LUÍS COSTA:::::::::::::

O relógio de Breton

( texto que me foi ditado durante um sonho pelo poeta Dante Alighieri  ) 

PENSAMOS que sabemos, 
mas não sabemos bem o que pensamos. 
pensamos ou talvez sejamos pensados? 
sonhamos ou talvez sejamos sonhados? 

e o relógio do salão da Nadja roda e desce da parede
roda e desce e passeia sobre as quatro patas. 
passeia por entre os móveis, 
passeia por toda a casa, 
passeia pelos profundos corredores 
e pelos quintais, 
passeia e passeia como um velho cão (de caça)

até que de repente se esbarra com um espelho 
um espelho há muito esquecido, 
um espelho bretoniano, florestal, fotomótico...
e dentro do espelho há um mar. 
e dentro do mar um luar muito antigo e búzios encantados. 

eu sou o mar, o grande mar, diz o mar, 
e eu sou a areia, a bela areia, diz a areia. 
e eu a sereia, a voluptuosa sereia ulissiana, diz a sereia. 
e o relógio faz uma vénia aos três com o seu chapéu de coco
e puxa as golas do casaco até às orelhas 
e prossegue, aristocraticamente, a sua caminhada. 

e uma condessa que também por ali costuma andar, 
vira-se para o relógio e pergunta: 

senhor relógio, podia dizer-me que horas são? 
e o relógio, com um tom mal-humorado,
pois há 24 horas que anda de pé ( sem dormir),
e aquela caminhada é deveras pesada, responde: 
são as horas, as horas que são, 
as horas em que as árvores se recolhem ao fundo do mar 
e os senhores académicos sobem aos mastros
dos navios fantasmas  para se enforcarem
e as mulheres traídas capam os maridos. 

são horas, são horas, são as horas que são 
e o meu amor nunca mais chega, ai não e não. 
ai coitada de mim, ó relógio, que assim vivo en gran
cuidado por meu amigo, que tarda e non vejo!
ai eu coitada como vivo vivo, sem horas e sem minutos,
en gran desejo por meu amigo,
que muito me tarda.

acode-me! socorre-me! ó relógio! 

e o relógio continuando a sua caminhada, 
como quem é surdo e mudo, responde: 
saber esperar é uma virtude venérea 
esperamos não sabendo que esperamos 
esperamos e esperamos, esperar é nada. 

esperamos? esperamos por quem? pergunta a condessa, 
um tanto ou quanto irritada. 

talvez por lô - lô, talvez por godot.? 
diz o fantasma vermelho que também costuma 
por ali andar. 

e ao ouvir aquilo, o relógio desata às gargalhadas e começa a cantar: 
esperamos, esperamos, esperamos sem saber, 
esperamos por quem? 

talvez por godot? 
talvez p'lo senhô?
talvez p'lo diá? 
talvez p'lo lô-lô?

ah! pelos meus ponteiros, vá-se lá saber.

Luís costa,
Prosas e outras coisas

Luís Costa nasce a 17 de Abril de 1964 em Carregal do Sal, distrito de Viseu. É aí que passa a maior parte da sua juventude. Com a idade de 7 anos tem o seu primeiro contacto com a poesia, por meio de  Antero de quental, poeta/ filósofo, pelo qual nutre um amor de irmão espiritual. A partir dai não mais parou de escrever.

Depois de passar três anos  num internato católico, em Viseu, desencantado com a vida e com o sistema de ensino, resolve abandonar o liceu. No entanto nunca abandona o estudo.  Aprende autodidacticamente o Alemão, aprofunda os seus conhecimentos de Francês, bem como alguns princípios da língua latina. Lê, lê sem descanso: os surrealistas, a Geração de 27, Mário de Sá-Carneiro, Beckett, E. M. Cioran, Krolow, Homero, Goethe, Hölderlin, Schiller, Cesariny, Kafke e por aí adiante. Dedica-se também, ferverosamente, ao estudo da filosofia, mas uma filosofia viva. Lê os clássicos, mas ama, sobretudo, o poeta/ filósofo Nietzsche, o qual lera pela primeira vez com a idade de 16 anos : "A Origem da Tragédia" e o existencialista Karl Jaspers.

Mais tarde abandona Portugal rumo à Alemanha, pais onde se encontra hoje radicado.