:::::::::::::::::::::::JOÃO GARÇÃO:::

RAUL PROENÇA, LEITOR E CRÍTICO DE FLORBELA ESPANCA

“ [...] Só há dois dias soube do horrível desgosto por que está passando. Não calcula como o lamento e como compreendo o seu tremendo sofrimento conhecendo, como conheço, a arreigada afeição que tem pelos seus, e tendo eu própria sofrido com a morte repentina do meu querido irmão o que nunca pensei que pudesse sofrer.

Todos os desgostos por que tem passado, as cobardias e injustiças que o têm tentado esmagar, o seu exílio nada disso conta hoje ao lado desse profundo golpe ao seu coração de pai tão amigo.

Nada lhe digo nem lhe falo de resignação e paciência sabendo quanto tudo isso é inútil quando a gente se sente esmagado por um fado mais pesado do que poderia merecer. Que os seus outros filhinhos o possam ver desaparecer a si, é tudo quanto de consolador lhe posso desejar para o futuro.

Para a pobre mãe, tão cheia de desgostos, vai um grande quinhão da minha simpatia e da minha profunda piedade. [...] ”.

Raul Proença recebeu esta carta (1), datada de 2 de Dezembro de 1927 e assinada “Florbela Espanca Lage”, já em França, país onde se encontrava homiziado na sequência do fracasso da revolta democrática de Fevereiro de 1927 na qual tomara parte como elemento da área de interligação e informações. Florbela Espanca solidarizou-se assim com esse republicano, dirigindo-lhe estas palavras de conforto na sequência do falecimento da filha Berta (2), mas também não se esquecendo de apontar como “ crimes e cobardias” as atitudes protagonizadas pela Ditadura Militar e seus apaniguados na tentativa de prejudicar e desacreditar Raul Proença (3).

Quem era este homem por quem Florbela nutria elevada consideração? E como entrou ele no circulo de relacionamentos da poetisa calipolense?

Raul Sangreman Proença nasceu nas Caldas da Rainha em 10 de Maio de 1884, tendo passado a sua infância também em Leiria e em Alcobaça em consequência das deslocações profissionais de seu pai, funcionário público. Após uma breve estadia liceal em Coimbra, transferiu-se para o Liceu do Carmo, em Lisboa, tendo neste estabelecimento iniciado a sua formação ideológica republicana. Esta foi decisivamente consolidada durante a sua frequência do Instituto Industrial e Comercial de Lisboa, a partir de 1902. Aqui, participou na constituição do “Grupo Teófilo Braga” (4), o qual atesta a sua admiração pelo pensador açoriano e pela sua obra. Neste Instituto amadureceu também o seu primeiro sistema filosófico-político, interpenetração de aspirações políticas republicanas com preceitos filosóficos hauridos no Positivismo ( sobretudo tal como este foi divulgado por Teófilo Braga, após a filtragem por si realizada), no Monismo haeckeliano e numa particular concepção de Evolucionismo (decorrente da sua admiração não apenas por Darwin mas também por Lamarck)(5). Este sistema era cimentado pela defesa intransigente de uma ética de vida que valorizasse o ser humano como sujeito criador de uma sociabilidade qualitativamente superior, tanto na esfera privada como na actividade pública.

Terminado o curso, rumou a Alcobaça para aí exercer o cargo de professor do ensino particular primário e secundário. Nesta vila integrou os corpos gerentes do Centro Republicano, colaborou no semanário Semana Alcobacense e fundou e dirigiu, na prática, o efémero jornal O Republicano (7 números). Publicou igualmente um livro de poesia intitulado Os Sinos. Colaborou ainda noutros jornais da província, sobretudo em O Heraldo (Tavira) e Democracia do Sul (Montemor-o Novo). Em 1908 e 1909 colaborou também nos diários republicanos lisboetas República (dirigido por Artur Leitão) e Vanguarda (dirigido por Magalhães Lima, grão-mestre da Maçonaria portuguesa), tendo feito parte da redacção deste último. Mas foi a sua participação na célebre revista republicana Alma Nacional, de António José de Almeida, que lhe trouxe alguma notoriedade. Raul Proença, que aí começou a escrever sob o pseudónimo de Varius, foi o segundo colaborador do periódico, em número de artigos publicados, logo a seguir ao seu director (6).

