Eu nasci argila de sombra

TRIPLOV.COM MATÉRIKA SURREALISTA
MARIA ESTELA GUEDES (TEXTO) & MAGDALENA BENAVENTE (ARTES PLÁSTICAS)


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ficam mais perto dos cinquenta do que dos quarenta os artistas que constituem a mostra surrealista agora apresentada, em parceria com a Matérika – Revista de Arte e Literatura. Deve-se tão grande exposição à aliança com Alfonso Peña, seu diretor, artista da Costa Rica .

Na maior parte, os artistas que nesta mostra representam o movimento,  oriundos das sete partidas do mundo, estão vivos. A modernidade, a partir das vanguardas dos anos sessenta e setenta, deixa os artistas órfãos de estabelecimentos que os acolham em novos projetos estéticos, como costumavam até então ser as revistas. Revistas como Orpheu, em Lisboa, ou como, décadas depois, a VVV de André Breton, em Nova Iorque. Porém, se deixaram de existir revistas que de dentro para fora proponham formas idiossincráticas de estar na vida e na arte, é de fora para dentro que os artistas inclinam esteticamente as publicações disponíveis. O Triplov assim o documenta: com 18 anos de vida, o website é hoje um dos focos surrealistas mais relevantes, não porque eu, pessoalmente, o tenha querido assim, mas porque o Triplo V atraiu para nós as vozes surrealistas que navegavam na Internet. Exemplos mais sintomáticos, pela representatividade, são a Agulha Revista de Cultura, conduzida por Floriano Martins, e agora a Matérika, dirigida por Alfonso Peña, a quem agradeço o companheirismo e manifesto toda a solidariedade artística.

Porém o surrealismo a mostrar não se fica pelo conhecido e vivo. À lista dos mais de quarenta nomes já indexados, é preciso acrescentar os de António Cândido Franco, de Luiz Pires dos Reys e de Gabriel Rui Silva, que por sua vez trazem ao palco um para mim novo novo surrealista português, Henrique Tavares (1925-2003), que passarei a designar por Varik, nome com o qual também assinava este artista da geração do Café Gelo /segunda geração surrealista, por conseguinte companheiro de Manuel de Castro, de Herberto Helder e de Luiz Pacheco, entre alguns mais.

Henrique Tavares_Varik_Obra vol I_Poesia
(abre em pdf)

Já várias vezes me pronunciei sobre o extraordinário contributo de António Cândido Franco para o conhecimento da cultura portuguesa do século XX, mais concretamente do surrealismo português (e outro), quer estampando surrealistas e textos sobre eles nas páginas da anarquista revista Ideia,  quer  promovendo reedições e edições de obras completas dos que jaziam à sombra dos nomes maiores. Assim sucedeu, caso mais próximo da minha escrita, com a reunião dos textos de Manuel de Castro no volume Bonsoir, Madame, e assim sucede agora, com a saída do volume primeiro da Obra Completa  (Lisboa, Edições Sem Nome, 2018) de Henrique Tavares/Varik, apesar de também vir apresentada como provavelmente incompleta.

A uma primeira leitura de alguns poucos poemas, diria que Varik está mais próximo da poesia algo abstrata de António Maria Lisboa do que da mais ferida, emocionalmente falando, de Manuel de Castro ou de Herberto Helder. Isto apesar de Varik nos pôr perante o clássico dilema cidade/campo, que Eça de Queirós tornou um dos ícones da ficção portuguesa, quer no romance A cidade e as serras, quer no conto Civilização. E apesar de Varik, pág. 150, manuscrever, em carta, que os homens têm as suas raízes nas forças da natureza.

É uma poesia subtil, sofisticada, impregnada da simbologia da obra alquímica, talvez por isso secreta, como alegam os responsáveis pela edição. Curioso é deparar com alguns fios de sentido alusivos à lusitanidade, como a convicção de que o poeta é incumbido da missão de  viajar no sonho, alguns destes fios alusivos à pedra filofal podem conduzir o leitor até aos temas mais fundos da Filosofia Portuguesa.


Henrique Tavares (Portugal, 1925-2003)

Magdalena Benavente (Chile, 1965)


TRIPLOV.COM MATÉRIKA SURREALISTA
Matérika – Revista de Arte e Literatura:
http://www.revistamaterika.com/es_materika_13/home.html

REVISTA TRIPLOV  . SÉRIE GÓTICA . VERÃO DE 2018
PORTUGAL