Encontrei, há bocadinho, o Velho do
Restelo,
ao volante de um Porsche, a subir as
Descobertas.
Ia a casa da Glória, mesmo ali, em
Caselas,
que lhe deve mil favores e lhe faz umas
ofertas.
Sem barba, está mais novo, mais
composto… E mais cordato.
Que isto… é claro, afinal… tudo tem suas
vantagens…
É que os tempos mudam e, bem… só há que
acompanhá-los.
Ele hoje até é sócio de uma agência de
viagens,
de uma rede de turismo de luxo no
Brasil,
tem negócios na Guiné, Moçambique… E, em
Angola,
está ligado a um consórcio de pedras
preciosas
e a uma escola de talentos para os gajos
da bola.
Enfim, vai-se safando… Comprou casa no
Estoril;
uma, assim… discreta, para os aféres, em
Odivelas;
outra ainda, na praia; uma herdade no
Alentejo;
um iate; e uma quinta, lá para cima, em
Nelas.
Protegeu-se também, é natural… Estamos
na selva!
Cada um trata de si, cada um seu
apetite…
Contribui para a oposição, tem um primo
em Bruxelas,
dois amigos no governo e um sobrinho na
judite.
Falando com franqueza, sabemos que nunca
foi
de se gabar, mas desde muito novo que
ele viu
que a vida, ao fim das contas, não é
senão o quê?
Comer bem, beber melhor, fornicar, obrar
macio.
Mas a poesia…! Tomou-lhe o gosto! O
Pessoa
É para o metido com ele, mais, vá!, para
o trombudo…
Agora o Camões… Tratou-o mal, mas era um
espectáculo!
Tanto, que hoje tem um dia que é só dele
e tudo!
É que não, não há melhor fingidor do que
um poeta
(lá nisso, convenhamos, o Pessoa tem
razão).
E Camões, meus senhores, foi pioneiro
nessa treta
maior que é Portugal a fingir,
Portugal-nação.
A visão precoce que o homem tinha do
futuro!
Da grande festa enfeitada por nuvens de
medalhas…!
Dos discursos emplumados sobre a compra
da dívida
dos barões assinalados nas modernas
batalhas…!
Camões, porém, não chega, é preciso
inovação!
Comer sempre a mesma coisa, a certa
altura cansa.
Vão-se juntando outros, à laia de
sobremesa…
Mas só de carnes mortas, não se envenene
a festança!
E o 25 de Abril…! Também foi dado aos
poetas!
Mas aos da nova geração, os da
modernidade,
que cravam no futuro as palavras como
setas,
não vá faltar alguém à união na
Liberdade!
E tu, meu velho camarada, amigo e
companheiro!
Que tens feito tu, que às vezes lhe dás
no relambório?
Olha-me a tua vida, pá! Escreve-me
qualquer coisa!
Trata dessa carreira, junta-te ao
foguetório!
Saudades à família! – Acenou-me.
Arrancou.
Segui-lhe o conselho, escrevi isto. E cá
me vou.
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