Após a revolução republicana de 5 de Outubro de 1910, recusou um convite para conservador do Museu das Janelas Verdes por julgar insuficientes os seus conhecimentos de arte mas aceitou integrar os quadros da Biblioteca Nacional, tendo então sido nomeado 2º bibliotecário em Janeiro de 1911 - com um ordenado muito inferior ao que teria na categoria profissional que recusara. Foi um dos fundadores do Comité de Lisboa da Renascença Portuguesa, sendo um dos poucos activos membros do núcleo lisboeta do movimento (7). As suas criticas à administração republicana do país e aos seus políticos e partidos foram subindo gradualmente de tom mas, paralelamente, não deixou de defender de forma abnegada o ideal republicano contra os seus detractores, estabelecendo assim uma distinção clara entre o que considerava serem as virtudes de um modelo de organização social tendencialmente progressivo e democratizante e a praxis protagonizada por muitos seus concidadãos que se afirmavam republicanos. A ditadura do general Pimenta de Castro, militarista, anti-liberal e germanófila, mereceu a sua mais viva oposição e a participação portuguesa na I Guerra Mundial a sua mais ardente defesa. Quando em Março de 1916 Portugal se envolveu oficialmente no conflito, Proença integrou voluntariamente as fileiras do Exército português, tendo frequentado o Curso de Administração Militar na Escola Prática de Oficiais Milicianos. Ao contrário do seu amigo Jaime Cortesão (8), contudo, não chegou a ser enviado para o estrangeiro.

Nesse ano de 1916 recebeu da filha dum amigo do seu irmão Luís, à altura residente em Évora, um caderno com onze poesias, para que acerca delas emitisse uma opinião. A jovem chamava-se então Florbela Moutinho. A própria Florbela o conta em carta a Júlia Alves, localizada em Pavia e datada de 12 de Agosto de 1916: “ Olha, sabes, mandei alguns dos meus versos a um dos nossos mais distintos poetas, que é irmão dum amigo intimo de meu pai. Provavelmente, é ele que faz o prefácio do meu livro, apresentando-me ao ‘respeitável público’, como se diz nos teatros.”(9). O caderno incluiu os seguintes títulos: “Escreve-me!”, “O Meu Alentejo”, “Quadro Rústico”, “Dôce Certesa”, “Ás Mães de Portugal”, “Quem Sabe?!”, “Humildade”, “Rustica”, “De Joelhos”, “P’rá Frente!” e “O Teu Olhar”(10).

