Poesia e JPE


VI ENCONTRO TRIPLOV NA QUINTA DO FRADE
Casa das Monjas Dominicanas . Lumiar . Lisboa . 14 de Julho de 2018


RUI GRÁCIO
Poesia e JPE


Caras amigas e amigos,

A minha intervenção desta tarde (Lumiar, 14.07.18) exprime-se em três partes, tendo a JPE de fundo (JPE=iniciais de Justiça, Paz e Ecologia):

  1. Breve reflexão estética
  2. Declamação de três poemas pessoais
  3. Canto de “Blowin’ in the wind”, à guitarra.

Vamos a isso! 

(BREVE) REFLEXÃO ESTÉTICA: ”Holismo, Arte e a JPE”[1]

O que significa a expressão ´Holismo´? Trata-se de uma filosofia, de um paradigma, de uma atitude mental e espiritual perante a vida. O Holismo, como paradigma, implica que o Todo predomina sobre as partes. Tudo está interligado, em conexão permanente (=entrelaçamento quântico, em Física). Implica também que a nível antropológico tem que haver um equilíbrio entre dedução/argumentação/raciocínio, por uma parte, e intuição, por outra. Intuição tanto sensível como inteligível, como se diria em Filosofia. Trata-se da famosa integração dos opostos, do dual. Superação do unilateralismo. Vai unido à Espiritualidade Holística, à Mística do “aqui-e-agora”.

Holismo e Arte. Precisamos de falar neste ponto de uma proposta de “estética holística”. Isso implica uma inter-relação de:

(a) no âmbito mais “externo”, conjugação das Artes: como já expus outras vezes, apelo à integração das Artes e não à sua separação (na Poesia, especialmente ligada à Música: acho que os poemas deveriam ser, idealmente, musicados e cantados); (b) defendo a Arte temática e programática (mas respeito também outras atitudes estéticas: aliás, penso que há que conjugá-las todas, dependendo do objetivo da intervenção artística); e (c) especialmente o aspeto holístico aparece na conjugação da Poesia com a JPE.

Outro aspeto do Holismo com influência em Estética seria a da integração dos opostos: contemplação e ação, teoria e práxis (transformadoras), cognitividade e emotividade… Neste sentido, a Poesia (e demais Artes) levariam à integração da transformação do mundo e à nossa própria transformação interior (ambas conjugadas). Isto implica a des-unilateralização do nosso pensamento e da nossa vivência estética.

De uma maneira mais específica, isto implicaria, na minha opinião, uma integração da formalidade poética (poesia musicada, ainda melhor: canção) com a materialidade (conteúdos) da JPE (Justiça social, Paz/Nãoviolência, Ecologia Integral).

Desta maneira, a Poesia não se dedicaria a falar, como se diz em inglês, de “Bees and Trees”, mas de intervenção social, Política com maiúscula (de ‘polis’, cidade, cidadania) (“P” maiúsculo, no sentido de preocupação pela Comunidade, vs. “p” minúsculo, ou “política partidária”/”partidista”).

Assim, temas como o exílio e a condição migrante, a situação da mulher e/ou de género, a destruição das florestas e de certas espécies, o aquecimento global, o “des-norteamento”/ “des-orientação” espiritual da Humanidade atual, a objetualização das e dos trabalhadores, a precariedade, a marginalização de certas etnias, a exclusão dos jovens e das crianças, o trabalho infantil, por exemplo, são temáticas suscetíveis de ser tratadas pela arte poética. Claro, a questão é tratar toda esta temática com sentido artístico, com qualidade estética… Ou seja, podem ser fonte de inspiração estética. E, neste mesmo sentido, são também contribuições à transformação da consciência e do mundo para um Planeta mais feliz e habitável.

Dito de uma maneira mais geral: os grandes temas da Justiça Social, da igualdade (“todos diferentes, todos iguais”), do binómio serviço vs. poder (por exemplo, o do “serviço à Humanidade”, de Edith Stein, ou do “Ajudar a Deus”, da Etty Hillesum), juntamente com as temáticas da Paz/Nãoviolência, tanto interior como social y política (unidas ao respeito pelos Direitos Humanos da 3ª. e 4ª. gerações e futuros direitos a descobrir), e da Ecologia (“Nós somos Natureza!”), podem ser sempre Poesia temática (nesta área da JPE).

Isto não é algo novo! Mas haverá que reformulá-lo hoje numa nova linguagem, sensibilidade e abertura de espírito. Haverá temáticas novas com respeito ao passado, outras serão retomadas e a Poesia pode ser assim também o que poderia denominar “Poesia estrutural”, ou seja, Poesia que toca (e “incendeia”!) as estruturas económicas, políticas, sociais e culturais/espirituais da Sociedade.

 

Textos poéticos pessoais 

Passo a recitar agora três poemas da minha autoria, que têm na base esta questão do encontro entre Poesia e JPE. De fundo, ouve-se a música do CD Ancient ambient flute, inspirada na música clássica indiana, especialmente nas Ragas. As Poesias estão tomadas do meu livro Mística e Revolução (Espiritualidade, Poesia e Ensaio para um Novo Milénio)[2] .

 

  • O PROFETA DA GALILEIA 

Jesus de Nazaré,

o primeiro d@s Anarquistas,

revolucionário d@s Pobres,

cujo Deus era Revolução

(e não só!):

“@s últim@s serão @s primeir@s

e @s primeir@s, @s últim@s”

(Mt 20,16).

