REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
nova Série . número 66 . agosto-setembro
. 2017 .
ÍNDICE
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Luís Costa
escreve poesia e mais algumas coisas.
Nasceu numa Sexta-Feira Santa. Já teve o
prazer de participar em várias revistas
digitais e também (com 4 poemas) no primeiro
número da Revista Objeto Surrealista DEBOUT
SUR L'OEUF.
mas até agora continua inédito em livro.
Para além disso pouco há a dizer. Ah!Diz
que a biografia do poeta é a sua poesia,
pois, a seu ver, fora do poema o poeta
não existe. Ama a poesia, mas também a
odeia. Sim, poetar é para ele uma
questão de ódio e amor. Uma violência
amorosa. Talvez mesmo o ( des )
contínuo assassinato do eu para que o
poeta se faça. |
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LUÍS COSTA
Aviltações
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Dejo correr
la sangre de las manos.
Acostado en
la cama la examino.
Las sábanas
la sorben dulcemente
con la quieta
avidez de su blancura.
José María
Fonollosa
Depois de me sugar dos
ossos o recheio,
Quando, com languidez,
pra ela me virei
Querendo um beijo de
amor, eu vi apenas um
Odre a escorrer,
viscoso, tão cheio de pus!
Charles
Baudelaire
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1
Angelus Novus
(cracoviano)
Num subúrbio de Cracóvia vi
Um cão pardo muito magro
Que comia o cadáver de uma
pomba
Ainda branca como o
Anjo da História
(Walter Benjamin dixit)
E num banco de jardim sentado
Um velho deus barbudo e
esfarrapado
Comtemplava aquele espetáculo
Como quem assiste a um filme
porno
Masturbando-se como um
danado.
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2
Sangue negro derramado pelo
chão
Cálix sujo que a mão já não
desoculta
A boca aberta num supremo
esgar
Os lábios roxos de tanto não
alcançar
O sudário cheio de nódoas e
excrementos
Desse cu outrora viril e
quase santo
O pénis uma polifonia de
lamentos
Esperas ainda o quê
ante tanto tormento?
Já só a tumba te resta
tumba que desde
Sempre carregaste em
dias de festa ou breu
Casa de caracol que sob
a lesta bota
Do petiz um dia
desapareceu.
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3
Gloria, Gloria, Gloria…
Rémiges por onde a urina e as
fezes
Brandamente alouradas
escorrem
Ao redor: as carnes
abertas ali deixadas
Uma petulância
perfumada sobe
Em delírico ardor
acodem as varejeiras
Oh dévios luzeiros! luzeiros
inteiros!
Obrante de elevação ergues a
taça
Respiras dourada talha em
mercúrica devoção
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4
É preciso enlouquecer
Precipitar a violência dos
mastins
Sobre esta juba de Senhores
Que avançam com os seus
estandartes racionais
Vertendo banha de cobra aqui
e ali
Amputando mentes inautênticas
Como se a existência se
pudesse comprar
Senhores de Doutoríficas
virtudes
De dignos dons e moralidades
É preciso abater essas mentes
senhoriais
Cheias de baba e merda
É preciso coragem para dizer
Certas coisas, certas
palavras, dizer, gritar
Ah ser-se cruelmente
autêntico:
Mandá-los para a puta que os
pariu.
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5
Der Bräutigam kommt, der
einem Rehe
Und jungen
Hirsche gleich
Auf denen
Hügeln springt
Und euch das
Mahl der Hochzeit bringen
(J.S.Bach)
As minhas unhas sujas de lodo
na tua carne
As tuas unhas sujas de lodo
na minha carne
A minha boca chupando a boca
do teu corpo
A tua boca chupando a rosa da
minha glande
Uma última cópula húmida de
amor e felicidade
Antes que casta a morte nos
engrinalde
(Embalando-nos a cantata 140
de J. Sebastian Bach.)
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6
Aves esbatidas na luz de um
sol noturno
Mênstruo lodo
escórias pus
Uma cadela aleijada
aproxima-se
(Os úberes tristemente
pendentes)
Afaga-la morosamente
Um nojo arroxeado infesta-te
a língua
Cospes sobre o mundo.
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7
Revês a cabeça do mártir
rodando no relicário
Humílima pose quase
pornográfica.
Imaginas o pavor que talvez
fosse o dele
Ante a espada que brilhante
desceu
Os olhos arregalados os
membros possessos
Depois lassos como quem
se vem
E o gemido permaneceu contido
Enquanto um olor fecal se
manifestava:
Beatífico exercício à beleza.
*
(Murmuras um cântico enfermo
Pois farto estás da canora
leveza.)
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8
Catarse
Esperma sangue e urina
escorrem
Por quele velho corpo / à
procura
De uma jovem taça que os
acolha
Esperma sangue e urina
naquela
Jovem taça / uma dádiva
celerada
Esperma sangue e urina e
correntes
E correias / cindindo aqueles
corpos
Sujos e exsudados
Em jubilada martirização.
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9
Impoema
Um som cravado nos
ventrículos
Uma flor que produz para
dentro
Um som em sangue vivo
ainda
Um furúnculo que devora a
boca
Um som errando para sempre
Na imensidão sémen que
mal
Tocou a terra logo
mirrou
Um som enfim que
não chegou
A devir um estampido na
cabeça
Um desmoronamento.
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10
Sublevam-se contra o céu
Contra o mundo
Contra um deus
Que é um cão febril e feroz
Nasceram de costas para o
mundo
Amam com o ódio
Pagam a peso de ouro
A maldição de terem nascido
E exploram os abismos
Autoflagelam-se
Masturbam-se
Rebolam-se na lama…
Altívolos fazem da sua
miséria
Uma virtude.
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11
O terror
A casa é grande e branca.
Os pássaros relincham.
Batem contra a dureza da
melancolia.
Apodrecem. morrem.
Os risos das crianças
Transformam-se em adagas.
Atravessam os jardins.
Em baixo: a glória dos
mortos.
E tu: habitas esta casa.
Tão conhecida. tão estranha.
Vozes insanas
Rodeiam-te, enleiam-te ...
Sombras. tudo é falso.
Os teus olhos inglórios.
Desorbitados.
- Ó etéreo do terror!
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