Raul Proença sempre dedicou grande atenção à poesia e sempre teve pelos verdadeiros poetas uma grande consideração. Se anos mais tarde João Chagas elogiou o seu combativo trabalho demopédico em favor da vivência democrática chamando-lhe “a primeira pena da República”, durante a sua juventude foram poemas os primeiros textos que Proença publicou (11), muitos deles, é certo, eivados dum profundo cunho político-social (de que são exemplos os títulos “A Lei 13 de Fevereiro”[dedicado ‘aos anarchistas’] , “A Epopeia do Trabalho”, “A Marselhêsa”[ datado de 27 de Outubro de 1905, ‘depois de ouvir cantar o Orpheon das creanças, na Rocha, no dia da chegada de Mr. Loubet’] ou “Comte” ). A poesia era, para si, uma área de expressão privilegiada. Em 1905 escreveu o seguinte: “Eu entendo que o verso é um campo expositor de ideias, como a prosa: a única diferença é que ele as expõe duma maneira sintética, e portanto mais luminosa.” (12). E num texto ainda inédito dedicado a António José de Almeida, intitulado O Poeta e depositado no seu espólio, afirmou: “ Porque é ele [o poeta] quem encontra as relações imprevistas e acaba sempre por achar a palavra ainda não proferida - a única palavra que abrange todos os aspectos do Facto e o pinta e descreve com todas as subtilezas. Bendito seja, porque é o ‘homem completo’, trazendo em si mesmo mais condições para uma vida melhor, mais garantias de êxito feliz! Bendito seja! ” (13). Um dos aspectos em que a sua ética privada sempre se manifestou foi na rejeição da mentira e do carácter quase sacrossanto das chamadas autoridades intelectuais. Em 1909, escrevendo n’ A República, declarou a este propósito: “ Todos nós (duma maneira geral) apreciamos as ‘opiniões’ pelas ‘pessoas’ que as ditam. Devia ser o contrário: deviamos apreciar as ‘pessoas’ pelas ‘opiniões’ que emitem.” (14). A forma como a critica literária era praticada em Portugal merecia-lhe os maiores lamentos e recriminações. “Quem quiser ser um critico sincero a valer, tem de seguir esta regra inflexível: fugir do contacto dos homens e procurar o contacto dos livros. É por isso, apesar de não ter pretensões a critico, que eu lhes leio os seus livros, mas não os procuro nas suas casas.”(15), aconselhou. A imparcialidade com que procurou tratar os textos analisados, independentemente de quem fossem os seus autores, pode ser bem exemplificada pelas referências expendidas a propósito da obra de Carrasco Guerra O Triunfo (16) e pela polémica que em 1912 travou com Júlio de Matos, onde a dado passo afirmou: “ De homens como Teixeira de Pascoais, Correia de Oliveira, Jaime Cortesão, Leonardo Coimbra, Mário Beirão, Augusto Casimiro, Lopes Vieira, não se diz: ‘Tudo isso é muito ordinário’. O que é muito ordinário é não saber distinguir entre as discordâncias doutrinárias e as apreciações a fazer dos escritores.”(17).

Particularizando, aqueles poemas de Florbela mereceram de Raul Proença as considerações que se seguem:

- “Escreve-me!” - Considerou-o “Bom”, anotando “quadra perfeita esta” à margem da seguinte quadra: “Escreve-me! Ha tanto, ha tanto tempo/ Que não te vejo, amor! Meu coração/ Morreu já e no mundo aos pobres mortos/ Ninguem nega uma frase d’oração! ”.

- “O Meu Alentejo” - Quando Florbela escreve “Tudo é tranquilo e casto e sonhador...”, Proença questiona: “Ao meio dia, no Alentejo?” e aconselha a modificação para “Tudo é fecundo e quente e creador”. Numa consideração geral sobre o poema, apontou: “isto não me dá a impressão do Alentejo” (18) .

- “Quadro Rustico” - Raul Proença foi bastante critico em relação a este poema, tendo sugerido várias alterações. Anotou: “ A paisagem é dada em traços insuficientes. Os bezerros, os noivos, a calhandra - tudo isto é a parte animada. Da parte inanimada só vemos a levada [do moinho]. É pouco.”. E quando Florbela escreveu “ Perpassa nos seus olhos vagamente/ qualquer coisa, de casto como o linho”, Proença opinou: “ Versos sem significação real e sem necessidade.”. Mas já gostou da expressão grandiloquente que Florbela utilizou a finalizar (“ Oh, abre-me em teu seio a sepultura,/ Minha terra damor e de aventura,/ Oh meu amado e lindo Portugal! “) .

- “Dôce Certesa” - Proença poucas considerações fez a respeito deste poema, de que gostou, tendo mesmo julgado “perfeitos” os seguintes versos: “ Muito beijo damor apaixonado/ E não te lembrarás de mim sequer! ”.

