Luís Estrela de Matos

Trata-se de uma espera?

Em algum lugar

uma baleia dorme

em algum lugar

duas moscas copulam distraídas

e uma colher estridente vai ao chão

de uma cozinha distante

e uma velha chora calada

numa solidão ainda mais distante

e uma criança recebe o desenho

de cinco dedos  em seu rosto

e sente no forte estalo

que a  certeza do mundo

não existe  mais e se dissolve

num choro para o  nunca

poder existir

Em algum lugar

o sol brinca numa jaula de homens

e as sombras constroem  sólidos incontornáveis

 entre os silêncios de cada um

e uma mulher na janela imagina um trem

e a fumaça como nuvens de espanto

Em algum lugar

todas as coisas resolvem

empazinadas de distâncias

se juntar

e não fazer sentido algum

e noutro,

cada uma em separado

realizar todos os sentidos do mundo,

inclusive os inimagináveis

 

Que lugar é esse onde tudo pode ser possível

e imaginável?

 

E se isto aqui não faz sentido

e eu muito menos sentido ainda,

em que lugar estou?

e você,

por que procura um lugar ?

por que , um sentido ?

por que acha que um poema

seja um lugar do sentido ?

em algum lugar você deve estar

quando procura um lugar para o sentido

do que lê diante de seus olhos possíveis

e eu te procurarei

em todos os lugares

que não façam sentido

( quem sabe  eu encontre o tal do  poema ...)

 

Em algum lugar

Isto deve acontecer

Onde todos os lugares

Possam existir

E não se machuquem tanto

Em suas feridas incontornáveis,

Onde tudo e nada possam acontecer

Simultaneamente

E em separado

 

Trata-se de uma espera

 

 
 

Luis Estrela de Matos  -  escritor, professor universitário e doutorando em Literatura Comparada  pela Universidade Federal Fluminense ( UFF) finalizando uma tese sobre o Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa.