LUÍS COSTA:::::::::::::

Dionisíacos

i

In memoriam Nietzsche 


BUSCÁVAMOS a obscuridade da luz 
e manejávamos as podadeiras 
com a suavidade de um sal antigo. 
era uma virilidade feminina. Correndo 
nos p'las veias. 

ao longe: as crianças. 
suas bocas acesas nas amoras. 
e as mães chamavam-nas. 
sentadas, lembravam foices murmurantes, 
altas, no silêncio das ceifas. 

ao anoitecer, 
ouviam-se as vozes dos cavalos. 
o grito das velhas aves. 
o suor da terra. 
e as feras adormecidas, 
poderosas constelações. 

junto às alfaias jazia a sapiência 
do velho semeador, 

(a sua mão riscando o horizonte) 

enquanto nos lagares, em segredo, 
os jovens forjavam novas teorias e inquietações. 


ii
 
O PÁSSARO
 
 
A IDEIA de um pássaro sobe-lhe à memória
um pássaro colorido com uma lua na testa
um pássaro ancestral com um só olho
muito belo 
um pássaro que habita os sonhos das mulheres
e arde nos espelhos
que por vezes lhes irrompe dos seios 
hirto e húmido como o amor 
hirto e húmido 
um pássaro tremendo 
que fende os corações
um pássaro de facto terrífico 
tremendamente tremendo
aveludado como a crueldade 
as mulheres conhecem-no bem
pois trazem-no dentro de si 
e sonham-no virilmente
sonham-no e estremecem estremecem
( e com elas estremece a terra)
e escondem-no a certas horas nas entranhas
dos seus homens 
que não desconfiam que tal pássaro existe
 
 ( mas lá no fundo:  sonham. )

(Aeroporto Francisco Sá Carneiro,
4 de junho de 2015) 

Luís Costa 
 

Luís Costa nasce a 17 de Abril de 1964 em Carregal do Sal, distrito de Viseu. É aí que passa a maior parte da sua juventude. Com a idade de 7 anos tem o seu primeiro contacto com a poesia, por meio de  Antero de quental, poeta/ filósofo, pelo qual nutre um amor de irmão espiritual. A partir dai não mais parou de escrever.

Depois de passar três anos  num internato católico, em Viseu, desencantado com a vida e com o sistema de ensino, resolve abandonar o liceu. No entanto nunca abandona o estudo.  Aprende autodidacticamente o Alemão, aprofunda os seus conhecimentos de Francês, bem como alguns princípios da língua latina. Lê, lê sem descanso: os surrealistas, a Geração de 27, Mário de Sá-Carneiro, Beckett, E. M. Cioran, Krolow, Homero, Goethe, Hölderlin, Schiller, Cesariny, Kafke e por aí adiante. Dedica-se também, ferverosamente, ao estudo da filosofia, mas uma filosofia viva. Lê os clássicos, mas ama, sobretudo, o poeta/ filósofo Nietzsche, o qual lera pela primeira vez com a idade de 16 anos : "A Origem da Tragédia" e o existencialista Karl Jaspers.

Mais tarde abandona Portugal rumo à Alemanha, pais onde se encontra hoje radicado.