Tomas Tranströmer
Funchal
(Tradução de Luís Costa)

O restaurante do peixe na praia, uma simples barraca, construída por náufragos.

Muitos, chegados à porta, voltam para trás, mas não assim as rajadas de vento do mar. Uma sombra encontra-se num cubículo fumarento e assa dois peixes, segundo uma antiga receita da Atlântida, pequenas explosões de alho.

O óleo flui sobre as rodelas do tomate. Cada dentada diz que o oceano nos quer bem, um zunido das profundezas.

Ela e eu: olhamos um para o outro. Assim como se trepássemos as agrestes colinas floridas, sem qualquer cansaço. Encontramo-nos do lado dos animais, bem-vindos, não envelhecemos. Mas já suportámos tantas coisas juntos, lembramo-nos disso, horas em que também de pouco ou nada servíamos ( por exemplo, quando esperávamos na bicha para doar o sangue saudável – ele tinha prescrito uma transfusão). Acontecimentos, que nos podiam ter separado, se não nos tivéssemos unido, e acontecimentos que, lado a lado, esquecemos – mas eles não nos esqueceram!

Eles tornaram-se pedras, pedras claras e escuras, pedras de um mosaico desordenado.

E agora aconteceu: os cacos voam todos na mesma direcção, o mosaico nasce.

Ele espera por nós. Do cimo da parede, ele ilumina o quarto de hotel, um design, violento e doce, talvez um rosto, não nos é possível compreender tudo, mesmo quando tiramos as roupas.

Ao entardecer, saímos. A poderosa pata, azul escura, da meia ilha jaz, expelida sobre o mar. Embrenhamo-nos na multidão, somos empurrados amigavelmente, suaves controlos, todos falam, fervorosos, na língua estranha. “ um homem não é uma ilha.“ Por meio deles fortalecemo-nos, mas também por meio de nós mesmos. Por meio daquilo que existe em nós e que os outros não conseguem ver. Aquela coisa que só se consegue encontrar a ela própria. O paradoxo interior, a flor da garagem, a válvula contra a boa escuridão.

Uma bebida que borbulha nos copos vazios. Um altifalante que propaga o silêncio.

Um atalho que, por detrás de cada passo, cresce e cresce. Um livro que só no escuro se consegue ler.

 

Tomas Tranströmer

( Traducão do sueco para alemão por Hans Grössel )
Traducão do alemão para português por Luís Costa

Tomas Tranströmer nasceu a 15 de Abril de 1931 em Estocolmo. É hoje considerado o mais importante poeta sueco da actualidade. Os seus poemas estão traduzidos em mais de trinta línguas. Além disso é considerado, desde há vários anos, como um dos favoritos ao Prémio Nobel da Literatura.