O Discurso de Aimé Césaire

STELA LOURENÇO


Resumo

O Discurso Sobre o Colonialismo é uma resposta crítica aos valores europeus estabelecidos numa Europa centrada no etnocentrismo da colonização, é essa Europa que o autor desacredita veementemente, em múltiplas acusações a intelectuais europeus, supostamente integrados em correntes liberais.

É no enquadramento de Senghor e Franz Fanon que Césaire se bate, pelo reconhecimento do conceito de negritude.

Césaire interveio pela denúncia dos crimes perpetrados pelo colonialismo, sob o mote civilizacional, pois destruíram-se, assassinam-se e usurparam-se condições de vida; em suma, a grande vergonha do século XX.

O autor questiona como se teria enunciado o racionalismo cartesiano se o filósofo tivesse argumentado, na perspectiva do escravo? Que metamorfoses adviriam na expressão da racionalidade europeia, nos séculos XIX e XX, nessa óptica?


Quem foi Aimé Césaire?

Militante do Partido Progressista, por efeito da concernente intervenção política logrou alcançar o estatuto de departamento ultramarino para a Martinica, num período precedente integrara as fileiras do Partido Comunista da Martinica. Aquando da criação de um Conselho Regional, no seu local de origem e, no decurso dos resultados eleitorais de 1983, Césaire, enquanto membro e fundador do Partido Progressista foi eleito Presidente da Câmara e deputado, sendo sucessivamente reeleito, nesses cargos, entre 1945 e 2001.

A sua actuação contextualiza-se por uma intervenção política marcada pela defesa das suas raízes africanas ostentando como divisa a independência do Haiti, por esta provir de uma revolta de escravos. Em Paris é despertado por Senghor, Franz Fanon e outros intelectuais africanos, para a defesa dos direitos dos negros batalhando pelo reconhecimento do conceito de negritude que, numa acção política mais alargada, agregava os protestos das lutas anti-coloniais aos do movimento operário.


Os Visados pelo Discurso

O Discurso sobre o Colonialismo é uma réplica ao Discurso do Método de Descartes, na filosofia cartesiana impera o preceito da análise racional como parâmetro válido para todas as coisas contendo uma metodologia subjacente, em que só se considera como verdadeiro aquilo que for intuído com clareza e distinção. Método esse que conduz o uso da razão, em busca daquilo que é verdadeiro; daí a interpelação: “Mas o que sou eu então? Uma coisa pensante. O que quer isto dizer?(Descartes, 1992:124)

As interrogações mantêm-se: como se teria enunciado o racionalismo de Descartes se o filósofo tivesse argumentado, na perspectiva do escravo? Que método se vaticinaria, como solução para a colonização? Que metamorfoses adviriam para a racionalidade europeia, nos séculos XIX e XX, encaradas a partir da perspectiva do escravo? O autor rebate as alegações dos pretensos mecenas do saber universal, os presumíveis representantes de uma consciência liberal europeia e, em espacial, os militantes da causa nacionalista.

É neste enquadramento que o autor, num gesto de crítica externa exorta os pensadores europeus à responsabilização considerando que atraiçoaram Descartes, ao alicerçarem-se na mentira, ao invés da clareza e distinção, como aspectos centrais do projecto europeu. Aduz-se que, desde os primórdios, os intelectuais europeus se empenharam numa postura de desresponsabilização e, identicamente, nunca conferiram importância a todos os ultrajes praticados e ademais, jamais se opuseram às atrocidades cometidas pelo colonialismo.

Constatando ainda que os discursos dos cientistas ocidentais, os tais que se arvoravam em arautos do racionalismo, apartavam das suas demonstrações o princípio da razão universal, ainda que, segundo Descartes “(…) o bom senso ou razão, é naturalmente igual em todos os homens (…)embora tal princípio não se aplicasse às populações não europeias. (Descartes, 1980:5)

O autor debate: “Qual foi o papel da burguesia europeia? O que é que fez?” Aniquilou civilizações, destruiu culturas, exterminou a raiz da diversidade, eliminou as culturas locais facultando a irrupção da barbárie, da violência desmedida, da banalidade e da desordem. (Césaire, 1978: 67)

Raras excepções se insurgiram, na classe intelectual europeia da época, entre eles destaque-se Sartre, no Le Génocide, ao contestar: “(…) a colonização é, necessariamente, um genocídio cultural: não se pode colonizar, sem liquidar, sistematicamente, os traços particulares da sociedade indígena, ao mesmo tempo que se nega aos seus membros que se integrem na Metrópole e beneficiem das suas vantagens. “(Sartre, 1967 in Césaire, 1978: 7)

 

A Colonização e os seus resultados

Que não se crie a ilusão de que a colonização foi uma acção evangélica ou filantrópica, nem uma vontade de recuar as fronteiras da ignorância, da doença ou da tirania, nem da extensão do Direito, de modo veemente descarta-se tal motivação. Não é redundante afirmar que o que subjazeu à colonização foi o ensejo de aventura, pirataria, riqueza e a ambição de assacar outras civilizações.

