UM POEMA DE "VINTÉM DAS ESCOLAS" - TERESA FERRER PASSOS

«No Silêncio das Palavras de Deus». Este o título de um dos poemas incluídos no livro Vintém das Escolas (ed. Autor, 2002) de Fernando Botto Semedo. Neste poema (p.56) podemos desocultar alguns dos temas favoritos na poética do autor: Deus, as crianças, o sofrimento.

Temas que se entrelaçam, como se fossem um único. Como se não se distinguissem na teia das palavras escolhidas num absoluto de nada, esse absoluto de nada em que o poeta se revê, tantas vezes, nos seus livros. Flutuando entre as asas do sonho, há neste poema de F. Botto Semedo o olhar opaco da impenetrabilidade do ser.

Esferas de obscuridade gravitam em cada verso; pululam neles ideias que se descobrem em cada sílaba; e a razão faz rumo a sentidos de invisibilidade que se iluminam.

Ofuscando-se em viagens sem lugar ou algum espaço, F. Botto Semedo é o poeta português que melhor faz transparecer os enigmas da construção poética. Nada se dilucida no seu discurso, tudo nele se proclama vago e, mesmo, imerso nas trevas. É por isso que o poema «No silêncio das Palavras de Deus», inserto neste livro, se nos afigura mais uma síntese da poética do autor do que uma parcela.

E o que acontece com este, acontece um pouco com todos os seus outros poemas, publicados em vários volumes. Cada um deles é sempre um todo ou/e um tudo. O poeta entrega-se ao verbum como sujeito e como objecto, é-lhe interior e é a sua exterioridade. Um e outro interpenetram-se. No poema «No Silêncio das Palavras de Deus» presentificam-se e silenciam-se as próprias palavras. O silêncio dialoga para além de si próprio e também aquém de todas as palavras ditas.

Como os livros anteriores de F. Botto Semedo, Vintém das Escolas é um livro para reler, não para ler. É um livro de um poeta cantor das palavras omissas, cantor das palavras escondidas em cada palavra.

A estética das suas construções poéticas não tem sido objecto de cuidadas análises, o que a sua já longa e também valiosa obra pressupunha. A palavra poesia ficaria mais pobre se Vintém das Escolas não tivesse sido dado à estampa numa hora, talvez, escrita «no silêncio das palavras de Deus».

Lisboa, 1 de Junho de 2002 (Dia Mundial da Criança)