LUÍS COSTA:::::::::::::

SURREALHINOS  DE RESISTÊNCIA PARA FUTUROS ARQUIVOS
Para o Miguel de Carvalho 

DEUS, TEÓLOGOS E SARAMAGO

(Este surrealhino  foi escrito durante uma conversa sonhada com o
Miguel de Carvalho algures, talvez em Coimbra, ou nas florestas de Züschen)

Ó Miguel!

O Saramago diz que Deus não existe
e o mundo provinciano fica chocado.
Tocam-se os sinos a repique nas igrejas do interior
e depois chegam os versados em Deus:
teólogos, padrecos, toda aquela procissão
de castrados inquisidores e dizem
e juram que deus existe fora do tempo
ou dentro do tempo
que veio ao mundo
que deixou morrer o seu filho em nosso nome
( porra que Deus tão cruel! )
que afinal o Saramago é senil e analfabeto
e que não merecia o Nobel
Então, mas  se não o merecia porque é que Deus,
que é todo poderoso, e vê tudo, e está em todo o lugar,
 lho concedeu?
Mas pior do que isso, perguntamos:
por que é que  Deus  deixa vingar tanta miséria
e injustiça  pelo mundo fora?
Porque é que deixa morrer tanta criança inocente
à fome; ou sob as armas que são erguidas em nome
Dele, do próprio Deus?

Ó Miguel!

mas que seja assim:
a Deus o que é de Deus, aos Ateus o que é dos Ateus,
aos Teólogos o que é dos Teólogos
e nós, que rimos às gargalhadas, com tanta palhaçada,
dizemos com Pierre Simon Laplace:

Deus?
 je n’ai pas eu besoin de cette hypothèse. 

POEMA PARA FREUD
In memoriam António Maria Lisboa

Moveu-se um carro
– e depois?

Moveu-se a minha prima
Movemo-nos os dois.
Ela por cima
eu por baixo,
Sobre um carro de bois
Como nos bacanais de Diónisos
Só os dois
e os peixes solúveis
de entremeio diziam:

Evoé! Evoé!
Ó vida extrema,
até depois.

SEIS

Éramos seis
Mas não no quadro de Chirico

Éramos seis de cabeças médias
Pois os génios frequentam
A universidade,

Mas nós somos serralheiros
Mecânicos
Daqueles à antiga
com chave-inglesa
E cocaína na mão

Éramos seis?
Éramos,
ou não?

O quadro de Nietzsche
Diz que sim

Os óculos de Kant
Afirmam que não

Pela minha parte digo:

Sim sim
Sim nao
Sim

Tlim tlim
tlão tlão

RESISTÊNCIA

10 horas.
Züschen.
Rue Brückengarten 1.
É inverno.
Ponho as luvas de crin.
Ajeito o chapéu de coco. 
Entro no carro.
A caixa de velocidades
Relincha

O mundo é um barco à deriva
Por entre bosques.

Do outro lado do sonho,
espelhos com freiras peludas
que me olham lascivas.
E o olor do sexo quente
explode no banco de trás
pois é,
é a hora dos clítoris erectos.

Com as jeans a rebentar
dou  gás
 voo por cima da curva em gancho...

de súbito,
os corvos
de Van Gogh engolem o mundo...

Espelhos partidos

Mas a flor,
Ó Miguel!
na orelha de Breton,
é um milagre que persiste

A MÁQUINA DOS DEUSES

Respirado no quadro de Miguel de Carvalho:
“ Auto-retrato com máquina intempestiva “

A máquina dos deuses
Tem pés
E vagueia sozinha,
Pois os deuses,
Diz-se por aí,
Morreram;
Mas que importa isso
Se o peixe dos olhos mortos
 Ainda existe,
E um relógio sobrevoa
O céu dos sonhos.

Luís Costa,  Züschen 2009
( num dia de inspiração científica com gin tónico e tudo o mais. )

Luís Costa nasce a 17 de Abril de 1964 em Carregal do Sal, distrito de Viseu. É aí que passa a maior parte da sua juventude. Com a idade de 7 anos tem o seu primeiro contacto com a poesia, por meio de  Antero de quental, poeta/ filósofo, pelo qual nutre um amor de irmão espiritual. A partir dai não mais parou de escrever.

Depois de passar três anos  num internato católico, em Viseu, desencantado com a vida e com o sistema de ensino, resolve abandonar o liceu. No entanto nunca abandona o estudo.  Aprende autodidacticamente o Alemão, aprofunda os seus conhecimentos de Francês, bem como alguns princípios da língua latina. Lê, lê sem descanso: os surrealistas, a Geração de 27, Mário de Sá-Carneiro, Beckett, E. M. Cioran, Krolow, Homero, Goethe, Hölderlin, Schiller, Cesariny, Kafke e por aí adiante. Dedica-se também, ferverosamente, ao estudo da filosofia, mas uma filosofia viva. Lê os clássicos, mas ama, sobretudo, o poeta/ filósofo Nietzsche, o qual lera pela primeira vez com a idade de 16 anos : "A Origem da Tragédia" e o existencialista Karl Jaspers.

Mais tarde abandona Portugal rumo à Alemanha, pais onde se encontra hoje radicado.