Enquadrava-se o colonialismo numa moral burguesa, igualada à da classe estabelecida após a Queda da Bastilha, confinante com o Antigo Regime realçando-se ainda que o Novo Mundo, pela sua distância e características geográficas se prestava mormente ao acolhimento de degradados, com funções de comando.

A volatilidade das colónias, enquanto territórios amplos e longínquos predispunha-se mais à prática de crimes violentos; idênticas práticas em territórios europeus sujeitar-se-iam a restrições normativas. À luz de uma interpretação psicanalítica, a prática de crimes violentos, naqueles territórios, afigurava-se como um escape aos instintos violentos recalcados; daí que as colónias comparecessem como válvulas de segurança, para as sociedades daquela época.

A colonização é, no entender do nosso autor, uma acção anti-civilizacional que degrada o colonizador despertando-lhe instintos ocultos visíveis na cobiça, violência e no ódio racial; por esse facto não será despiciendo afirmar que a Europa foi a promotora dos actos de selvajaria que se apoderaram do continente.

Além das máximas da filosofia francesa todavia, subsistem as percepções e as mágoas daqueles que suportaram a violência colonial, assim como os seus juízos corroborados pelas sevícias impostas, de um modo claro e distinto, realidades essas que os europeus recusam reconhecer.

Césaire acusa os europeus que na sua incursão em África exploraram despudoradamente o potencial africano, ademais impondo uma concepção parcelar e facciosa dos direitos humanos denegando qualquer aspiração à igualdade: “Não se trata de suprimir as desigualdades entre os homens, antes, pelo contrário, trata-se de as amplificar e de as converter em lei.” Os negros intervinham, somente, em posições secundarizadas, ou então, em atitudes de subserviência. Os colonizadores residentes isolavam-se em bolhas sociais, em regime de exclusividade obliterando os habitantes das paragens. (Césaire, 1978:19)

Com a chegada dos europeus aos locais a colonizar impôs-se uma redundante reinvenção dessas paragens, com uma destruição deliberada das culturas locais que o autor denominou por “coisificação” impregnando-se, desse modo, os efeitos da colonização nas culturas locais. (Césaire, 1978:44)

Nomeadamente na intervenção no ex-Congo Belga, onde prevaleceu o não respeito pela propriedade privada e os direitos humanos, tais afrontas propiciavam-se a realçar a supremacia do colonizador aspirando como feito a desconsideração pela filosofia local, a filosofia Bantu, a qual se impunha como um imperativo de ordem moral e o seu vilipêndio demonstrava-se como uma forma de menosprezo “(…) emancipar as raças primitivas do que é valoroso, do que constitui um núcleo de verdade do seu pensamento tradicional.”Eram peças culturais com um significado profundo, semelhante à relação com o sagrado, pois mediante o envolvimento, com esses artefactos, os participantes alegavam ligar-se aos seus antepassados. (Césaire, 1978: 44)

O corolário lógico desta averiguação é o de indagar as vantagens do tão proclamado intercâmbio civilizacional, proveniente da colonização: ter-se-ão constituído, verdadeiramente, vínculos? Antepõe-se, à partida, que tais elos estariam desprovidos de apreço pelos valores humanos, mais essenciais, pois na cisão estabelecida, entre o colonizador e o colonizado, o segundo adquire sempre uma dimensão não humana, isto é, não racional.


Perspectivas de europeus, acerca de não-europeus.

Jules Romains, membro da Academia Francesa e director da revista Deux Mondes, numa obra intitulada La Réforme Intelectuelle et Morale, publicada em França no pós-guerra, defendia que existiam povos vocacionados para determinadas funções, uns para deterem funções de chefia, outros de subserviência: “(…) uma raça de trabalhadores da terra, é o negro sede para ele bom e humano e tudo estará em ordem; uma raça de senhores e soldados é a raça europeia.” (Césaire, 1978: 35).

