OBSERVATÓRIO DA NATUREZA

Répteis e Anfíbios
Conversa com E.G.Crespo

Todas as espécies de Répteis e Anfíbios estão actualmente protegidas

A série fotográfica apresentada em baixo mostra
uma horta, perto de Lamego, na qual existe um tanque de rega com águas paradas, quase totalmente debaixo de sol. A água do tanque não é usada há uns três anos porque a agricultura está a desaparecer, e já muitos campos foram entregues aos fetos e às silvas. Nesse tanque, apesar dos pássaros mortos que nele vão apodrecendo, e de outros detritos, sobrevive uma grande variedade de animais, uns microscópicos, e outros visíveis a olho nu. Entre estes, rãs e tritões (Triturus marmoratus). Também se vêem ainda ovos e girinos (foto 1). A rã da imagem 4 despertou-me curiosidade, por ser branca (Rana iberica anómala). Os tritões (seis ou sete) e a outra rã (Rana perezi, de que só vi dois indivíduos) parecem saudáveis, se bem que uma das R. perezi seja anómala (não tem metade de um dos membros posteriores). Um tanque de águas mortas não é exemplo do lugar
e modo de vida mais próprios destes animais,
documenta apenas a sua capacidade de tolerância e de resistência.
Estes factos levaram-me a escrever ao amigo e colaborador do TriploV, E.G. Crespo*, a pedir que identificasse as espécies
e comentasse alguns pontos que levantam problemas.

Maria Estela Guedes



Estela Guedes
- Eduardo, parece que a vivência tem patamares, e que a sobrevivência é já uma antecâmara da morte. O que falta aos animais das fotografias para viverem e para se reproduzirem normalmente? Os lagos em que habitualmente vivem?

Eduardo Crespo – Realmente podemos interpretar sobreviver, como viver… apesar de...! Mas por outro lado viver é também, só por si, sobreviver, dado que a vida acaba por ser um processo de luta constante contra a morte. Esta impõe-se logo que deixemos de a combater…. Nesta perspectiva o simples facto de respirarmos, alimentarmo-nos, etc…, são acções imprescindíveis no combate àquilo a que chamamos de morte (do indivíduo). Terminado este preâmbulo mais filosófico, podemos concluir, respondendo objectivamente à questão, que o que falta a estes animais para viverem e para se reproduzirem é fundamentalmente qualidade ambiental. Embora possam viver em diversos tipos de depósitos aquáticos, os anfíbios privilegiam os depósitos temporários (pequenos charcos ou lagoas), onde a competição com os seus predadores naturais, sobretudo os peixes, não existe ou é mais reduzida. Assim a conservação destes pequenos charcos que se formam com as chuvadas, e que duram mais ou menos tempo, é essencial para a sua sobrevivência, uma vez que é nas suas vizinhanças que vivem e é neles que em geral se reproduzem.

Estes pequenos charcos todavia tendem cada vez mais a desaparecer. Como são viveiros de mosquitos, são muitas vezes aterrados ou atulhados com os mais diversos detritos (plásticos, restos de móveis ou electrodomésticos, etc.). É necessário sensibilizar as populações para a importância destes pequenos charcos temporários essenciais à sobrevivência não só de muitas espécies de anfíbios mas também de muitos outros discretos grupos de animais e plantas.

Estela Guedes - Uma vez disse-me, Eduardo, que espécies congéneres não vivem no mesmo habitat. Um tanque é um espaço tão pequeno, e no entanto vivem ou viviam nele representantes de duas espécies do mesmo género, Rana. Isso acontece no campo, em charcos ou espaços maiores?

Eduardo Crespo – No processo mais vulgar de formação de novas espécies, estas diferenciam-se em geral em áreas geograficamente separadas por barreiras geográficas ou ecológicas. Mas isto passa-se apenas na fase inicial do processo da diferenciação das espécies. Mais tarde, já diferenciadas, podem entrar em contacto mais ou menos estreito. Se a diferenciação não for ainda efectiva pode haver hibridação e até, eventualmente, fusão das duas, neste caso, incipientes espécies. Há muitos exemplos, mesmo na nossa fauna batracológica, de vários pares de espécies congenéricas que estão muitas vezes em estreito contacto: Rana iberica / Rana perezi; Hyla arborea / Hyla meridionalis; Triturus helveticus / T.boscai (embora este último agora se considere incluído num novo género, Lissotriton).

Estela Guedes - As pessoas matam todos os sardões e cobras que apanham pela frente. Que perigo oferecem estes animais? Estamos na zona de Lamego, em regiões agrícolas ou na periferia de povoações. Que espécies de Serpentes podem estar representadas por aqui, e quais as mortíferas?

Eduardo Crespo – Nessa zona todos os lagartos e cobras são absolutamente inofensivos, salvo Vipera latastei (Víbora).

Na região de Lamego poderão eventualmente encontrar-se as duas cobras de água (Natrix maura e N. natrix) (apenas mal cheirosas), a cobra-rateira (Malpolon monspessulanus), de dimensões apreciáveis, potencialmente perigosa, mas que, tendo as presas venenosas na parte posterior das maxilas, não consegue, quando morde, injectar o veneno (salvo em casos muito particulares). Poderá também existir a cobra-de-ferradura, Coluber hippocrepis (=Hemorrhois hippocrepis), inofensiva, e as duas espécies de cobras lisas da nossa fauna, Coronella austriaca e C. girondica (também inofensivas).

Portanto a única perigosa é realmente e apenas a Víbora, que se distingue bem por ter o focinho arrebitado, um padrão de coloração dorsal com uma banda escura em zig-zag, e uma cauda muito curta. Mas atenção! Este animal é pacífico e só ataca quando directamente molestado!

Estela Guedes - Os sardões também vão à vida. Trepam pelas pernas das mulheres, diz-se, por isso não sobrevivem, se calha aparecerem à frente de uma sachola. Como é possível pensar em preservação das espécies, com a sobrevivência de tais mentalidades, e como se lida com o problema?

Eduardo Crespo – Para se lidar com este problema é sobretudo necessário esclarecer as pessoas. Mostrar-lhes a importância biológica e até económica destes animais, os seus hábitos muito particulares e portanto curiosos, a sua estética que por vezes passa despercebida. Há portanto que destruir essas falsas crenças e antigos mitos populares com uma acção fundamentalmente concentrada nos mais jovens, nas escolas.

Estela Guedes – Que espécies, de Répteis e Anfíbios, com possibilidade de existirem aqui na região de Lamego, estão protegidas?

Eduardo Crespo – Todas as espécies de Répteis e Anfíbios estão actualmente protegidas (ver Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal 2005). É proibida a captura, ou a simples detenção de formas selvagens da nossa herpetofauna. Algumas, face ao seu estatuto de ameaça, têm um nível de protecção mais exigente. São os casos, para a região de Lamego, de Chioglossa lusitanica (Salamandra lusitânica), Discoglossus galganoi (Rã de focinho pontiagudo), Coronella austriaca (cobra-lisa-europeia) e Vipera latastei (víbora cornuda).

*E.G.Crespo é professor catedrático da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Como herpetologista, tem feito muito trabalho de investigação sobre os répteis e anfíbios que ocorrem na Europa, em África, mas especialmente em Portugal.
 
 
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