Revista TriploV DE Artes, Religiões e Ciências

Direção|Maria Estela Guedes & Floriano Martins

PÁGINA INDEX Número 03|JANEIRO 2010

NÚMERO 03

JANEIRO 2010

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Crítica e ruptura – A Inocência de Pensar de Floriano Martins

 

Teresa Ferrer Passos

     Na transgressão das escritas e das imagens, os ensaios críticos rompem como construções da palavra e da voz. Nesta ruptura inscrevo A Inocência de Pensar de Floriano Martins, recentemente publicado por Escrituras Editora, com sede em S. Paulo. A transgressão é, em Floriano Martins, um modo de ser muito especial que o intelectual deve subscrever, como se fosse uma superior necessidade, se não mesmo uma transcendência terrena.

A essência do pensar torna-se para Floriano Martins um objectivo de vida. A sua obra variegada – poesia, ensaio, ficção, pintura, etc. – marca, em quem a conhece, um percurso pleno de seriedade. Cada circunstância torna-se na escrita-imagem de Floriano Martins, uma paisagem sem nuvens nem véus mais ou menos velados. A língua apresenta-se como uma transcendência demasiado humana, como disse, algum dia, Nietzsche. E dizemos demasiado humana porque Floriano Martins ultrapassa toda a palavra escondida ou a esconder, toda a ideia suspeita ou sob suspeição; descobrimos nos seus trabalhos literários ou nas suas composições feitas de formas-imagens uma intencionalidade transparente, plena de cântico à natureza, à forma-imagem, como dissemos atrás.

Se pensar é uma inocência, Floriano Martins apontou o dedo na direcção certa. Na verdade, o paraíso está na interioridade humana ou não está em lado nenhum. O paraíso, metáfora da natureza pura do Homem, recolhe-se ao coração aberto como um mar sem fim, no autor de A Inocência de Pensar. Numa análise fecunda a um vasto número de escritores latino-americanos – desde o Brasil ao Chile e à Venezuela, desde a Espanha a El Salvador, à Colômbia, Panamá ou à Costa Rica –, o autor analisa a sua conformidade com os tempos em que se projectou a sua escrita, tomando como ponto de partida fundamental a sua personalidade, os seus desvios e as suas contingências perante os obstáculos, os contratempos e as modas da sua controversa época.

Como escreve a propósito de Sânzio de Azevedo “o pensamento crítico alimenta a compreensão histórica da nossa passagem por este mundo, razão pela qual cabe ao crítico fundar-se a partir de um diálogo perene com todas as forças que nos orientam e desorientam” (p. 228).

Não podemos deixar de fazer uma alusão ao prefaciador de A Inocência de Pensar, Jacob Klintowitz. Respigamos do seu texto elucidativas frases que nos oferecem um retrato bem definidor da identidade intelectual de Floriano Martins: nele “perpassa o mistério da amorosidade”; “ao invés da sentença, ele prefere o retrato do artista” (p.11) ou ainda “o único lugar habitável é a utopia” (p. 12).

Na leitura dos vários ensaios inseridos nesta obra, encontrámos, abundantemente, esta ligação de Floriano Martins ao fraterno diálogo, à busca da personagem oculta nas palavras e ao fantástico lugar da utopia, esse estado de espírito construtor da inventabilidade. De facto, o mundo da utopia não pode deixar Floriano Martins indiferente. Ele é um artista da palavra e da imagem. Por isso, aí se coloca. A utopia é a transcendência do humano. Nela tudo o que é humano ganha espaço e um espaço de futuro.

O caminho da humanidade é árduo, é agreste, é inseguro. Mas esse caminho pode cobrir-se de sentidos e de sentimentos que o dimensionam à escala da sagração deste “animal pensante” de que nos fala Floriano Martins. Mesmo quando o célebre marquês de Sade rompe com a sociedade sua contemporânea, procurará ele regressar àquele “paraíso perdido” a que o poeta inglês John Milton nos quis conduzir?

Na entrevista concedida a Floriano Martins (aqui publicada), Eliane Robert Moraes, a autora do livro Lições de Sade – ensaios sobre a imaginação libertina, diz: “Sade projecta sua ficção de um homem completamente livre” (p.158). E, mais adiante, nesta excelente abordagem de Sade, Martins indaga: “Até que ponto interessa distinguir perdas e ganhos de linguagem, ocasionados justamente pela obsessão de um projecto maior que extrapola os domínios da própria linguagem?” (p.161). E vai mais longe, em outra questão posta a Eliane: “Para além da incitação à liberdade total, estaria Sade empenhado em descarnar a tragédia de uma sociedade cuja hipocrisia confundia virtude e vício?” (p.163).

