III - Educação Para
o Ócio
Hoje vou matar alguma coisa. Qualquer coisa.
Fartei-me que me ignorassem e hoje vou ser
Deus.
É um dia como outro qualquer, u
ma espécie de cinzento com tédio a abalar as
ruas.
Esmago uma mosca contra a janela com o meu
polegar.
Fazíamos isso na escola. Shakespeare. Era
noutra
língua e agora a mosca está noutra língua.
Expiro talento no vidro para escrever o meu
nome. Sou genial.
Eu podia ter sido tudo, com metade da sorte.
Mas hoje vou mudar o mundo. O mundo de alguma
coisa.
O gato evita-me. O gato sabe que eu sou genial
e escondeu-se.
Despejo o peixe dourado pela pia abaixo. Puxo a
corrente.
Vejo que isso é bom! . O periquito entra em
pânico.
Uma vez em quinze dias, vou à baixa picar o
ponto do desemprego.
Eles não valorizam o meu autógrafo.
Já não há mais nada para matar. Ligo para a
rádio
e digo ao homem que está a falar com uma
superestrela. Ele corta-me.
Pego na nossa faca do pão e saio.
De repente a calçada reluz.
Toco no teu braço.
Carol Ann Duffy
Trad. Ana Filipa Oliveira
(Carol Ann Duffy, nascida em
Glasgow a 23 de Dezembro de 1955, e recentemente nomeada
a primeira poeta laureada, é uma das mais influentes
poetisas britânicas da contemporaneidade.)
Outras informações:
http://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/346/1/21446_ulfl071262_tm.pdf
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