UM PROBLEMA PARA O SONHADOR
Mas uma só palavra me acudia à mente
Enquanto devagar ou antes
ainda sonolento
Ia executando os primeiros pequenos
gestos
Do acordar
Primeiro uma perna posta quase ao
acaso
No soalho sobre algo que na madrugada
Ali se dispusera uma peça
de roupa um objecto
(e pense-se no que estes minúsculos
pormenores anunciam)
Um botão um pente de matéria plástica
vermelho num bolso
Um arrepio porque é de facto um outro
dia
Murmurações recordações uma árvore
que oscila contra a vidraça
A sombra
Um traço de luz São os
gestos
De um novo início
Sete horas oito horas mas
mais que uma palavra
Ou antes um pedaço de frase
mesmo assim
Um começo do que sabia um rasto
um vestígio vago
E repetia repetia sem
cessar a sua melodia solene
Mas não bem solene emendo
com sua tessitura iluminada
Assim como sacral ou
diria comovida e talvez
Ponto de fuga para outras latitudes
E ia e vinha
e fazia-se memória
(Eis como é o mapa o continente do
que repercute
Do que por um breve momento é bem
matéria viva
Na nossa cabeça
como se diz no que pensamos)
Um verso um verso apenas
e que quase não se situa
Duas três palavras como som
desvelado como reflexo
Uno e duplo duplo e uno porque
ligação de descoberta
(“Dos olhos e das mãos brotam as
coisas”)
De casa entre ventos de sons
ora surdos ora ecoando
E é a voz que nos chegou
incontida perene
E finalmente o grande arco do mundo é
junto de nós
No nosso corpo inconcreto
No tempo que é bem nosso
De novo o princípio duma manhã
reencontrada.
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