Poemário

RUBENS JARDIM


“As coisas. Que tristes são as coisas consideradas sem ênfase.”
Carlos Drummond de Andrade

Sem ênfase
As coisas permanecem
Sendo coisas.
O avião não levanta vôo
E o gesto não sai do corpo
Se não houver ênfase.
É a ênfase que arruma
A louça na cristaleira
E o lenço bordado na gaveta.
Sem ênfase
Ninguém salva as flores
Do mal. Nem as Cinzas
Das Horas.


TRANSFIGURAÇÃO

Mudas, no papel, as palavras
pronunciadas voam
que nem passarinhos.

Será que elas criam ninhos
… nos teus ouvidos?


REFLEXÃO

Sou casca no chão
Sou raspa de pote
-Sou minha insurreição!


BAGAGEM

Na mochila ou na valise
a rigidez das fronteiras
é uma ordem. Desobedeça!


BATIMENTO CARDÍACO

No pulso da palavra
sinto bater
o coração do mundo


MINIMALISTA

Minha alma é pequena
e minha memória menor ainda.
Não fosse isso estaria mais perto
daquilo que me corrói:

O leite derramado.


RECICLAGEM

O sol é o mesmo
A água é a mesma
– Eu é que sou a lesma!


RETRATO

Até que enfim
Não dei em nada
Dei em mim


PIETÁ
Tão longe do meu olhar
fechada em si
e a si mesma devotada
a pedra, na Pietá
adentra o gesto
adensa a face
no apedrar-se da luz
no apiedar-se da pedra


OSCILAÇÃO
Ando por aí
paro em qualquer lugar.
Bebo guaraná
e vejo que Deus está
numa casa nova
e você sorrindo
por dentro. Por isso
tomemos um rum
neste lugar onde tudo
o que era já não é.

Diga aonde e quando
o amor é explicável.
Mas não repita
as ladainhas de sempre.

Meu coração é sinistro
e não está no seguro.

Tudo é justificável, claro.

Mas às vezes eu preciso ir
Não sei para onde
mas eu preciso ir.

Sou hostil ao meu tempo:
não uso relógio
e não suporto o mundo.

Por isso escrevo
quieto no meu canto.

Falo pouco, ouço nada
e vejo menos ainda.

Mas minha pele sente o sol
e arde com o sal desses
mares já antes navegados.

Camões é referência, amor.

Pessoa é paixão
–sem fim e sem começo.

Por isso diga
diga sem frescuras
quanto custou essa mistura
essa domesticação dos desejos.

É claro que toda porta se abre
e se fecha e não adianta
o sábio explicar o combate
das substâncias.
O amor oscila entre dois
opostos: o cárcere e o refúgio.


Rubens Jardim (1946, Brasil), jornalista e poeta. Publicou poemas em diversas antologias no Brasil e no exterior.É autor de três livros de poemas: Ultimatum (1966), Espelho Riscado (1978) e Cantares da Paixão (2008). Promoveu e organizou o ANO JORGE DE LIMA, em 1973 em sequência ao livro mimeografado JORGE,80 ANOS (uma espécie de iniciação à parte menos conhecida e divulgada da obra do poeta alagoano).Integrou o movimento CATEQUESE POÉTICA, iniciado por Lindolf Bell em 1964, logo após o golpe militar. Nosso lema era: o lugar do poeta é onde possa inquietar. O lugar do poema são todos os lugares.Participou da I Bienal Internacional de Poesia de Brasília (2008), com poemas visuais no Museu Nacional e na Biblioteca Nacional. Fez também leituras no Café Balaio, Rayuela Bistrô e Barca Brasília e participou da Mini Feira do Livro, com o lançamento de Carta ao Homem do Sertão, livro-homenagem ao centenário de Guimarães Rosa. Em 2011 passou a dedicar o seu blog –www.rubensjardim.com—exclusivamente à série AS MULHERES POETAS…No final de 2012, uma seleta de seus poemas, Fora da Estante, foi publicada na Coleção Poesia Viva, do Centro Cultural São Paulo. Em setembro de 2015 começou a fazer curadoria, em parceria com o poeta e ator Davi Kinski, do Sarau Gente de Palavra Paulistano, realizado mensalmente no  Patuscada, Livraria e Café. Em 2016 criou, com vários amigos, o Sarau da Paulista que acontece no último domingo do mês na Paulista esquina com Peixoto Gomide.


© Revista Triplov . Série Gótica . Inverno 2017