Analogamente Albert Serraut, legitima a ocupação europeia, baseando-a na manifesta incapacidade dos povos colonizados, em gerir a riqueza dos seus territórios. De acordo com o seu parecer, antevira-se um desperdício de potencialidades, nos territórios colonizados, caso não se registassem intervenções oriundas do flanco europeu.

Em corrente similar o Reverendo Barde defendia que os antevira-se um desperdício dos bens deste mundo e das respectivas potencialidades, nos territórios colonizados, sem a colonização e que: “(…)não corresponderia aos desígnios de Deus, nem às justas exigências da colectividade humana.”

Em consonância, na prelecção do Reverendo Muller perfilha-se que: “(…) a humanidade (…) não pode tolerar a incapacidade, a incúria dos povos selvagens que deixem indefinidamente sem emprego as riquezas que Deus lhes confiou, para as colocarem ao serviço de todos.” (Césaire, 1978:20)

O escritor enuncia ainda distintas conjunturas, onde se perfilam acções dessa efectiva barbárie, não é de escamotear o discurso do coronel Montagnac, aquando da incursão do exército francês na Argélia: “Para varrer as ideias que assediam algumas vezes, mando cortar cabeças, não cabeças de alcachofras, mas verdadeiras cabeças de homens.” Ainda no enquadramento da colonização francesa, enunciam-se as atrocidades cometidas em Madagáscar, com 90.000 mortos, e os assassinatos e torturas medievais perpetrados na Indochina. (Césaire, 1978: 22)

Distintos autores prosseguiram nesta linha, participando em acalorados debates: Só aceito a discussão com pessoas que admitam a seguinte hipótese: uma França que tenha no seu solo metropolitano dez milhões de negros, dos quais cinco ou seis milhões no Val de Garonne.” O preconceito da raça nunca teria aflorado as nossas bravas populações do Sudoeste? Nenhuma inquietação surgiria, caso se tivesse colocado a questão de entregar todos os poderes a esses pretos, filhos de escravos?” Adiante remata: “A raça negra ainda não deu, nem nunca dará um Einstein, um Stravinsky, um Gershwin. “ (Césaire, 1978: 35)

E ainda nesta linha argumentativa justificava-se o posicionamento de dependência dos colonizados, devido à acção de alguns racionalistas franceses logrou-se a regulação dessa categoria e, contundentemente, Mannoni assevera: “o malgaxe não ultrapassa as fases do desenvolvimento infantil, por essa razão nunca atingirá a idade adulta, aspirando sempre a manter a tutela da autoridade paterna; observação manifesta na expressão: Os pretos são crianças grandes.” (Césaire, 1978: p.46);

À semelhança do anteriormente enunciado De Gourou, por seu turno, na obra Les Pays Tropicaux explana: “(…) nunca houve grandes civilizações tropicais, nunca houve uma grande civilização, a não ser em climas temperados, de modo que em qualquer país tropical, o germe da civilização só pode vir dum além extra-tropical e sobre os países tropicais pesa a maldição biológica dos racistas, pelo menos com as mesmas consequências, uma será menos eficaz e essa será a maldição geográfica.” Em suma, neste panorama os mais diversos historiadores empenharam-se em negar, qualquer mérito às raças não-brancas.” (Césaire, 1978: p. 40)

Nesse período, relativamente à percepção dos tributos meritórios oriundos do continente africano impôs-se achar uma justificação para o caso do Egipto, onde se apurou o empenho em afastar, geograficamente, o país do continente africano: “(…) quase todos os sábios ocidentais fixaram deliberadamente p objectivo de arrebatar o Egipto à África …” Nesse intuito achou-se conveniente o enquadramento na fronteira mediterrânica, local factível, para a integração dos egípcios na raça branca. (DIOP, 1955 in Césaire,1978:p.42)


Mal-Estar Europeu

Césaire considera a civilização europeia inapta para deliberar sobre os problemas originados pela sua própria subsistência; a saber, as reivindicações económicas e sociais latentes, nas lutas do proletariado e por todas aquelas que decorrem dos efeitos das práticas coloniais.

A expropriação justificava-se, com base na manutenção da conveniência da ordem pública; discurso que segundo o autor se assemelha à intervenção hitleriana, iniciada com acções de expropriação que desembocariam, ulteriormente, em campos de concentração. Do seu ponto de vista, desde o seu advento o colonialismo ter-se-á propagado através de actos de barbárie aniquiladores das remanescentes civilizações.

