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Maria
Estela Guedes (Portugal, 1947). Poeta, dramaturga,
ensaísta, tem como referência dois
livros sobre o poeta Herberto Helder. Faz parte do
conselho de redação da revista eletrónica Incomunidade e
dirige, na editora Apenas
Livros, a coleção
cadeRnos
suRRealistas sempRe.
Tem umas centenas de títulos de artigos
e livros publicados, em Portugal e noutros países.
Foto: José Emílio-Nelson |
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MARIA ESTELA GUEDES
José Verdasca: portugueses e brasileiros
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José Verdasca é um escritor brasileiro,
aliás português, e aliás Presidente da ONE (Ordem Nacional dos
Escritores do Brasil), entre mais de uma dezena de outros
títulos e pertenças que habitualmente valorizam os nossos
curricula. Conheci-o durante o desenvolvimento do
Projeto TriploV "Sarmento Pimentel", pois é um dos
especialistas da figura do "Capitão", em resultado da
sólida e longa amizade entre ambos. A confirmar o facto, em
homenagem, um dos livros de José Verdasca intitula-se
Memórias de um Capitão - Memórias do Capitão é o
título de referência de João Sarmento Pimentel, e ambos partilham, para além de muito mais, a circunstância de as
universidades brasileiras terem incluído, e incluirem, as suas
obras nos programas de ensino.
Só para justificar a temática militar do parágrafo anterior,
José Verdasca, nos anos sessenta, era capitão e encontrava-se na
guerra em África. Por desinteligência com a hierarquia superior,
desligou-se do Exército e foi viver para o Brasil, onde se
instalou em São Paulo. Mantém no entanto relações de sólida
amizade com membros das nossas Forças Armadas, e por todas estas
razões fez
parte do elenco de personalidades que homenagearam Sarmento
Pimentel na iniciativa que a Associação 25 de Abril levou a cabo
em Abril em parceria com o Triplov, "João Sarmento Pimentel - Um
século de História".
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Ramalho Eanes, José Verdasca e Vasco Lourenço, na sessão de
encerramento de "João Sarmento Pimentel - Um século de
História", na Associação 25 de Abril |
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De entre as muitas obras do Presidente
da ONE, elegi duas para o meu editorial. A primeira, porque vale
a pena o nosso governo e nós, escritores, sabermos o mercado de
livros que desaproveitamos no Brasil - Padre Antônio Vieira,
Sermões escolhidos, com pesquisa e organização de José
Verdasca. A outra, assinada por António Neto Guerreiro e José
Verdasca, porque satisfaz a necessidade de muitos
portugueses responderem à letra a sacramentais perguntas
maliciosas dos brasileiros, tendentes a denegrir a nossa ação no
Novo Mundo: A colonização portuguesa no Brasil - Verdades &
mentiras. Contestação e repúdio aos livros "1808" e
"1822".
Os sermões escolhidos foram só
seis, para livros de pequeno formato, com perfil pedagógico, na
Coleção A Obra-Prima De Cada Autor, cerca de
222 páginas. Nada que se assemelhe à recente edição organizada
por José Eduardo Franco, Obra completa do Padre António
Vieira, em trinta volumes. O que merece reflexão, para além
evidentemente do conteúdo dos sermões, é o número de exemplares
vendidos até abril, quando José Verdasca prestou essa
informação: um milhão! Nunca me tinha chegado notícia de um tão
grande número de exemplares vendidos do livro de um português.
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Padre Antônio
Vieira
Sermões escolhidos
Pesquisa e
organização de José Verdasca
São Paulo
Editora Martin Claret
2009 |
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Só quem nunca saiu de cá ignora a
sacramental pergunta dos brasileiros aos portugueses: "O que é
que vocês fizeram ao ouro do Brasil?" E não apenas essa a
questão, o brasileiro olha à sua volta, em Portugal, por exemplo
em Évora, e acha que todos os monumentos que a sua vista abarca
foram construídos com o ouro e os diamantes do Brasil. Mais:
entende que os castelos só são portugueses, porque os
portugueses os conquistaram aos mouros, o que é verdade, mas só
é verdade no que
respeita a castelos do tempo dos mouros. Se a conversa se
adentra nos meandros da paixão, e sim, perguntando uma vez
porquê esse encarniçamento, a resposta foi que é por amor, é por
amarem os portugueses que os brasileiros se atiram a nós, enfim,
voltando atrás, se a conversa se torna ainda mais apaixonada, aí
vem a ruindade portuguesa herdada pelos brasileiros justificar
toda a má governação e toda a miséria do Brasil.
