Há pouco tempo voltei a ouvir,
pela boca de um líder religioso, que a parapsicologia caiu
no esquecimento por ser um atentado às verdades divinas. -
Nada que seja contrário a Deus pode existir. Dizia
orgulhoso. E, já um pouco mais agressivo, referiu-se à
parapsicologia como uma pseudociência ateia. Alargando
ainda tal impropério, passou a dizer que a parapsicologia
negava, sem o menor fundamento, os milagres realizados por
Jesus, as santas curas extraordinárias, a ressurreição e até
mesmo as inúmeras conversões que vêm ocorrendo nos últimos
anos, pela ação do Espírito Santo. Lembrou-se ainda que
muitos religiosos já "entraram nessa onda" de descrença, o
que, segundo ele, era "muito triste".
Como se não bastasse, já que quem
ajoelha tem que rezar, aproveitou para mostrar dados
estatísticos que apontam para um crescimento vertiginoso da
igreja evangélica, o que, também segundo ele, mostra que o
povo sabe "separar o joio do trigo".
Mas, como 'não só de pão vive o
homem', também não só de críticas, por parte de evangélicos,
vive a parapsicologia.
Há também católicos e crentes,
das mais variadas crenças, que nesse quesito,
deliberadamente esquecem suas diferenças e passam a comungar
entre si, das mesmas ideias. Nestes, incluem-se também os
espíritas.
O fato é que de lá, ou de cá, a
base é sempre a mesma. A parapsicologia é maldita por que
destrói a fé, escreveu catolicamente um servo de Deus.
Ponto.
Em resumo, a ideia norteadora,
segundo eles, é que a parapsicologia não crê nos milagres de
Jesus, nas curas milagrosas, nas possessões, ou seja, não
crê em nada atestado há dois mil anos pelos evangelhos.
Tudo, absolutamente tudo, é explicado, pela parapsicologia,
como natural. Não há espaço para o sobrenatural, para o
divino, o sagrado, sob a perspectiva parapsicológica.
Bem, de fato, concordo que não
haja espaço para o sagrado sob a perspectiva
parapsicológica. Mas essa crítica parece-me demasiadamente
injusta uma vez que não há espaço para o sagrado também na
astronomia, na física, na medicina, na matemática, na
biologia, na história, etc. A razão para isso, sempre pensei
desnecessário dizer, é que a ciência não pode valer-se do
sagrado, do sobrenatural ou do divino para explicar ou
fundamentar seus estudos. Isso quem faz é a religião.
- Deus fez o homem do pó da terra
e soprou em suas narinas o fôlego da vida. - Jesus curou o
leproso, o cego de nascença; transformou água em vinho;
ressuscitou dos mortos... são afirmações de natureza
religiosa, não científica, embora avancem destemidamente nos
limites estritos da ciência.
Religiosos, contudo, arvoram-se
em dizer que a ciência não tem resposta para tudo. De fato.
É a mais pura verdade. Mas isso parece-me mais uma impostura
intelectual do que um argumento. Diferentemente da religião,
em ciência não há respostas prontas. E muito do que as
religiões afirmam, com ares de bom argumento, não passam de
frágeis afirmações. Vejamos: - Deus transformou água em
vinho. Bem, por mais interessante que possa ter sido tal
acontecimento, ainda assim é uma afirmação, não um
argumento. Embora tal testemunho seja aceito sem restrições
pela religião, a ciência não pode chancelá-lo simplesmente.
À ciência importa o como isso foi possível? Milagre?
Mas milagre não é uma boa explicação científica, nem mesmo é
uma palavra que pertença ao vocabulário científico. Aí
reside a diferença.
Por essa singela razão, quando a
ciência não tem explicação para um determinado fato,
limita-se a dizer "não há explicação, dentro do atual
universo do conhecimento científico, que justifique
(comprove) tal ou qual ocorrência". Nada mais. Não apela
para forças sobrenaturais, totalmente desconhecidas e
alheias ao universo científico, em busca de uma explicação.