Paradoxal Inversão Messiânica,

Reinado do Povo,

sem Romanos nem Saduceus,

sem Sumos Sacerdotes nem Fariseus,

sem Escribas nem Publicanos,

que aos/às últim@s oprimam e excluam.

Revolução Radikal

à esquerda da Esquerda,

calcada e manipulada

pelos poderosos

do Império.

Fé histórica

em Religião institucionalizada

con-formada,

Utopia de Transformação

em Ópio e Negócios

transmutada.

Ressurreição d@s Crucificad@s!

Definitivamente,

não te mataram!

Desse Grande Sonho

precisamos,

do Grande Sonho

do Profeta galileu,

daquele que comia, dormia e respirava

o mesmo ar d@s Derradeir@s,

d@s que não contam:

era certamente um deles/as!

Apesar de tudo,

vivo continuas,

pois o teu Deus d@s Pobres

uma VIDA sem fim concedeu-te,

nas mãos d@s que,

nos infernos da História,

vegetam.

Vem connosco,

Jesus de Nazaré,

vem connosco

hoje

incendiar

os Templos

e rasgar

o Sagrado Véu

do deus-Mercado!

manágua

1998

 

  • O APÓSTOLO HINDÚ 

Espírito Grande,

Corpo pequeno,

Mahatma Gandhi,

radical profeta

da Não-Violência,

da Não-Co-oper-ação,

da Objecção de Consciência,

em VIDA permanente,

em Universal Comum-Unidade.

Tod@s somos Irmãs/ãs!

De novos sendeiros

hinduísta reformador,

por evangélico Sermão da Montanha

seduzido,

cristão de facto,

fabricante de um Mundo Novo

em Ahimsa y Satyagraha.

Trabalhar com as mãos

(um Fuso,

o teu meio de produção),

reivindicativo silêncio,

bengala nua,

jejum combativo,

insigne Força Moral

em factos políticos,

anti-maquiavélicos,

sobretudo

(Meios e Fins

em total coerência

articulados:

a Ética como Política,

a Ética na Política,

a Política como Ética Colectiva).

Apóstolo ecuménico

em práxis sistemática,

paixão de Mudança,

transformando Conteúdos e Formas,

inimaginavelmente criador

(a Imaginação ao Poder!):

Revolução = Criatividade Permanente.

Alter-Natividade,

Vítima de Orto-doxos,

a Paz como VIDA,

como Caminho,

como Método,

a Paz,

envolvida com Justiça, Dignidade e Direitos Humanos.

Místico prático da Índia,

quem

tuas pegadas,

no próximo Milénio,

pro-seguirá?

 

manágua . 04.03.98

 

  • UM QUILOMBO CHAMADO LIBERDADE[3]

Zumbí

de Palmares,

zum-bido

de Auto-nomia,

u-topia terrenal,

uma nova sociedade,

autogestionária,

onde coubessem

(e continuem cabendo!)

Negr@s e Branc@s,

Índi@s e Mulheres,

Pobres e Explorad@s,

Camponeses/as e Sub-urban@s,

Periféric@s.

Esperança

de Negro

vestida,

porque,

para @s Ácratas,

igualmente o Futuro é Negro.

Libertário libertador,

onde o Sonho

continua sendo possível,

onde a Terra é fecunda Mãe

e onde o Corpo

ginga em capoeira,

que isso é,

precisamente,

a VIDA Eterna.

Deus

também

é

Negr@!

 

manágua . 03.03.98


CANÇÃO 

Finalmente, vou cantar com a guitarra uma canção de intervenção social, da autoria do Prémio Nobel de Literatura de 2016, Robert Allen Zimmerman, mais conhecido internacionalmente como Bob Dylan, num dos seus mais conhecidos protest song contra a guerra, e em favor da paz e da liberdade. Chama-se, como é sabido,

BLOWIN’IN THE WIND 

BOB DYLAN

 I

How many roads must a man walk down,

Before you call him a man?

How many seas must a white dove sail,

Before she sleeps in the sand?

How many times must the cannon-balls fly,

Before they’re forever banned?

THE ANSWER, MY FRIEND, IS BLOWIN’IN THE WIND,

THE ANSWER IS BLOWIN’IN THE WIND (bis).

II 

How many years can a mountain exist,

Before it is washed to the sea?

How many years can some people exist,

Before they’re allowed to be free?

How many times can a man turn his head,

And pretend that he just doesn’t see?

 

THE ANSWER, MY FRIEND, IS BLOWIN’IN THE WIND,

THE ANSWER IS BLOWIN’IN THE WIND (bis). 

III

How many times must a man look up,

Before he can see the sky?

How many ears must one man have,

Before he can hear people cry?

How many deaths will it take till he knows

That too many people have died?

 

THE ANSWER, MY FRIEND, IS BLOWIN’IN THE WIND,

THE ANSWER IS BLOWIN’IN THE WIND (bis).

 

 

Muito obrigado!

rui manuel grácio das neves

lisboa . 26.07.18.


[1] Exponho aqui basicamente a minha intervenção, feita de um modo esquemático. Sei que precisaria de esclarecimentos mais amplos e profundos, mas não há espaço nem tempo aqui e agora.

[2] CEPSE, Benedita 2012).

[3] A ZUMBÍ, desde Palmares líder da libertação d@s noss@s irmãos/ãs afr@s. Recordando igualmente o 8 de Janeiro de 1454, quando o Papa Nicolau autorizou o Rei de Portugal a escravizar qualquer nação do mundo africano, sempre e quando se lhes desse o Baptismo, claro…


REVISTA TRIPLOV DE ARTES, RELIGIÕES E CIÊNCIAS
série gótica. Outono . 2018