- “ Ás mães de Portugal” - Este foi um dos poemas que Raul Proença mais apreciou, tendo-se-lhe referido como “Belo Poema”. O clima algo heróico com que Florbela aqui exorta as mães portuguesas a conformarem-se com a partida de seus filhos para o combate nos palcos europeus era do agrado de Proença, declarado pró-intervencionista desde o primeiro momento. O seu posicionamento foi publicitado no diário portuense O Norte (19), dirigido por Jaime Cortesão e sobretudo no conhecido artigo “Unidos pela pátria”, publicado num número especial da revista A Águia (20) com que a Renascença Portuguesa quis apoiar a participação portuguesa no conflito. E quando Florbela concluiu o poema da seguinte forma “ A patria rouba os filhos mas é mãe/ A mãe de todos nós!/ Direito de a trair não tem ninguém,/ Ó mãe nem sequer vós!”, Proença emendou com veemência : “Eu diria antes: ‘E muito menos vós’! Sem esta correcção, a ideia parece-me má. ”.

- “ Quem sabe?!” - Raul Proença fez poucas considerações e emendas a este poema.

- “ Humildade” - Poucas sugestões, além de uma emenda a dada altura já que, em sua opinião, “estes versos não são alexandrinos”.

- “Rustica” - Um dos poemas que Raul Proença preferiu, tendo-se limitado a escrever “Bom” e “Lindo” à margem de alguns versos.

- ”De joelhos” - Raul Proença anotou: “Uma das produções melhores do caderno. É cheia de delicadeza, ainda que seja bem pouco humano esse amor.”.

- “P’rá Frente!” - Como o poema “Ás Mães de Portugal”, também a temática deste é a intervenção portuguesa no conflito bélico então em curso. No entanto, ao contrário daquele, Raul Proença considerou-o “não grande coisa”, tendo apontado um “mau verso” e mesmo um “péssimo verso” quando Florbela, concluindo, afirmou: “Nun’Álvares arranca a espada de gloria.”.

- “O teu olhar” - Considerados por Proença “versos harmoniosos, mas sem pensamento”.

Raul Proença concluiu, escrevendo nas primeiras páginas do caderno: “Impressão geral: tendo em conta a idade, e visto tratar-se dos ‘primeiros passos’, não tenho senão bem a dizer. Não se trata, evidentemente, de obras primas, nem de tal se poderia tratar nessa idade. Quando se critica alguem é preciso, porém, muito mais do que analisar o que realmente fez, descobrir o que poderá vir a fazer. Como promessa, as poesias que acabo de ler são belissimas. Se alguma coisa me fosse permitido aconselhar, seria que se não fosse levado pela simples harmonia dos versos, e se não pusesse no papel senão o que exprime um verdadeiro pensamento ou um profundo sentimento poético. Estão no caso da harmonia da forma sem nenhum pensamento lá dentro os versos ‘O teu olhar’. Nota-se também ainda uma grande ingenuidade na escolha dos temas, como em ‘Escreve-me’, ‘Quem sabe?!’, etc. E certas fórmas insignificativas e feitas, como ‘o perfume brando da açucena’, as ‘folhas leves e tenras de boninas’, ‘qualquer de coisa de casto como o linho’, mãis d’ ‘olhos liriais’, etc. Isto é pecha fatal de principiantes. A minha impressão fica aqui dada sinceramente, e não como poeta, que o não sou: A poetiza tem diante de si um largo caminho; acho que deve continuar, afinando a lira na mesma corda que vibra em ‘O meu Alentejo’, ‘Ás mãis de Portugal’, ‘De joelhos’... E deixando de lado o ponto de vista poético, e falando no presente, uma ideia como a que domina a bela poesia ‘Ás mãis de Portugal’ honra a pessoa que a soube exprimir.”.

Florbela recebeu com agrado a apreciação critica expressa por Raul Proença acerca destes seus poemas (21) mas resolveu não efectuar as alterações por ele sugeridas, o que, aliás, foi uma repetição do que já sucedera quando a poetisa enviara alguns destes poemas a Mme. Carvalho, de O Século, e esta lhe sugerira igualmente algumas modificações.

