POEMAS DE NESTE LUGAR SEM PORTAS - CARLOS CARRANCA

MEDITAÇÃO

Sozinho, neste lugar sem portas,
neste penedo de fontes,
sinto a força da poesia
no calor rústico dos montes.


Não me peçam
que traga da aldeia
a paz do arado
a rasgar a terra.

Sou antes a terra
rasgada pelo
arado.

Angústia,
negação,
violência em mim,
como expressão
de um verso
violado.


O POETA E A VIDA

Contra a angústia
a solidão e o medo
ergo
os versos
e não cedo.

Quebro-os
– lança imaginária –
na página da Vida.
E é por ela
que os escrevo.


HOMO SUM

Da vila
guardo o cheiro a tília
à chegada do poeta.
Não sou de cá
mas amo-lhe as artérias,
o rosto velho, a torre de vigília.

Homem sou
pequeno deus, fauno do mundo.
Aqui, obrigado
A um verso mais sonhado
E mais profundo.

Homem que não cabe
num verso como a vida
não cabe numa praga,
de fraga em fraga
a aventura.

A vila,
entre o céu e o rio
hesita.
Mas, o poeta,
humana face da loucura
lança-se à aventura
e ressuscita.

MÃE





Mãe, afasto-me de ti
para dentro de mim mesmo.
Sozinho,
sem regresso,
caminho
o meu destino,
colorindo o espaço em que tropeço.

Sinto-te. Idealizo-te.
Toco-te – um abraço…
Mas já não és a coisa protectora,
senhora
dos meus dias sem espaço.

Olho para ti
E vejo-te distante…
Ideia imprecisa de alguém
de tudo que vivi,
mãe,
quando tudo era o teu semblante.


Dou-te o meu silêncio
e o que me dás
não cabe
em quatro paredes.

Dou-me intenso
e o que me dás
não abre o meu silêncio.