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Aíla Sampaio.
Professora da UNIFOR
e doutoranda em Letras pela UFC |
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AÍLA SAMPAIO
As teias ficcionais de Safira não é flor
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O
romance Safira não é flor, do jornalista Pádua Lopes,
transporta o leitor para a Europa, mais precisamente para a
Itália e a Grécia, e o faz mergulhar na história, na arte e na
gastronomia das regiões visitadas nesses países: Veneza,
Florença, Roma, Milão, Atena, com descrições suntuosas sobre um
passeio pela “larga rodovia na orla do Mar Egeu, passando diante
da ilha de Salamina” e pelo Istmo de Corinto, (LOPES, 2016, p.
159), com detalhes históricos diluídos na trama.
A narrativa em
primeira pessoa dá a impressão de ser o protagonista, um homem
culto e apaixonado pela arte, o alter ego do autor. São as teias
ficcionais que enredam o leitor e o fazem refletir, viajando na
imaginação, sobre a liquidez dos amores virtuais que o casal,
seu companheiro de viagem, vive.
Duas pessoas
casadas – Pedro Pantoja e Safira - conversavam furtivamente pela
internet e resolveram se conhecer pessoalmente num encontro que
já era a partida para uma viagem à Europa. Felinto Estrada, o
narrador, os tem como companheiros de aventura, mas logo percebe
que os seus interesses são diversos: o casal quer apenas viver o
romance, enquanto ele se interessa por conhecer todos os
monumentos e obras de arte sobre os quais já leu, esbanjando um
vasto conhecimento prévio de todos eles.
O título traz uma ironia
velada. Safira, a pedra preciosa, na narrativa, é o nome da
mulher que deixa o marido resignado em casa, com os filhos, e
viaja para viver uma aventura com um desconhecido, ávida por dar
tempero à sua vida sexual. De personalidade leviana e fútil, ela
conhece o seu papel de apenas amante e companheira de viagem,
mas demonstra querer mais que isso. Assim, Safira não é flor
parece a definição in absentia da mulher, que se faz por
um adágio que tem tudo a ver com ela: 'Safira não é flor… que se
cheire'!
Tanto assim que, após o retorno, ela
confessa, em carta a Pantoja, que visitava sites pornográficos
na internet e sentia “anseio de libertinagem” (LOPES, 2016, p.
253), justificando, desse modo, o adultério; retoma a relação
com o marido e faz em sua companhia viagem de lua de mel ao
velho mundo, deixando o amante para trás, após tentativas vãs de
reconciliação com ele. Ela conclui, afinal, que “a internet é um
atalho para a felicidade, que enfeitiça para confiar
incondicionalmente nos parceiros virtuais” (LOPES, 2016, p.248). |
A trama tem
função na narrativa, mas é secundária. O leimotiv
é mesmo o turismo cultural: os museus, com as mais
variadas obras de arte, os monumentos históricos, os
teatros, as ruas e as belezas arquitetônicas. Embora,
por vezes, pareça um romance histórico, trata-se, na
verdade, de literatura de viagem. A história não é,
entretanto, autobiográfica, configura um relato de
viagem, que faz transbordar o “universo cultural” do
narrador, cujas observações expõem mais para o “âmbito
cultural dele mesmo do que para o lugar visitado, ainda
que [fale] também deste”, como assegura Junqueira (2011,
p. 45).
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Ribeiro adverte que “Os
relatos de viagens são subgêneros da biografia e da
autobiografia”, assegurando que esses dois últimos gêneros
“contemplam a narrativa de uma vida toda, com início, meio e
fim”, enquanto “o relato de viagem torna-se apenas uma ínfima
parte de um todo, uma espécie de metonímia da vida”. De fato, a
narrativa de Estrada traduz um recorte do mundo dele, seu vasto
conhecimento das artes visuais, da literatura e da arquitetura,
revelando seu caráter sensato e sério de advogado bem sucedido,
o que não o impede de se deixar envolver pelas peripécias dos
amigos amantes, hedonistas e autocentrados demais para
compreenderem o significado da viagem para o amigo. A história
do casal foi, na verdade, um pretexto para a demonstração da
vasta cultura do narrador e para uma crítica à relações
factíveis iniciadas em sites criados para essa
finalidade.
No retorno ao Brasil, Pantoja renega a experiência da
viagem com alguém que conhecia apenas das salas de bate-papo, e
o romance tem fim como começou: no aeroporto. Ele continua suas
aventuras virtuais e suas viagens, como um “Don Juan da era
digital” (LOPES, 2016, p.230). Sugere que Estrada escreva um
livro e entrega a ele os e-mails e a carta de Safira. Essa é uma
estratégia para que o narrador não onisciente tenha conhecimento
total dos fatos e consiga arrematá-los.
O discurso literário de Pádua flui com leveza na pena de
Estrada. Tudo é perfeitamente descrito, como a construir um
retrato realista dos cenários e dos personagens. Como a escrita
se reporta a um passado (ficcional) recente, todos os detalhes
são resgatados da memória, e o fluxo de informações envolve o
leitor, que se deixa absorver pelo turismo cultural que faz com
a leitura e entende a crítica, sem moralismo, às relações
inconsistentes e efêmeras iniciadas na internet, sem solidez no
mundo real.
Há várias considerações na obra sobre o assunto. Ana
Marta, personagem circunstancial que o trio conhece em Roma,
diz: “A internet abriu um campo inesgotável para as fantasias,
sobretudo as da sexualidade. O adultério virtual choca porque as
mulheres estão indo ao ataque por parceiros e por estímulos da
libido” (LOPES, 2016, p. 80). Estrada completa a conversa
falando sobre a transformação nos casamentos, a difusão de
pornografia e o consumo de drogas. Já Pantoja fala do vício e da
susceptibilidade a crimes virtuais. O romance não propõe, mas
leva o leitor a uma reflexão sobre o uso da internet e a
fragilidade das relações por meio delas iniciadas; coloca o
homem e a mulher em igualdade de condições, sujeitos aos mesmos
riscos, sem sexismo ou preconceito.
É, de fato, auspiciosa a estreia de Pádua Lopes no
romance. Valem o passeio pela Europa, as 'aulas' de história e
as considerações sobre o tema atual que tanto tem suscitado
atenção... e o mais interessante: tudo enredado pelas teias
ficcionais, sem qualquer compromisso com a verdade, embora
'cutucando-a com vara curta'. Aguardemos o próximo!
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REFERÊNCIAS
LOPES, Pádua. Safira não é flor. Fortaleza: Expressão
Gráfica, 2016
JUNQUEIRA, Mary Anne (Org.); FRANCO, Stella Maris Scatena
(Org.). Cadernos de Seminários de Pesquisa (vol.II). São
Paulo: USP – FFLCH - Editora Humanitas, 2011. v. 1. 129 p.
RIBEIRO, Roberto Carlos. Impressões de um viajante europeu na
Ásia .In: Ciência & amp; Letras . Porto Alegre, n. 48, p.
223 - 233, jul/dez. 2010. Disponível em: Acesso em: 30/03/2017
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