Os intelectuais não-brancos equipararam o colonialismo a uma forma de expressão de fascismo; quer no colonialismo francês quer no inglês, ambos detinham metodologias similares às empregues pelo regime nazi, com a particularidade de os crimes coloniais se aureolarem numa civilização cristã, em defesa de uma raça dita superior que afirmava a preeminência arbitrária dos valores europeus, sobre qualquer outra cultura.

Para o nosso autor “(…) uma civilização que se revela incapaz de resolver os problemas inerentes ao seu próprio funcionamento é uma civilização decadente.”E prosseguindo na sua linha e fazendo jus às suas palavras, (…) uma civilização enferma que trapaceia os seus princípios volve-se numa civilização moribunda.” (Césaire, 1978: 51)

Ao autor importava reunir factos que atestassem o estado agonizante da burguesia francesa enquanto sociedade decadente, daí o prognóstico que antes de desaparecer, a relatada se conspurca e desonra: “… é com a cabeça enterrada no esterco que as sociedades moribundas soltam o seu canto do cisne.“(Césaire, 1978: 51)

Além de Descartes, Césaire acercou-se de outros filósofos europeus, porém, por razões distintas, Heidegger, pela via poética, implicada noutra questão capital: a da crise da Europa. No que concerne a Husserl foi através das suas Meditações Cartesianas que este filósofo intentou replicar à crise da modernidade, com uma transmutação do pensamento cartesiano.

Por seu lado Heidegger que também assume uma postura crítica, face ao império da tecnologia e da razão instrumental, propõe um regresso à Filosofia Grega dos primórdios, nomeadamente à Filosofia Pré-socrática, pois, em seu entender, o pensamento europeu favoreceu o olvido da ontologia, enquanto filosofia primeira. Por esta via o filósofo acima citado, na sua análise da compreensão do Ser opõe-se aos pensadores racionalistas como Descartes e, em simultâneo, contesta a vaga de niilismo e cosmopolitismo desenraizado que se propagara no mundo ocidental, após a revolução francesa.

Na senda dos pensadores europeus daquele período, o autor em estudo procurou suporte naqueles filósofos que ensaiaram uma reformulação das bases do projecto histórico europeu, a partir da centralidade do sujeito e do valor epistemológico da clareza e distinção, e, em ocorrências distintas, pela fenomenologia e hermenêutica.


A Reconquista da Identidade

Sobressai em especial, neste Discurso a inserção de um novo tipo de criticismo da razão, assente na clareza da forma como o sujeito colonizador perverteu o projecto civilizacional europeu. O manifesto de Césaire, inicialmente escrito em 1950, inscreve-se no âmago de um evento fundamental que modelaria o devir dos povos, saqueados pela História, a saber, a reconquista da identidade, materializada nas lutas de libertação nacional.

Obra tida como uma declaração de guerra, enquanto manifesto que capta o espírito de uma época, coincidente com o período, em que se reivindicam as independências em África; em 1945, em Manchester ocorrera a reunião do Congresso Pan-Africano, onde se debateram questões alusivas à liberdade e ao futuro de África; em 1955, em Bandung, na Indonésia, os representantes dos Países Não-Alinhados centraram-se, identicamente, sobre temas atinentes à liberdade e ao futuro do Terceiro Mundo.

Ainda que o contesto racial pressupusesse o estabelecimento de um compromisso marxista na Europa compactuado com as políticas de identidade, todavia Césaire ultrapassou- essa abordagem, ao procurar uma resposta concomitante para ambos os problemas: laborais e coloniais.

Ao prosseguir o seu raciocínio, o escritor questiona a proveniência das obras de arte presentes, em todos os museus ocidentais, considerando que, desde os primórdios a Europa se regulou pela destruição sistemática: “(…) que fez a Europa burguesa senão isso? Ceifou as civilizações, destruiu as pátrias, arruinou as nacionalidades, extirpou a «raiz de diversidade».” Adiantam-se estes factos, como provas evidentes da devastação perpetrada, pela civilização europeia que, desde os primórdios, se terá dedicado ao aniquilamento de culturas divergentes. (Césaire, 1978: 67)

Nas primeiras linhas da obra em análise enuncia-se, desde logo, o pressuposto da exposição: A Europa terá que se justificar, face à ausência de razão que pauta as suas intervenções coloniais e, nessa avaliação, não figuram apenas elementos europeus, mas o mundo inteiro, pois no decurso da Segunda Guerra Mundial ocorreu o holocausto, em que os responsáveis que ainda foi possível identificar foram alvo de condenações penais, tal não se verificou em atrocidades equiparadas, cometidas por colonialistas individuais ou estatais e, inclusivamente, por ordens religiosas.