Ao abordar Amedeo Modigliani, diz-nos Floriano Martins que ele “definiu uma erótica, em contraponto a um brutal preconceito carnal existente” (p.116). Depois, “caminhando com o espírito de Ghérasim Luca”, refere a sua conotação surrealista ao conjugar “amor, erotismo, sonho, humor negro (…) em uma orgia de imagens que se enriquecem à medida que afirmam o quanto estão vivas, atuantes, dentro do mundo, dentro de nós” (p.121).

De relevante interesse são também as polémicas biográficas à volta de Carlos Drummond de Andrade (47 páginas) ou as suas considerações sobre António Bandeira (com 45 páginas). Debruça-se sobre “os segredos da imaginação” em Marcel Schwob. Refere-se a Max Ernst como “um dos nomes cimeiros da arte neste nosso controvertido século” (p.111), uma dessas “criaturas de fogo” do tempo. E não podemos esquecer a sua entrevista a Michel Roure, “absolutamente clandestino”, numa verdadeira “sequência de filmes ou de documentários” (p.167).

Nestes socalcos da literatura e da vida se envolve Floriano Martins, quer através do artigo, quer através das perspicazes entrevistas, aqui reunidas. E tudo faz com a força dos impulsos da “Inocência de Pensar”, porque “na língua [a língua portuguesa] é que se encontram as raízes das nossas ambiguidades” (p.139). A língua, nota Floriano, não a cultura. E aqui chama a atenção para a criatividade, a invenção de uma língua, como sendo o seu mais importante sustentáculo. A língua é a raiz e o notável instrumento de todo o pensar e, como tal, a língua lança as bases de uma fulgurante “inocência”. Uma inocência a arriscar e sempre pronta para a novidade.  

Teresa Ferrer Passos (Portugal, 1948).
Historiadora, ensaísta, poeta e narradora. Criou, em 2007, um sítio web intitulado Harmonia do Mundo:
www.harmoniadomundo.net. Recebeu o Prémio/Monografia, atribuído pela Sociedade Histórica da Independência de Portugal, em 1989, ao ensaio intitulado Fernão de Oliveira — 1º Gramático de Língua Portuguesa, livro que viria a ser publicado em 1994. Traduziu A Semana Santa (romance histórico), de Louis Aragon (2003). Publicou, dentre outros livros: O Sentimento Patriótico em Portugal (colectânea de artigos publicados sobre a psicologia colectiva do povo português, 1983), A Revolução Portuguesa de 1383-1385 (ensaio histórico, 1984), Eu, Nuno Álvares (romance histórico, 1987), Fragmentos-de-Sol (poesia, 1993), O Grão de Areia (contos de ficção científica, 1996), Álbum de Amor (poesia, em co-autoria com Fernando Henrique de Passos, 1998), A Restauração de 1640 e D. Antão de Almada (1999), Ensaios Literários e Críticos (2001), Anunciação (romance, 2003), e Novo Álbum de Amor (em co-autoria com Fernando Henrique de Passos, 2005). Contacto: termarpassil@harmoniadomundo.net.

Floriano Martins (Fortaleza, 1957)
Poeta, ensaísta, tradutor, editor e artista plástico. Participou das seguintes mostras coletivas:
“O surrealismo” (Escritório de Arte Renato Magalhães Gouvêa, São Paulo, 1992), “Lateinamerika und der Surrealismus” (Museo Bochum, Köln, 1993), “Collage - A revelação da imagem” (Espaço expositivo Maria Antônia/USP, São Paulo, 1996), e “I Muestra Internacional de Poesía Visual y Experimental” (Escuela de Artes Plásticas Armando Reverón, Caracas, 2009). Em 2005, participou como “artista convidado” da edição # 17 da Agulha – Revista de Cultura, com uma mostra de 50 colagens. Assina diversas capas de livros seus e de outros autores. Em maio de 2000 realizou o espetáculo Altares do Caos (leitura dramática acompanhada de música e dança), no Museu de Arte Contemporânea do Panamá. Um ano antes também havia realizado uma leitura dramática de William Burroughs: a montagem (colagem de textos com música incidental), na Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo. Em 2006, a mostra Teatro Impossível, reuniu leitura de poemas, canções, colagens e fotografias (Centro Cultural Banco do Nordeste, Fortaleza). Espetáculo similar realizou em 2009, durante o Festival Internacional da Cultura (Colombia). Esteve presente em festivais de poesia em países como Chile, Colômbia, Costa Rica, República Dominicana, El Salvador, Equador, Espanha, México, Nicarágua, Panamá, Portugal e Venezuela. Coordena a coleção “Ponte Velha”, de autores portugueses, da Escrituras Editora. Em 2009, publicou os seguintes livros: A alma desfeita em corpo (poemas, Lisboa), Fuego en las cartas (antologia poética, Espanha), A inocência de Pensar (ensaios, Brasil) e Escritura conquistada. Conversaciones con poetas de Latinoamérica. 2 tomos (entrevistas, Venezuela).

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