Dois anos mais tarde, Raul Proença recebeu de Florbela, então na localidade algarvia de Quelfes, uma carta onde esta mostrou um estado de espírito bem diferente do anterior: “Estou bastante desanimada com tudo o que me diz dos meus versos. Estou a ver que decedidamente nada farei com geito se bem que eu nunca tivesse a vaidosa pretensão de escrever obras- -primas. Afinal absolutamente nenhum soneto lhe pareceu bom? Quaes e quantos são os absolutamente razoaveis?” (22). Tinha já enviado ao publicista trinta e cinco sonetos e nesta carta acrescentou mais dois (“Castelã” e “Mais triste”). O desânimo de Florbela seria, assim o cremos, exagerado mas compreensível quer em função do seu próprio estado de saúde nesse momento, quer decorrente da rígida atitude de grande exigência ( tanto em termos éticos como em termos profissionais) que Raul Proença sempre tinha para quem com ele contactava - contrapartida para a não menor exigência que ele tinha para consigo próprio. E a prova de que a poesia de Florbela encontrava no espírito do vigoroso polemista um significativo campo de acolhimento é o facto de este se ter afadigado a tentar encontrar editor para o tão almejado e até então adiado livro e de ter dado um grande contributo para a sua organização interna, num período conturbado da vida portuguesa em que os acontecimentos políticos requeriam que as atenções do republicano e democrata Proença não se dispersassem em tarefas que este pudesse considerar marginais. Na verdade, era já Raul Proença 1º bibliotecário na Biblioteca Nacional quando em Dezembro de 1917 foi proclamada a “República Nova”, que lhe mereceu a maior oposição. Foi, aliás, durante o consulado sidonista que o autor do Guia de Portugal foi preso pela única vez na vida, aquando duma conferência pronunciada por Leonardo Coimbra em favor da intervenção portuguesa na guerra (23). E em 1919, ano em que o citado livro de poemas de Florbela viu a luz do dia com o título de Livro de Máguas, Raul Proença escrevia logo em Janeiro: “[...] entendo que é agora necessária a união de todos os republicanos para fazermos a verdadeira República, que não é realmente a de 5 de Outubro, mas é muito menos - a de 5 de Dezembro. [...] Num dos números [refere-se ao jornal Monarquia] em que sou transcrito, vejo que o sr. Conde de Monsaraz afirma pôr a sua espada à disposição do snr. D. Manuel. Hoje sou também soldado como s. Exª. Creio, pois, que me é permitido afirmar que pela República estou disposto a dar, sem hesitação, até à última gota do meu sangue.”(24). Que esta promessa não era um mero projecto de intenções foi o que Proença teve oportunidade de mostrar pouco depois, quando foi proclamada a “Monarquia do Norte”. Primeiro, participando na chamada “escalada de Monsanto” (25) e logo a seguir incorporando-se nas forças militares republicanas que avançaram para o norte do país e que acabaram por aí restabelecer a República (26). É que, em sua opinião, “a verdadeira aristocracia é a dos que se sacrificam pelos outros”, como afirmou posteriormente num dístico não assinado mas seguramente de sua autoria inserido no número inicial dos Anais das Bibliotecas e Arquivos - revista que dinamizou quando já chefiava a Divisão dos Serviços Técnicos da Biblioteca Nacional e que ajudou a projectar além-fronteiras.

A este denodado democrata Florbela dedicaria mais tarde um poema do seu Livro de Sóror Saudade, publicado em 1923. Esse belo texto intitula-se - muito a propósito - “Prince Charmant”.

NOTAS

(1) Carta de Florbela Espanca Lage a Raul Proença, datada de “2-12- 1927” e localizada em Matosinhos (Biblioteca Nacional, Espólio E7/864 ). Ortografia actualizada.

(2) Esta filha de Raul Proença, que contava 15 anos, permanecera em Portugal em casa do tio Luís, irmão do publicista. Aquando da eclosão da doença que acabou por a vitimar, Luís Proença tentara logo dar conhecimento deste facto aos pais. A polícia, contudo, julgando tratar-se de mensagens cifradas relacionadas com algum outro movimento revolucionário, apreendeu toda a correspondência pelo que o casal só tomou conhecimento dos padecimentos da jovem quando esta se encontrava já moribunda. Apenas Teolinda Proença se pôde deslocar a Lisboa, tendo o marido sido ameaçado com a prisão pelo Ministério do Interior caso se deslocasse a Portugal para assistir ao funeral da filha. Este acabou por constituir, simbolicamente, uma homenagem ao próprio Raul Proença [Cf. “D. Berta Contreiras Proença, in Seara Nova, nº 110, de 24 de Novembro de 1927, pp. 266 e 267] , que havia também perdido a mãe quando se encontrava já exilado.