Enquadramento histórico e ideológico do Discurso

Finalmente o autor sustenta que cabe “(…) à Europa a galvanização das culturas moribundas, caso a civilização europeia não adopte uma postura de ressurgimento de novas culturas, criando novas pátrias e culturas e tal deverá incluir a resiliência da população colonial, caso contrário sucumbirá nas trevas.” (Césaire, 1978: 11)

Em senda idêntica e ultrapassada a fase da aplicação de métodos urge pois a implementação de uma revolução e, só através dela, se poderá escapar à tirania de uma burguesia desumanizada prevendo-se a sua substituição, por uma sociedade sem classes, com uma missão universalista, protagonizada pela única classe que sofreu todos os males da História: a classe proletária.


Conclusão

Esta obra inscreve-se no íntimo dos eventos desse período, em que os povos ultramarinos reclamavam as respectivas independências, num período em que se assistia, no mundo ocidental, a múltiplas reivindicações de direitos civis e laborais. Esta acção intentava desmascarar o teor racista e moralista das gerações de colonizadores que perpetuaram o poder em África, alegadamente em prol da difusão de um saber universal.

Importava averiguar o que restava da regra do método cartesiano, a qual proclamava que “(…) a razão, é naturalmente igual em todos os homens (…) a diversidade das opiniões não resulta de uns serem mais racionais do que os outros, mas somente de que conduzimos os nossos pensamentos, por caminhos diversos (…) a análise racional é um parâmetro válido para todas as coisas?” Paira a interrogação se a clareza e a distinção se aplicariam às investidas coloniais? Em sentido inverso que método aprimorar, a fim de descortinar os verdadeiros efeitos da descolonização? Que motivações instigaram as manifestações de irracionalidade, por parte dos colonizadores e que racionalidade conduzira a práticas hediondas, noutras paragens? (Descartes, 1980:5)

A desresponsabilização das sobre educadas elites brancas europeias que se regularam pela destruição de civilizações ao participarem na supressão das culturas locais e, de acordo, com o autor foi esse o germe da presente torrente de violência.

As acusações resultantes da acção de grupos de luta que de modo directo deixaram lastro na perpetuação das mensagens, pelo seu teor político-ideológico, no quadro da cena internacional emergente, como foi o caso de Amílcar Cabral que se manifestou pelo: “(…)direito dos povos, em situação colonial, a terem a sua própria história.” (Cabral, 1976 in Césaire,1978: 10)

No circuito dos pensadores europeus o autor procurou suporte naqueles filósofos que ensaiaram uma reformulação das bases do projecto histórico europeu, a partir da centralidade do sujeito e do valor epistemológico da clareza e distinção, nalguns dos casos e noutros, pelos itinerários da fenomenologia e da hermenêutica.

Apesar de todas as críticas à civilização europeia, Césaire não se via como um anti-europeísta, nem desejava um regresso a um passado pré-europeu, conjecturando, inclusivamente, que tal estorvo implicaria um retrocesso.

No momento actual e no cerne desta problemática importa questionar de que cultura se trata? Será que as narrativas predominantes partem do pressuposto de que existe uma cultura africana genuína, isenta de contaminações que terá miraculosamente sobrevivido a todos os contactos exteriores?

Omitem-se, convenientemente, todos os contactos anteriores? Por esta via incute-se uma imagem mitificada de uma origem e ao invocá-la retoma-se, de alguma forma, o discurso de outros períodos, a partir da glorificação de identidades nacionais que, já entraram no domínio do imaginário. 


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

CÉSAIRE, Aimé (1978) Discurso Sobre o Colonialismo. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora.

CABRAL, Amílcar, 1976. Fundamentos e Objectivos de Libertação Nacional, em Relação com a Estrutura Social in A Arma da Teoria, Seara Nova. In Césaire, 1978. Discurso Sobre o Colonialismo. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, p.10.

DESCARTES, 1980, O Discurso do Método, Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora.

DESCARTES, Meditações sobre a Filosofia Primeira, Coimbra: Livraria Almedina, 1992.

DIOP, Chelkh Anta. 1955. “Nations Nègres et Culture”, Présence Africaine in Césaire, Aimé. 1978. Discurso Sobre o Colonialismo. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, p.42.

SARTRE, Jean-Paul. Dezembro 1967.“Le Génocide” in Les Temps Modernes, Ed. Paris: Gallimard in Césaire, Aimé. 1978. Discurso Sobre o Colonialismo. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora.


Palavras-chave: colonialismo, identidade, negritude, racionalismo.