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HELENA FARIA MONTEIRO | |
DO DESERTO | |
I Onde o silêncio ainda é ruído e os lábios crestam na sede de infinito há um espanto sereno sedento simples do que ainda haverá na senda do que ficou naquele outro sítio donde vim pedaço de deserto amarrado à córnea do sentir. | II sentada na bigorna que a pedra esculpira olhei aquele deserto e olhando-o vi passar o tempo amarelecido desfolhado página a página no poço de uma lenta miragem. |
III Só o deserto areia pó o amanhecer de sangue a ausência de palavras ecoando nas montanhas e a paz que nenhum som define A sede também de água de vida de um Além espalhado no céu nocturno abrasado de constelações reflectindo a pequenez surda do humano ser inóspito nestas paragens febril incauto revendo-se na paz que não possui Ainda o deserto e a sombra da água que mastigo em mim. | IV sem cada um dos grãos de areia não haveria deserto assim quisera passear na vida - liberta imprescindível |
RETRATO | IMPRESSÃO |
os corruptos continuam em cena do alto da sobranceria dominam o mundo e o poder incólumes - sem justiça nem deveres - tudo maculam tudo vendem invencíveis e omniscientes até que o pó chegue | enquanto eu ouvir a lareira nas sombras do frio recuperarei o calor nas palavras da combustão |
É POR TI QUE EU ESCREVO | |
É por ti que eu escrevo horas a fio no frio das madrugadas suadas nas noites quentes de tempestade nos restos de papel sempre perdidos no vazio imperceptível no sonâmbulo fantasma da vida no íman da música de jazz na incrível deambulação do tempo no incontornável momento da palavra escrevo por ti, o eu incógnito, espelho desfocado da finura dos dias. | |
O PANO E A MESA | A MINHA PÁTRIA |
está esgaçado o pano que cobre a mesa | “A pátria é um percurso” - José Eduardo Agualusa
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