INICIAÇÃO

Qual vela,que tem sede,
Eu beijo em verde mar,
Que Amor me dá e cede,
Amor por mim se mede,
E a Lua é luminar.

Fervor pela donzela,
Meu lume é cor de lis…
Uns chamam-lhe uma Estrela,
Alguns, a caravela,
Mas outros, Beatriz.

É nela que eu prossigo
Na vela para as ilhas.
Em procelas e p’rigo
Eu nado e vou contigo
Voando, em maravilhas.

Voando, vou ao céu.
Nadando, vou ao cume.
Mas é por ser mais eu
Que mato o mausoléu,
Que beijo, Amor, o lume.

Por isso, em minha barca,
Na branca, branca Lua,
Não há guia, nem marca,
Apenas matriarca
Já faz duma falua.

E, frater na viagem,
Ó flor, que eu seja forte.
Não há via, nem vagem,
Por isso ele é um pajem,
Ó Deus, até à morte.

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NOVA FALA DE LUÍS DE CAMÕES

Não mais, canção, não mais, d'Alma canção,
que no meu triste nada eu desvario;
que abandonada, ó Musa, a amada viu
"a desgraça, a amargura, a solidão".

Não mais, amada minha, que a razão
não pode suportar do Fogo o frio;
que, em lágrimas que, asinha, eu choro e rio
não mais sigas, ó Musa, o coração.

Ó ninfas, ó minh'Alma dolorosa,
com dolo e com paixão já estilhaçada...
Pátria minha, que um dia foste Rosa...

para noutro, com Dor, ser's quase nada,
vinde a mim, a mim, verde Alma chorosa,
e sede, Ó Pátria, sede a madrugada.

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Quero ver Teu sorriso viridente,
Que eu verde quero ver-Te, ó meu menino.
Amar-Te só a Ti, ser um vidente,
Monarca, em Ti amar o meu destino.

E à noite, quando a Lua é confidente,
O maio do meu cor é paladino,
Mas o Maya do mal é uma serpente
Que afasta, ó flor, afasta o peregrino.

Mas que vasta, que enorme essa alegria
Em ter uma criança como Rei!!!
A Rosa é uma reforma, um novo guia

Aparece, na terra, como lei:
A lei dessa aliança, eu não sabia;
Na ceia, de Natal, agora sei.

Paulo Brito e Abreu, "O Livre e a Lavra"
Universitária Editora, Lisboa, 1999


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ORAÇÃO À VIRGEM MÃE, SENHORA DA SAUDADE

Linda Rosa imortal dessas ternuras,
Ó tu que estás no Céu, ouve os clamores
E os brados e os gritos e as dores
Do Teu amado filho. E vê se o curas.

Vê se o curas do mal. Com sedas puras
O leva às regiões mais int’riores;
Ameiga-o, deusa, ameiga-o com favores,
Por que a penar não torne em plagas duras.

Nos braços do Teu filho, hierofanta,
Põe a alma deste réprobo, que outrora
No Tártaro infernal e na garganta

Sentiu um peso atroz, qu’inda o devora,
Pois Tu és flor, és deusa e és a Santa,
Tu és a Rosa-Bela a quem ele ora.

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ATÉ AO FIM DOS CÉUS

A deusa Beladona vai comigo
Ornada já de flor’s de mil matizes.
Caminhando p´las ondas, os petizes
Buscam nela calor, buscam abrigo.

A sua boca eu beijo, qual mendigo
Bebendo água dos róseos chafarizes,
E em mim cessam, Amor, as cicatrizes
Que já levando me iam ao jazigo.

E súbito sou pássaro que canta
Rodeado de verde manjerona…
E então alcanço a Paz! Ó minha santa,

Vem comigo dançar na hora nona
Por praias e palmar’s, hierofanta,
Até ao fim dos céus, ó Beladona!

Paulo Brito e Abreu, "LOAS À LUA"
Universitária Editora, Lisboa, 2000


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