(3) Veja-se, como boa ilustração do que afirmamos, Raul Proença, O Caso da Biblioteca [organização, estudos e notas de Daniel Pires e José Carlos Gonzalez ], Lisboa, Biblioteca Nacional, 1988.

(4) Cf. Ferreira de Macedo, “Recordações”, in República, nº 6080, de 4 de Outubro de 1947.

(5) De que são exemplo os seus trabalhos escolares Esboço do Positivismo (Monismo Positivista) e A Theoria de Malthus nas suas relações com a Biologia, a Sociologia e a Moral, ambos reunidos num caderno depositado no seu espólio. B.N. Esp. E7/2426.

(6) Sobre esta participação, cf. Fernando Piteira Santos, Raul Proença e a ‘Alma Nacional’, [Mem-Martins], Publicações Europa-América, col. “Estudos e Documentos”, nº 156, 1979.

(7) Raul Proença redigiu, a pedido de Jaime Cortesão, um dos programas da Renascença Portuguesa, intitulado “Ao Povo. A Renascença Portuguesa”. Teixeira de Pascoais, com quem Proença e António Sérgio estavam em desacordo em relação à maneira de compreender o papel destinado a este movimento, redigiu um outro, de seu título “Ao Povo. A Renascença Lusitana”. Ambos foram apenas publicados ( e somente já com mero interesse histórico) no quinzenário Vida Portuguesa, em 1914.

(8) Jaime Cortesão, outro grande defensor da participação portuguesa no conflito, secundarizou a imunidade parlamentar subjacente ao seu cargo de deputado e alistou-se como voluntário, tendo partido para França como capitão-médico, em Agosto de 1917. Em Março de 1918 foi gaseado aquando duma ofensiva alemã. Pelo heroísmo demonstrado, recebeu a Cruz de Guerra. Dessa experiência expedicionária, resultou o seu livro Memórias da Grande Guerra.

(9) in Florbela Espanca, Cartas(1906-1922) [recolha, leitura e notas por Rui Guedes; actualização e regularização do texto por Luís Fagundes Duarte], Lisboa, Publicações Dom Quixote, col. “Obras Completas de Florbela Espanca”, vol. V, 1986, p. 164.

(10) “Primeiros Passos”, B.N. , Esp. N10/4.

(11) A única abordagem a esta sua faceta, ainda que em jeito de informação, deve-se a José Carlos Gonzalez, no seu artigo “No centenário de Raul Proença - um aspecto desconhecido: poeta no ‘Elogio da Vida’ “, in Colóquio-Letras, nº 82, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, Novembro de 1984. O caderno OElogio da Vida, reunindo cerca de meia centena de poesias suas, encontra-se depositado no seu espólio ( B.N., Esp. E7/2425).

(12) Raul Proença, “O que é o Atheismo”, in Democracia do Sul, nº164, de 20 de Maio de 1905.

(13) Idem, O Poeta, s/d, B.N. Esp. E7/ caixa nº 29.

(14) Idem, “Typos da Nossa Terra - Criticos”, in A República, nº 337, de 1 de Maio de 1909.

(15) Idem, “Livros Novos -VI”, in O Heraldo, nº 1374, de 20 de Dezembro de 1908 [continuação de considerações ao livro Camilo, de Paulo Osório ]. Mais tarde, em 1921, verberou ainda violentamente os críticos literários portugueses: “Todos nós sabemos o que é que tem sido sempre a critica em Portugal. Suprema niveladora, adoptando como principio máximo o dos vasos comunicantes; desconhecedora do verdadeiro mérito, elevando às nuvens os cabotinos da feira literária, para deixar no silêncio os que seguem o seu caminho orgulhosamente, sem se renderem em contumélias; aduladora dos êxitos consagrados, mesmo quando ‘pousam’ em filósofos da latinidade; em vez de enaltecer, iguala; em vez de corrigir, perverte e prostitui. Rameira da glória, a todos convida para o mesmo leito... Mister é apenas fazer-lhe a corte.” [Idem, “O nosso inquérito. ‘Adão e Eva’ de Jaime Cortesão. O depoimento do homem de letras sr. Raul Proença”, in Diário de Lisboa, nº 49, de 2 de Junho de 1921].