É claro que isto não é a sério, são
conversas de amigos, mas irritam e fundam-se em livros que
apresentam má imagem da colonização portuguesa, caso de obras que não li, como
1808 e 1822, aquelas que deram origem à
contestação e repúdio patentes no subtítulo "Verdades &
Mentiras" do livro de António Neto Guerreiro e José Verdasca.
As falsidades corrigidas a essas obras
são oito, começam pelo acaso ou premeditação da viagem de que
decorreu o achamento do Brasil, passam pela exploração das
riquezas - os portugueses não exploraram, produziram riqueza,
introduzindo culturas agrícolas e animais domésticos sem os
quais não era possível sobreviver - até acabarem na resposta à
pergunta: "Afinal, qual será o grande problema do Brasil: a
colonização portuguesa ou a maior parte dos governos que se
seguiram ao Imperador Dom Pedro II?"
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António Neto Guerreiro/ José
Verdasca
A
colonização portuguesa no Brasil - Verdades & mentiras.
Contestação e repúdio aos livros
"1808" e "1822".
São Paulo
Ordem Nacional dos
Escritores
2015 |
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É indiscutível a vocação de José
Verdasca, a mesma de Sarmento Pimentel, vinda já da Seara Nova,
para instruir os cidadãos. Não há democracia sem letras, o saber é
o pão da inteligência. Por isso termino, corrigindo-me a mim
mesma, pois, sempre que a sacramental pergunta me é atirada à
face, costumo responder: "Essa pergunta devia eu fazê-la a você:
que destino deram os brasileiros ao ouro que os portugueses
deixaram no Brasil? Para Portugal só vieram os quintos dos
infernos, a quinta parte paga em impostos".
Errado. A corrupção
levava a que só fosse declarada uma parte do ouro, por isso os
impostos incidiam na parte e não no todo... Calcula-se que só um
terço do ouro fosse declarado aos cobradores de impostos. Além
disso, quando a corte se moveu para o Brasil, com essa corte
voltou à origem uma riqueza incalculável, em dinheiro, jóias,
obras de arte, documentos, livros raros, etc.. Por exemplo,
muito do
que hoje temos à nossa disposição nas bibliotecas portuguesas,
para estudo do século XVIII, são cópias da documentação ida para
o Novo Mundo com as roupas e as mobílias de D. João VI,
gentilmente cedidas, na maior parte, pela Biblioteca Nacional do
Rio de Janeiro.
No ponto 7, os autores rejeitam a ideia
de analfabetismo da colónia, apresentando como provas em
contrário o Colégio de Olinda e o de São Salvador. Neste ponto,
eu gostava de acrescentar algo, resultante
de antigas pesquisas sobre os naturalistas, ou filósofos naturais,
esses que até sabiam como podia a análise das amostras de
minérios produzir fraude
no teor de ouro, mínima percentagem que enganava a Real Casa da Moeda ou instituição
similar. Antes da independência do Brasil, houve movimentos de
insurreição no século XVIII, o mais conhecido dos quais foi a
Inconfidência Mineira, de que resultou a morte do Tiradentes.
Esses movimentos independentistas têm na base teórica a ação
pedagógica desses mesmos naturalistas e de outras pessoas
superiormente instruídas, que era comum na época encontrar nas
Lojas. Então aparece-nos um caso singular, patente nos autos de
devassa às pessoas implicadas nas rebeliões: na Inconfidência
Mineira, foram presas individualidades de posição social e
intelectual elevada, uma delas apanhada em flagrante a ler um
texto proibido, a constituição americana... Na Revolta dos Alfaiates, como o nome
indica, foram presas pessoas de média e baixa condição social.
Para espanto de quem hoje compulsa a documentação, nesse século
XVIII de tão alta taxa de analfabetismo (no século XX, em
Portugal como noutros países, a taxa era superior a 50% em certas
povoações), para espanto geral, esses homens pobres, sem punhos
de renda, que exerciam profissões modestas, sabiam todos ler e
escrever. Constituíam por isso uma élite. A que se deveu? À
mesma escola liberal que liderou as outras independências
americanas e subjaz à implantação da República Portuguesa: a
Maçonaria.
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