Mas essa compreensão parece não
sensibilizar uma gama bastante ampla de religiosos que, por
inúmeras vezes, exaltam a religiosidade de muitos
cientistas. Mas, convenhamos, o que significa
exatamente dizer que muitos cientistas são religiosos? Que
substituíram a tabela periódica pela bíblia na busca de
respostas? Que cometeu erro crasso Lemaître, por ser um
religioso, ao apoiar a teoria do Big Bang? Ou que os
religiosos, pela mesma razão, devem negar, por
completo, a evolução das espécies proposta por Darwin? A
resposta nos parece um razoável e sonoro NÃO. A ciência está
atrelada à universalidade. A religião não, embora seja
apresentada como única, conciliadora entre os povos, etc.,
etc., etc., na prática, não nos parece ser assim. Talvez
dizer "única" signifique apenas dizer a "minha". Senão,
vejamos:
- Jesus é o Messias esperado, diz
o Cristianismo. Contudo, - Jesus não é o Messias esperado,
diz o Judaísmo. - Jesus é divino, diz o Cristianismo. Mas, -
Jesus não é divino diz o judaísmo e também o islamismo.
Também dizia Voltaire, "muitos milagres que passaram por
autênticos na Igreja grega foram postos em dúvida por vários
latinos, assim como milagres latinos foram considerados
suspeitos pela Igreja grega".
Diante de tantas afirmações contraditórias, como ficamos?
Jogamos uma moeda para decidir sim ou não? Que
conceito de universalidade agregamos ao conceito de
religião, que a eleva, ao mesmo tempo, às categorias de
universal e conciliatória?
O fato incontestável, e também
divisor de águas, é que acreditarmos em algo não significa
estarmos certos. A crença é aliada à opinião, portanto, não
traz, em si mesma, o grau necessário de certeza para
garantir a verdade. Daí crença e conhecimento pertencerem a
universos distintos. Não se pode alegar ser a crença
justificada pela razão. Isso seria uma escandalosa fantasia.
Em ciência não há verdades privadas. Em religião sim.
Alguns arvoram-se no fato de a
ciência assemelhar-se à religião. Asseveram que, da mesma
maneira, não há uma única corrente de pensamento em ciência.
Prova disso é que a própria parapsicologia sofreu constantes
ataques de outras ciências. Bem, de fato, isso é inegável.
Mas também é inegável que em ciência, nenhuma corrente de
pensamento ameaça seus postulantes a passar uma eternidade
no inferno caso se desviem de suas "convicções". Isso, por
si só, já faz toda a diferença. Diga-se ainda que a ciência
não tem a menor preocupação em ser desmentida. Inclusive,
exige que seja replicada. Isso não ocorre com a religião,
com todas as religiões, que se acham sempre verdadeiras e
incontestáveis.
Em relação à parapsicologia, a
insurgência deveu-se pela dificuldade apresentada pelo seu
objeto de estudo e também em virtude dos obstáculos em
replicar os resultados. Não por ser contrária às Escrituras,
como querem alguns. Algo estranhamente novo, insólito, que
aparentemente contrariava princípios e leis da ciência já
estabelecida. Daí Charles Richet, em defesa da nova ciência,
ter afirmado, logo nos primeiros lufares do século XX
(1922), no seu Tratado de Metapsíquica: "Tão logo declarem
que tal ou tal fenômeno é impossível, confundem
desastradamente o que é contraditório com a ciência e
o que é novo na ciência." Mas isso não ficou no
passado. Até hoje presenciamos reações adversas sempre que
um ou outro pesquisador se atreve retomar questões ligadas à
fenomenologia parapsicológica.
Nada de novo nisso.
Devemos, para não nos alongarmos,
pingar os ii.
Em primeiro lugar temos que ter
claro que a parapsicologia jamais negou a existência de
milagres. Também nunca negou a existência de Deus, dos
anjos, dos espíritos dos mortos, etc. Esse não é o papel da
parapsicologia, em particular, assim como de qualquer outra
ciência, no geral.