(16) Idem, “Livros Novos - I”, in O Heraldo, nº 1363, de 6 de Setembro de 1908: “[...] nesta peça foi apenas o que o seu nome indica - um carrasco: escrevendo uma peça, decapitou um dramaturgo. [...] por nos termos filiado no partido republicano, nem por isso fizemos o contrato de aturarmos toda a série de banalidades que os nossos correligionários queiram infligir-nos.”.

(17) Idem, “Duas Réplicas ao sr. Dr. Júlio de Matos: o sr. Raul Proença analisa as declarações do sr. Dr. Júlio de Matos”, in República, de 13 de Setembro de 1912.

(18) Acerca desta província, Raul Proença escreveu em 1917: “Mais [do que o Algarve] amo eu o Alentejo, que ao menos, esse, tem grandeza. Aí, o horizonte tem larguezas infinitas, fantásticas distâncias, longes que se perdem na bruma, que se avizinham do céu... Na sua aridez, na sua monotonia, há qualquer coisa de autenticamente belo.” ( Raul Proença, “Dos Algarves”, in A Voz Pública, nº 1078, de 15 de Novembro de 1917).

(19) Cf., a título de exemplo, Idem, “Porque é que nos devemos bater”, in O Norte, nº 105, de 31 de Outubro de 1914.

(20) Idem, “Unidos pela Pátria”, in A Águia (2ª série), nº 52/54, de Abril/Junho de 1916. Aqui escreveu: “Connosco apenas os que colocam acima dos regimes transitórios as pátrias permanentes. [...] Inimigos de dentro, duas vezes inimigos... [...] Não podíamos nunca ser neutrais, porque há uma espécie de neutralidade que ainda se não inventou: a que um povo exercesse para consigo próprio.”.

(21) in Florbela Espanca, ob. cit, pp. 164 e 171-172 (cartas a Júlia Alves datadas de 12 e 22 de Agosto de 1916).

(22) Carta de Florbela Moutinho a Raul Proença, localizada em Quelfes (Olhão) e datada de 7 de Maio de 1918 ( B.N. Esp. E7/865).

(23) Cf. Sant’Anna Dionisio, “Testemunhos seguros ao mesmo tempo históricos e simbólicos”, in O Primeiro de Janeiro, nº 80 (ano 113º), de 23 de Março de 1981, p. 8.

(24) Raul Proença, “Uma tôrpe especulação monárquica - protesto de um convicto republicano” [carta], in República, nº 2586, de 11 de Abril de 1918.

(25) Cf. David Ferreira, “Actuação cultural e política”, in Óscar Lopes, Jaime Cortesão, Lisboa, Ed. Arcádia, col. “A Obra e o Homem”, nº 9, s/d, pp. 116-117: “ Pertencendo ao primeiro grupo, ainda muito pequeno, que, empenhado na defesa da República, acorreu aos terrenos do Parque Eduardo VII, já então submetidos ao bombardeamento da artilharia rebelde, tive, alguns momentos depois da nossa chegada, a alegria de ver surgir um avultado magote de civis e militares, dentre os quais sobressaía a figura imponente de Jaime Cortesão, fardado de capitão médico. [...] Naquela manhã de Janeiro de 1919, Jaime Cortesão estava acompanhado de um alferes, que só muito mais tarde vim a saber quem era: Raul Proença.”.

(26) Cf. Sant’Anna Dionisio, O Pensamento Especulativo e Agente de Raul Proença, Lisboa, Seara Nova, 1949, p. 126.