PAULO MENDES PINTO : AS FACES DA RELIGIÃO
A propósito do 17º encontro internacional da Comunidade de Sto. Egídio
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Mais uma vez, a 17ª, a Comunidade de Sto. Egídio reúne um grupo significativo de religiosos ou simples interessados pelo fenómeno religioso, para debater temas próximos do ecumenismo e da sã convivência religiosa. Desta vez o local escolhido foi Aachen / Aix-la-Chapelle, na Alemanha, e o tema central é «Entre guerra e paz, religião e cultura encontram-se».

Ainda há pouco tempo, o palco foi Portugal, com especial acolhimento da Fundação Mário Soares - figura pública que também participa no encontro agora a decorrer. Desde 1968, no clima do pós Concílio Vaticano II, que esta comunidade realiza estes encontros. Têm todo o sentido num mundo que actualmente cada vez vê mais a religião como uma parcela significativa da guerra e dos fundamentalismos, e cada vez menos como uma parte e peça fundamental da paz e das culturas humanas.

Na antiga capital de Carlos Magno, lá se encontram líderes religiosos de muitas confissões, centenas deles, entre os quais alguns iraquianos que equacionam profundamente o destino do seu pais.

Mas a situação destes encontros leva-nos ao equacionar de um problama que nos parece central: qual o peso destes encontros na verdadeira vida das confissões e dos seus crentes. O que destes tão bem intencionados encontros passa para os efectivos líderes religiosos, para a sua relação com os crentes de outras religiões, para a relação entre credos que, de facto, deveria ser pacífica e garante da paz entre as nações?

Já 17 vezes estes encontros se deram. Já muita gente morreu em nome de Deus desde então.

Que falha? Estaremos perante uma aberta tentativa de ecumenismo, ou estaremos simplesmente perante um grupo pioneiro que pouco eco tem dentro das suas confissões? Mas mesmo a escolha de Aix é complicada pelo peso simbólico que tem. Sede do poder da Carlos Magno (na passagem do século VII para o IX), aí se centrou administrativamente a nascente luta entre o Islão e a Cristandade (O Islão chega à Península Ibérica em 711). Nessa época ecumenismo era palavra que nenhum significado teria. A guerra pela expansão da fé era um dado adquirido por ambas as partes.

Mas é também na corte de Carlos Magno que terá sido forjada a famosa Doação de Constantino que legitimava o domínio temporal do papado sobre parte dos territórios da Península Itálica, abrindo assim caminho para um centro da Igreja cada vez mais desejoso de poder temporal, como qualquer efectivo reino.

Carlos Magno, pela sua chancelaria, dava ao papado a legalidade territorial através de um documento falso feito cinco séculos depois da sua data oficial; o papado dava ao monarca franco o Império, o título imperial que receberia em coroação na noite de Natal do ano 800.

Muito se começava a jogar religiosamente no campo do poder territorial e militar. A noção de cristandade consolidava-se nesse quadro. O Islão era o inimigo a aniquilar, antes que nos aniquilasse. É complicada a reflexão sobre a cultura da paz numa cidade como esta. Será que estas buscas de ecumenismo, à imagem da cidade onde estão a decorrer, estão votadas ao fracasso?

 
PAULO PINTO. Historiador das Religiões. Docente em Ciência das Religiões na Universidade Lusófona.
(paulopinto@mail.vis.fl.ul.pt)