• AS RELIGIÕES
    E O SERVIÇO PÚBLICO DE TELEVISÃO
    PAULO MENDES PINTO

Depois de algumas semanas de certa acalmia, a questão do Serviço Público de Televisão voltou a estar no centro dos noticiários.

Muito se tem dito e escrito sobre este «serviço público», mas faltam instrumentos que nos permitam, de forma relativamente clara, aferir e definir o que por ele entender.

Aplicada esta noção de Serviço Público de Televisão ao campo das religiões a situação é ainda mais problemática que noutros campos mais falados e debatidos.

E a situação apresenta-se-nos mais complexa porquê? Porque ao abrigo da legislação ainda em vigor, o Estado está obrigado a fornecer, enquanto necessidade e obrigatoriedade desse dito Serviço Público de Televisão, espaços televisivos aos grupos e confissões religiosas.

Ora, até aqui poderia parecer que tudo estava bem, dentro do que se deseja para a sociedade: um espaço em que as religiões pudessem transmitir as suas tradições, o seu património, a sua mensagem que, no fundo, é imagem, reflexo, do seu lugar na nossa sociedade.

Mas o essencial da questão não se esgota aqui, como se pode esmiuçar nas últimas Jornadas de Ciência das Religiões, «As Religiões e os Media», organizadas pelo Centro de Estudos em Ciência das Religiões da Universidade Lusófona. Antes pelo contrário: a concessão de um espaço específico para as confissões escamoteia, esquece, o fulcro da questão: a religião não é (só) coisa das confissões.

Como paralelo para a compreensão desta disfunção posso falar no caso do tabaco (sempre tão falado quando se fala em direitos dos cidadãos): há quem fume, que escolha, que tenha por opção fumar, e há aqueles que, nunca tendo tocado num cigarro, são obrigados a conviver, a ingerir, a fumar, o fumo dos outros.

Na nossa sociedade acontece exactamente o mesmo com o fenómeno religioso. Há uma parte do grupo humano português que é praticante de uma qualquer confissão religiosa, e há a grande maioria que o não é.

Esta maioria que não vai a templo algum, que não tem no centro do seu dia a dia qualquer culto ou qualquer crença religiosa, vê televisão, ouve rádio e lê jornais e revistas. No limite, ela é diariamente bombardeada, essencialmente via televisão, com notícias sobre as mais bárbaras violências feitas em nome ou no contexto de um qualquer credo – não sendo religiosos, como normalmente se diz, praticantes, eles são consumidores da notícia religiosa.

Onde deveria estar a ser aplicada a noção de Serviço Público de Televisão? No facto suportado por lei de as confissões terem um espaço televisivo para a transmissão da sua mensagem? Ou no dever de as cadeias de televisão tratarem com conhecimento, rigor e ética, as notícias que todos os dias colocam em nossas casas?

A verdade é que todos nós temos uma cultura essencialmente televisiva sobre os fenómenos religiosos. Se não forem as redacções das cadeias de televisão a terem uma atitude séria perante o fenómeno religioso, toda a sociedade sofrerá com esse facto.

Neste momento, é a SIC, a TVI e a RTP que fazem a formação religiosa de toda a enorme mole de cidadãos que não se enquadram em crença alguma. Toda a nossa cultura religiosas vem da «caixa que mudou o mundo».

Que mais interessa? Uns minutos diários dedicados a cada confissão, em horário não nobre, ou o tratamento sério, rigoroso e com conhecimento do fenómeno religioso em muitas das notícias que são veiculadas diariamente em horário nobre?

A televisão está a fazer, queira-se ou não, bem ou mal, aquilo que em muitos países já é feito pela escola: o ensino da religião numa perspectiva cívica, de conhecimento dos fenómenos e da história das religiões presentes em cada país aplicado ao momento presente.

Se não for a televisão a dar-nos uma visão séria da religião, quem será?




Paulo Mendes Pinto é especialista em História e Fenomenologia
das Religiões
(paulopinto@mail.vis.fl.ul.pt)