualquer, que ainda não se percebeu onde fica. E os estudos de António Telmo são muito bonitos. É o mínimo que se pode dizer.

Foram eles que mais falaram do Teixeira de Pascoaes quando todos se calavam?

– É verdade, apesar dalguns deles falarem muito do Pascoaes, para depois virem dizer, como o Mário Garcia, que o Leonardo é melhor.

Leu o Leonardo Coimbra?

– Sim, o Criacionismo, onde ele fala do Pascoaes. Tem coisas boas, mas não me convenceu. Pelo menos não me convenceu tanto como o Pascoaes, que foi uma revelação tremenda.

Por que razão o Mário Cesariny, tendo conhecido Teixeira de Pascoaes em 1950, só vinte anos depois é que se apercebe da sua importância?

– Eu comecei como neo-realista e o neo-realismo era uma escola de preconceitos muito rígidos. Não nos deixava ler isto e não nos deixava fazer aquilo e aqueloutro. Era uma orquestra de proibições. Fui muito marcado por isso.

Mas o Mário Cesariny depressa se libertou da influência neo-realista…

– Houve coisas que ficaram no subconsciente. O aspecto reactivo ao Pascoaes deve ter sido uma delas, tanto mais que vinha de antes. Foi das coisas mais duras de roer ao longo da segunda metade do século XX em Portugal. Ainda hoje você sabe como é. Pascoaes é persona non grata. Ainda bem!

Sabe que Óscar Lopes (v. entrevista ao jornal Público, a propósito da décima sétima edição da História da Literatura Portuguesa) já deixou de considerar o Mário Cesariny um poeta irregular, para o juntar agora a Teixeira de Pascoaes, a quem considera um escritor provinciano, de terceira classe, uns furos abaixo do Malheiro Dias?

– Desconhecia. Mas sinto-me muito honrado com a companhia. Não podia estar melhor.

Há quem diga que o Cesariny, hoje com 74 anos, se parece fisicamente cada vez mais com Teixeira de Pascoaes, que desapareceu deste mundo aos 75 anos?

– Só posso atribuir isso a um fenómeno surrealista, o acaso objectivo, a que nós aqui, em português, chamamos coincidências alarmantes.

Teixeira de Pascoaes e Fernando Pessoa?

– Pessoa tinha uma mesa de café para escrever e a rua com os carros. Pascoaes tem um castelo e uma serra de bronze, mesmo em frente. O que é que você escolhe?

Compreendo. Quer dizer mais alguma coisa de importante sobre Teixeira de Pascoaes?

– É preciso arranjar uma fotografia do Zé Cobra. O Zé Cobra foi o criado particular do Pascoaes. O Pascoaes foi padrinho duma filha dele, a Adelaide, que chegou a herdar terras e manuscritos do padrinho. É uma figura até hoje sem rosto.


REVISTA TRIPLOV

série gótica

Verão de 2019