Dia da Poesia . 21.03.2007

Organização de António Cardoso Pinto e Maria Estela Guedes

Porque o poeta não tem nunca nada a dizer que seja imediato. Não é
imediato porque é para sempre, para qualquer momento em que o ouçam,
para todo o instante em que o escutem. Ao perder para sempre todo o
sentido do imediato ganhou o título de príncipe para sempre. Mais do
que os príncipes de sangue hereditário que fazem suceder o mesmo
título através de várias gerações de vários indivíduos, o poeta
guarda no seu nome pessoal o título de príncipe até ao fim do mundo.


José de Almada Negreiros
O poema é
a liberdade

Um poema não se programa
porém a disciplina
- sílaba por sílaba -
o acompanha

Sílaba por sílaba
o poema emerge
- como se os deuses o dessem
o fazemos

Sophia de Mello Breyner Andresen

     

De instantes se forma o que se chama poesia. Da poesia à realidade vai a esperança que separa a folha da flor. A árvore existe. A vida não muda. Poesia, se não se faz: surge. Ninguém sabe o que é.

Segredo dentro de nós, e fora de nós. Está no corpo, e está no céu. Está na alma, e está na terra.

Alvaro Moreyra

Quando a História dorme, fala em sonhos: na fronte do povo adormecido o poema é uma constelação de sangue. Quando a História desperta, a imagem faz-se acto, acontece o poema: a poesia entra em acção.

Merece o que sonhas.

Octavio Paz

Poeta quer dizer Possesso. Não devemos confundir os artistas do verso com os criadores de Poesia. Os primeiros interessam apenas à Literatura, ao passo que os segundos têm um interesse vital e universal, como uma flor ou uma estrela.

 

Teixeira de Pascoaes

Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intacta.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consuma
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.

Carlos Drummond de Andrade

Quando já não havia outra tinta no mundo
o poeta usou do seu próprio sangue.
Não dispondo de papel,
ele escreveu no próprio corpo.
Assim nasceu a voz,
o rio em si mesmo ancorado.
Como o sangue: sem foz nem nascente  

Mia Couto

SEM TÍTULO

Todos os livros do Mundo me pertencem

- disponho de boas mãos e de olhos

rápidos a perseguir no escuro

as palavras ocultas -

porque é meu o subtil pé-ante-pé

de números e de nomes, cores diferentes

onde os livros sua morada encontram

e de onde nascem.

 

Nem cínico nem inocente - apenas deslizante

entre madeira, pedra, luzes, rastos

que de fora se chegam (caspité!).

 

É necessário possuir o mais extremo cuidado

e um fato singular ou então de Inverno

- que o homem calvo à espreita sempre está

a fim de caçar ora um endereço

ora uma expressão, ora um botão

- que teima! - desapertado.

 

(De súbito, a imagem dum frasco vazio

em que um bálsamo contra o acne se verteu

- são lá coisas dos médicos -

fornece novas argutas estratégias

e de terras distantes faz falar

com seus costumes inviolados

Lugares, é bem de ver, dos quais o perigo

também fez sua casa

e onde os frutos aguardam nas gavetas

que alguém os retalhe e desfigure)

 

O homem calvo ou a moça das doenças

das confusões, das rendas e dos flirts

aliás de bom tom e boa fé.

 

Não é pequena, entanto, a maldição:

aos outros ainda é dado contar

dos ventos, dos desânimos, dos doutores, das fechaduras

A mim somente me é lícito

dar por história a sombra de uma busca

rapinanço mais que tudo legítimo

(sacra juventude, tão alerta afinal!)

e o aperto de mão que tudo salva

como um brasão de inteireza

de quem está entre comas.

 

É então que o Medo às vezes vai connosco

na nossa caminhada para o lar

nestoutro continente simulado.

 

Todos os livros do Mundo me pertencem

- bons sustos me têm custado! -

que o sistema é só ter a relação

entre dedos e recordações de nebulosos

pedaços de matérias negras

vindas lá do começo de tardes domingueiras

ou então de nada reconhecível

a não ser de alguns minutos ao fim da vida.

 

Todos meus são

como por um acaso

- que todavia transborda

da rapidez de gestos e palavras.

 

Quem não entender que os compre

- ou que analfabeto fique...

 

Nicolau Saião

 

Fora existe o mundo.
Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
os rios, a grande paz exterior das coisas,
as folhas dormindo o silêncio,
as sementes à beira do vento,
- a hora teatral da posse.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.

Herberto Helder

 
 

Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam voo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto;
alimentam-se um instante em cada
par de mãos e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...

 

Mário Quintana

Ser poeta não é uma ambição minha.

É a minha maneira de estar sozinho.

 

Fernando Pessoa  (Alberto Caeiro)

 
Toda a poesia é luminosa, até
a mais obscura.
O leitor é que tem às vezes,
em lugar do sol, nevoeiro dentro de si.
E o nevoeiro nunca deixa ver claro.
Se regressar
outra vez e outra vez
e outra vez
a essas sílabas acesas
ficará cego de tanta claridade.
Abençoado seja se lá chegar.

Eugénio de Andrade

No seu jardim feito de tinta...

com insólita serenidade

o poeta percorre as áleas da memória

e caminhando por entre signos

contempla a distracção nula do tempo

o paradoxo incrível do ser

a ferida íntima da alma

 

Ana Hatherly

 

O poema não tem estrofes, tem corpo, o poema não tem versos,
tem sangue, o poema não se escreve com letras, escreve-se
com grãos de areia e beijos, pétalas e momentos, gritos e
incertezas

 

José Luís Peixoto

Nada mais urgente que um poema
para os que andam sós pelas avenidas universais
ou para os que andam sós mesmo que não o saibam

(acreditando-se em companhia por verem
cheias as mesas, cheias as casas, cheios os copos)
ou para os que carregam nos ombros o fardo
de buscarem nas ruas seu metro de individualidade
e seu quilo de dignidade.

 

Walter Cabral de Moura

 
Fazer um poema é fazer uma chave que abre o próprio poema.
Minto para dizer a verdade intuída, incapaz de se revelar se não
lhe construo casa, porta, fechadura e chave.  Este é o ofício do
poeta.

Adélia Prado
 

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!

Florbela Espanca

 
 
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