O que a parapsicologia afirmou no
passado, e continua afirmando no presente, com base em
evidências, (não devemos deixar de lado que o primeiro
laboratório para estudos parapsicológicos [telepatia e
clarividência] foi fundado por Joseph B. Rhine na
Universidade Duke, (1930) não num fundo de quintal) foi que
nos fenômenos por ela estudados não apareciam, como
protagonistas, seres que habitam outros mundos. - Os
espíritos, de qualquer natureza, nunca se apresentaram em
estudos controlados em parapsicologia, afirmaria J.B. Rhine,
que cito de memória. Para isso, apresentou uma número
infindável de experimentos que apontaram, com evidências
bastante substanciais, estarem os fenômenos ligados a uma
complexa resposta do psiquismo humano, mesmo admitindo-se a
fragilidade do conceito que orbita em torno disso. Nada de
anjos, demônios, espíritos ou qualquer nome que se queira
alçar no campo sobrenatural. Ora, a reação a isso, por parte
dos religiosos, como era de se esperar, foi imediata. Num
mundo em que milagres de todas as esferas são sempre
bem-vindos e necessários, principalmente por parte das
igrejas, templos, centros, etc., o caminho mais curto para
garantir-se o sucesso do sobrenatural (e consequentemente da
servidão coletiva) é eliminar as formas de rejeição. Não no
diálogo, nos bons argumentos, mas na negação peremptória de
tudo o que fosse contrário à fé. Como fazê-lo? Aqui tivemos
um fato interessante. Mais que isso, quase um golpe de
mestre. Vejamos:
O que incomodou os religiosos em
relação à parapsicologia foi a negação daquilo que era
afirmado no âmbito religioso como uma verdade
inquestionável. O que fazer diante disso? Usar a ciência
contra a própria ciência. ( a isso chamei "golpe de mestre")
Como? Utilizando, para isso, de uma interpretação
carregada por uma surpreendente indução psicológica.
Para tal, foi usado o imaginário
"conflito" existente entre estudiosos envolvidos com a nova
ciência e os cientistas já consagrados da velha escola, que
faziam clara oposição à recém chegada parapsicologia e seus
métodos.
Assim, à medida que a
parapsicologia era negada por grande parte de cientistas
consagrados, físicos, químicos, matemáticos, etc., os
religiosos engendraram uma nova interpretação aos fatos, que
atendia maravilhosamente aos seus interesses.
- Ora, se a ciência já
consagrada, opunha-se à nova ciência, isso passou a
significar, no entendimento dos religiosos, que a ciência
consagrada, ao negar a parapsicologia, "aceitava", por outro
lado, por mais absurdo que isso possa parecer, as curas
milagrosas, a participação de entidades desencarnadas, etc.
Diante disso, o axioma religioso: A ação de seres
extracorpóreos (anjos, demônios, espírito dos mortos, etc.),
é uma realidade. Mais que isso, uma realidade não desmentida
pela ciência "de verdade". Deixaram cair no esquecimento o
fato de que nenhuma ciência jamais desmentiu, ou negou, o
sobrenatural. Dizer que não há evidências que o comprovem
não é o mesmo que negá-lo.
Assim, com uma interpretação
marginal em relação aos fatos, e, mais que isso, desonesta
intelectualmente, o exército de servidores voltou à frente
de trabalho e a construção de templos multiplicou-se mais
que o próprio 'milagre dos pães'. O que se deixou esquecido
no fundo do baú foi o incontroverso fato de que a
parapsicologia, como deixamos claro linhas atrás, jamais
negou a existência de seres incorpóreos, inteligentes e
independentes, de qualquer natureza, divina ou não. E a
razão, já expressa também em linhas anteriores, é que não é
de sua competência fazer tal afirmação. Apenas asseverou,
com base em suas pesquisas, que não eram eles (nenhuma
evidência) os protagonistas dos fenômenos estudados. Nada
mais.
Dizer, portanto, o que muito
agrada aos entusiastas religiosos, que "a ciência
(conhecimento) confirma a fé (crença)", inclusive com tons
de uma verdade ao mesmo tempo legítima e universal, não
passa de uma afirmação vazia e, mais que isso, ingênua, à
medida que expõe a fragilidade das crenças religiosas que,
por si sós, são insuficientes para manterem-se e por esse
motivo buscam apoio em valores e conhecimentos seculares.
Inadvertidamente.