TÍLIA RAMOS

ELEKTRACHOCA-ME
REESCREVO HOJE A "MALDITA" VIAGEM DE CARRO A LAMEGO, HÁ
ANOS, MUITOS, POUCOS, MAS QUE SE ME AFIGURAM HOJE TÃO
DISTANTES E LONGÍNQUOS COMO SÉCULOS.

AS ÁRVORES CARBONIZADAS DEPOIS DE UM INCÊNDIO, QUAIS VIÚVAS
NEGRAS ERGUENDO OS BRAÇOS AOS CÉUS À ESPERA TALVEZ DA
DÁDIVA DA ÁGUA, O CALOR DA ESTRADA DE ALCATRÃO, A PAISAGEM
DOBRANDO-SE À PASSAGEM DE MAIS UM CAVALO METÁLICO. E EU UM
PÊNDULO OSCILANDO EM TORNO DE MIM PRÓPRIA, PERDIDA, SEM RUMO
CERTO A SEGUIR...

A PORTA DA QUINTA ONDE O CÃO DE GUARDA NOS BARROU A ENTRADA.
O SABOR DAS AMORAS SILVESTRES COLHIDAS NOS CAMINHOS
POEIRENTOS, PENSO QUE FOSSE O SOL DESAPIEDADO E O SEU CALOR
BRAVIO SECANDO OS OLHOS DOS TRIGOS OU VINHAS. APENAS AS
AMORAS PERSISTIAM E EU SEMPRE A SOMBRA DA MÃE.
IMAGEM OBSESSIVA DA GRANDE DAMA QUE DE FACTO É, A DIVA QUE EU
NÃO CONSEGUI SER, A IMAGEM DOLOROSA, AMARGA, TERNA DO MEU
PAI, HOMEM DE TEMPERAMENTO VIOLENTO MAS EM SIMULTÂNEO A
INFINITA DOÇURA DOS NOSSOS PASSEIOS DE INFÂNCIA, TRANCADOS E
ARRUMADOS NA PRATELEIRA DAS MEMÓRIAS.

ESTOU AGORA TÃO DISTANTE E LONGE DESSA DOR, O AMARGOR
CAUSADO PELOS REMÉDIOS E SEGUIDAS CONTÍNUAS INJECÇÕES...

EU NÃO COMPREENDIA PORQUÊ E PARA QUÊ. ALGUÉM (RAUL) DISSE:
TALVEZ UM DIA ENCONTRES O TEU EQUILÍBRIO.
DEIXEI-ME DE FUNAMBULISMOS E VOTEI O MEU SEXO ENORME À
SOLIDÃO.
COMPREENDO-ME BEM!
DEPOIS DE UMA PAIXÃO LUNAR RESSURJO DAS ÁGUAS QUAL DEUSA
MARINHA, ENCONTREI-ME, NA OLARIA, COM POUCOS PRIVILÉGIOS.
NÃO ME IMPORTO POIS TAMBÉM ESTE TEXTO ATESTA A MINHA PAZ
INTERIOR.

ELECKTRACHOCA-ME, HOJE, TALVEZ SEMPRE, ÉDIPO ANDA A PAR COM
ELECKTRA, POIS VIVO DE SAUDADE E ÓDIO DO PROGENITOR. ADVOGADA
QUERIA, CANTORA A MÃE DIZIA, PAREM! PARARAM!

AINDA BEM QUE SOU DIFERENTE DELES, O CARDO OU O FARDO DO PAI E
DA MÃE, JAMAIS!

SOU, VAGUEIO PELA VIDA E SE AO MORRER APENAS RESTAR SOMBRA
DO ROSTO MEU, QUE FIQUE A ESCRITA PARA ATESTAR A POESIA QUE
FUI E SOU!
Portugal, 1999


A MÃO TORTURADA POR UM OLHAR
Somos duas chamas ardentes,
somos duas estrelas cadentes.
Somos como cão e gato,
como um ser inadaptado
com vontade de viver
e condenados a amar.
A mão torturada por um olhar
um lírio e uma margarida
amando-se, sem deixar de
abrir a cúpula de uma ferida
sentida e de vida sofrida.
No entanto, a sereia canta como
lira de Orfeu para aliviar
a alma do seu amor ateu...